Eu desço dessa solidão
Espalho coisas
Sobre um chão de giz...

No real do mundo invocado por Rubia Delorenzo, real em que a solidão é senhora, vez por outra caçamos palavras. Noutras vezes porém elas nos vêm, imprevistamente, carregadas pelas melodias que as combinaram, que as intrincaram. Nos versos de Zé Ramalho encontramos as palavras de abertura de nosso editorial comemorativo de 10 anos de Boletim Online. Quem nos soprou essa antiga canção nos ouvidos foi Luana Chnaiderman de Almeida, por causa de seu pronunciamento, aqui publicado, em torno da presença dos professores da educação básica na greve geral de abril. Nayra Ganhito chamou um samba, chamou dois sambas para abordar a gravidade do momento político social que vivemos, quando toda a insurgente dignidade do sambista nos faz falta.

Seremos diretos e com Paulo Sergio Pinheiro diremos ainda que, no Brasil, mês passado, chegamos ao fim da linha, que “os estragos causados na institucionalidade e no Estado de Direito têm de ser estancados”. De onde a promessa de vida nos corações? Nós a encontramos nas escutas sensíveis como a do rapaz que, diante da apropriação sensacionalista da dor e do sofrimento na Cracolândia pela mídia televisiva, pediu: “Desliga isso, mãe, é nojento”. Ao participar de sua primeira coletiva de imprensa, no CRP, o Boletim registrou essa luta entre o mal-estar e a cultura em reportagem articulada por Cristina Barczinski e Sílvia Nogueira de Carvalho.

Frente a uma explosão possível, o que se faz? “Sua omissão volta a você como repressão”, disse Cildo Meireles em 1979, nO sermão da montanha: Fiat lux. Hoje, Clerouak – disruptivo palhaço-músico retratado por Adriana Pereira – segue a nos perguntar: “Você tem um senhor, senhor? Você tem um senhor, senhora?”. Mulheres evocadas por Maria Carolina Accioly respondem Não, resistem com o corpo à loucura – no front de guerra, uma menina se levanta e começa a cantar - e recriam afetos através da leitura/escrita.

Seremos capazes de continuar produzindo tanta beleza quando vier bom tempo? Tanta ou mais mas, fundamentalmente, muito mais alegria. Afinal, como nos lembra Heidi Tabacof, sempre é tempo de intensificar a vida.

Feliz aniversário, Boletim! Parabéns a esse profícuo Departamento, que cresce nos atos de passagem que remarcam a chegada de novos membros, que se expande na sua exterioridade latinoamericana!

Boas leituras a todos.

Com abraços da