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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    05 Abril de 2008  
 
 
NOTÍCIAS DO DEPARTAMENTO

Fala de abertura do evento: Psicanálise hoje – caminhos da formação e da transmissão


CLEIDE MONTEIRO

O GTEP (Grupo de Transmissão e Estudos de Psicanálise) e os professores do curso de Psicanálise, ambos do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, produziram este evento no qual o tema a ser discutido será "Psicanálise Hoje: Caminhos da Formação e da Transmissão".

O GTEP tem levado para locais fora da cidade de São Paulo, há mais de 15 anos, uma proposta de formação que inclui o estudo da teoria psicanalítica, o acompanhamento da clínica, e a discussão teórico-clínica. Dessa experiência, em configurações sócio-culturais tão diversas, surgiram muitas inquietações; este evento responde ao desejo de poder expressá-las e repensá-las num coletivo ampliado.

O curso de Psicanálise, desde sua constituição na década de 70, tem o tema da formação e da transmissão como questão fundante. Podemos mesmo dizer que este tema se encontra no cerne de sua existência.

Esses dois núcleos do Departamento se ocupam, de maneiras distintas, de uma determinada parcela da formação, e os diversos grupos de trabalho que compõem o Departamento sustentam, com seu fazer, a nossa convicção sobre a formação interminável.

Estamos reunidos, portanto, para refletirmos sobre um tema que nos concerne a todos.

Ele tem como pano de fundo o lugar que o saber psicanalítico ocupa na configuração sócio -econômica -cultural e política dos tempos de hoje.

Este saber, desde sua origem, no início do século XX, tem construído parâmetros para a compreensão do quanto as determinações sociais têm influência sobre o sofrimento humano. Freud, seu fundador, desenhou um modelo complexo do aparato psíquico, contemplando o registro das percepções, das representações e também uma forma de se compreender os efeitos do mais pulsante e não inscrito, motor que busca a descarga sem consideração aos desígnios do prazer. E sublinhou, diversas vezes em sua obra, aquilo que representa o mais característico do humano, ou seja, sua condição de simbolização: presentificação pela palavra do objeto ausente, criação de fantasias, interpretações e sentidos para o vivido.

Neste modelo de aparelho psíquico, destaca-se a relação com o outro, como necessária de sua constituição e de seu funcionamento. É por essa via que se processam as inscrições das marcas perceptivas, as interpretações do vivido, as nominações do existente e se instaura a raiz dos fenômenos da transferência.

O título deste evento também nos remete à questão do tempo e da história e, portanto, às mudanças que esses dois vetores da experiência humana promovem. Estamos no século XXI. Alterações profundas se deram nas formas de produção, nas instituições sociais, nos valores humanos, na percepção do tempo, do espaço, nas relações amorosas, nas formas de ser homem e mulher, para dizer o mínimo. As definições do que deve ser a existência humana, vigentes atualmente, convocam as subjetividades ao usufruto paroxístico das sensações, à busca do ser visto como forma de existência, ao estabelecimento de relações descartáveis e descomprometidas, semelhantes ao uso de objetos de consumo.

A velocidade com que caem em desuso objetos e conceitos é espantosa e concomitante à produção ilusória do novo, do atual, apresentado sob a aura do melhor somente por ser novo. Estamos no tempo do predomínio das atuações. A crise de sentido leva as subjetividades contemporâneas às vivências de vazio, desamparo, mal-estar, rapidamente reduzidas a uma disfunção biológica e medicadas como doença.
Há um estreitamento do campo simbólico na medida em que o sofrimento psíquico não porta nenhum sentido de crescimento, de crise, no sentido etimológico da palavra, ou seja, operação de distinguir, separar, decidir, julgar, escolher.

A teoria psicanalítica, ao explicitar as relações indivíduo-sociedade, também permitiu compreender as servidões constitutivas dos agrupamentos humanos, e a busca intensa de uma crença em algo superior e potente, que eliminasse as dores decorrentes do desamparo humano.

Mas a psicanálise, como sabemos, não se restringiu ao campo do patológico, pelo contrário, procurou, desde sua origem, romper fronteiras e apontar para outras formas possíveis de existência a partir da conquista de uma liberdade advinda do reconhecimento das determinações inconscientes, da interpretação do desejo, do rearranjo das marcas pulsionais, que podem gerar novas formas criativas de estar no mundo, de dar sentido à existência e de se implicar e participar na construção crítica do coletivo.

Isto estará em desuso? Será, ainda, possível?

Terá a psicanálise dos tempos de hoje o poder de se reconhecer como um pólo de resistência à tendência crescente de biologização do humano? De ser reconhecida como a força que dá suporte e voz ao recalcado da cultura, ou seja, à morte, à decrepitude, ao desamparo estrutural do humano?

Sustenta, ainda, que o sofrimento porta algum valor de conhecimento, verdade e apropriação subjetiva com responsabilidade? Consegue manter-se à margem da demanda insistente da velocidade, das curas mágicas, das forças sobrenaturais da religião e do misticismo? Mas, nesse lugar, torna-se vetor, produtor de pensamentos daquilo que se passa na cultura ou mantém-se alienada?

A formação e a transmissão contemplam essas questões?

Os dispositivos formativos objetivam dar conta de quais questões do campo analítico?

Eles convocam o sujeito ao contínuo trabalho, necessário, de reconhecer, refazer e transformar a trama de sentidos que o sustenta?

As propostas de regulamentação operam que alterações no campo e na formação?

Temos muitas questões; este pode ser um bom começo. Os palestrantes irão nos falar de suas experiências, das formas pelas quais suas instituições de pertinência têm pensado as questões da formação hoje e produzido dispositivos para realizar esta tarefa.

Estão, portanto, com a palavra.
6ª feira, 25 de abril de 2008.

(Seguiram-se as falas de Marina Massi, "A formação na SBPSP: da tradição ao desejo institucional de mudança"; Antonio Quinet, "Na escola de Lacan" e Flavio Carvalho Ferraz, "A experiência da formação e transmissão no Departamento de Psicanálise do Sedes: apontamentos").

(Durante o dia seguinte, 26 de abril, 8 mesas se desenrolaram:
Mesa 1: As heranças na transmissão da psicanálise, com as apresentações de trabalhos de Silvia Leonor Alonso, Fátima Milnitzky e Leonor Rufino; Tatiana Inglez-Mazzarella;
Mesa 2: Lugares de reconhecimento e impasses da institucionalização, com as apresentações de trabalhos de Isabel Mainetti Vilutis, Miriam Chnaiderman; Ana Maria Sigal;
Mesa 3: O lugar da supervisão, com as apresentações de trabalhos de Maria Elisa Pessoa Labaki; Lucía Barbero Fuks;
Mesa 4: Psicanálise nas instituições - grupalidades, com as apresentações de trabalhos de Vera Blondina Zimmermann, Fernando da Silveira e Suely Pereira de Faria;
Mesa 5: A transmissão hoje, com as apresentações de trabalhos de Adriana Victorio Morettin e Ana Lúcia Panachão; Elcio Gonçalves e Leilyane Oliveira Araújo Masson;
Mesa 6: O lugar da clínica, com as apresentações de trabalhos de Lia Pitliuk; Isso Alberto Ghertman; Maria Cristina Ocariz;
Mesa 7: O lugar da escrita, com as apresentações de trabalhos de Maria Laurinda Ribeiro de Souza; Fátima Milnitzky;
Mesa 8: Psicanálise e Universidade, com as apresentações de trabalhos de Ana Maria Sigal; Renata Udler Cromberg; Lygia Vampré Humberg).

 




 
 
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