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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    05 Abril de 2008  
 
 
NOTÍCIAS DO SEDES

Maio de 2008 – 12, 30, 31, 40, 60 anos depois


MARIA ANGELA SANTA CRUZ (1)

Existem ilimitadas formas de contar a Jornada da Clínica Psicológica do Instituto Sedes Sapientiae, acontecimento histórico (2) recente do Sedes. A escolha, inevitável, se faz pela pulsação provocada pela leitura das anotações, registradas no improviso, a partir das falas dos participantes da comunidade Sedes presentes no auditório do Instituto no final da manhã do dia 17 de maio deste ano, durante a realização da terceira atividade da jornada - momento de encontro de todos para comentar, debater, perguntar, propor.

E estas falas contam da composição de diversas linhas que se produziram no encontro, momento de finalização da jornada após um vigoroso e falante café da manhã, seguido da apresentação de abertura feita pela Diretora Adjunta da Clínica - Fátima Vicente -, abertura-convite para que todos fizessem um percurso delineado pelo vermelho de setas indicativas (no chão), percurso que reproduzia o caminho que os usuários do serviço são convidados a fazer quando chegam à Clínica. Ao longo desse trajeto, banners dispostos pelas paredes do sagüão, dos corredores, de algumas salas, marcam "estações" no fluxo do funcionamento do serviço.

Entusiasmo, ora um pouco ressabiado, ora franco e aberto, ora surpreso com o poder entusiasmar-se, em expressões matizadas e variadas, talvez tenha sido a nota dominante, mal disfarçada pelas falas. E produzir entusiasmo coletivo hoje, em tempos tão sombriamente individualistas, não é pouca coisa.

A publicização dos trabalhos da Clínica, após tantos anos "formigando" incansavelmente, fez surgir agradecimentos e reconhecimentos diversos, despertou lembranças e propostas intensivas: as utopias da juventude, programas de políticas públicas que articulam saúde mental e trabalho (economia solidária), criação de canais permanentes de interlocução da Clínica com a comunidade Sedes, criação de fóruns de debate com a sociedade sobre questões clínico-políticas atuais (medicalização), inserção mais consistente da Clínica nos movimentos de Saúde Mental (3) e em outros movimentos sociais, participação mais sistemática em políticas públicas. Tornados públicos para a comunidade Sedes - ainda que seu caráter público, em oposição ao privado, seja imanente à própria prática institucional - a Clínica é reconhecida como uma clínica social de serviços em Saúde Mental, muito distante, em suas práticas, da clínica-escola que se fazia até pouco mais de 10 anos.

E o Projeto Clínico-Ético-Político da Clínica, aclamado em Plenária de outra Jornada interna do Sedes em 1996? Pergunta analisadora que surge no encontro, apontando para os compromissos ético-políticos assumidos há 12 anos, publicamente, pela Clínica e pelo Instituto. Trata-se da mesma Clínica? Ou será outra? Talvez a indicação mais precisa das respostas possíveis a essas questões tenha se formulado com outra questão: por que agora? Por que só agora a Clínica se apresenta, se abre para o fora-dentro? As ressonâncias provocadas por estas questões continuam se trabalhando. Mas é possível já dizer que esta Clínica, que neste ano de 2008 comemora 60 anos de existência, certamente já foi muitas. De algumas sabemos - há registros históricos, há lembranças e testemunhos. De outras talvez nunca tenhamos notícias. Da Clínica que fez a pactuação institucional em torno do Projeto Clínico-Ético-Político (nome pelo qual ficou conhecido o documento que traçou as diretrizes políticas da Clínica em 1996), marco histórico do movimento instituinte que se produziu a partir de então, esta continua em obras. Entre conflitos de toda ordem - institucionais, macro e micro-políticos, econômicos -, após a mudança de 3 gestoras e de formas de gestão - estamos na 4ª gestão, atualmente realizada pela Diretora Adjunta -, e, principalmente, após muito trabalho de todos os agentes institucionais - funcionários da Secretaria, Terapeutas contratados, voluntários, estagiários, Psiquiatras, Assistente Social, Representantes dos Cursos, Coordenadores de Equipes Clínicas, Diretora Adjunta, Assistência de direção, Diretoria -, neste momento foi possível criar um plano de consistência de nossas práticas, de modo a que estas ganhem outro grau de visibilidade e de dizibilidade.

Outra lembrança que se disse neste encontro refere-se às reuniões de uma comissão ampliada que a diretoria do Instituto convocou em 2006. Destas, duas idéias-diretrizes se destacaram: atualizar a Carta de Princípios do Sedes e tranversalizar trabalhos, grupos, produções, setores, cursos, departamentos. Ora, justamente a Clínica do Instituto é o setor de trabalho onde se encontram quase todos os cursos do Sedes, onde articulações com outros setores do Instituto vêm se produzindo cada vez mais, e onde os princípios do Sedes se atualizam através da efetivação de práticas de produção de modos de subjetivação singularizantes. Aos 31 anos, o Sedes, modificado, amadurecido, ainda que às vezes enrijecido, colhe alguns frutos de tantas sementes lançadas por uma multidão de semeadores.

A consolidação do trabalho com grupos, dispositivo preferencial de trabalho nos diversos serviços da Clínica, certamente tem sido um dos frutos mais arduamente conquistado. Outra lembrança que se fez fala no encontro final da jornada, o grupo como modo de operar a clínica também se fez presente em todos os banners expostos na Jornada, assim como em todos os serviços descritos no Caderninho da Clínica - produção impressa distribuída aos participantes -, visibilidade que testemunha sua importância e predominância em nosso fazer clínica.

Outra linha que pôde se fazer dizível e visível, transversal a todas as outras, apontou para a função revitalizadora de um espírito coletivo da Jornada da Clínica em seu 1º. Tempo, Tempo de Apresentação. Um sopro de juventude se fez presente na surpresa de um encontro coletivo sobre trabalhos produzidos coletivamente. Surgiram até palavras de ordem: "Re-semear os coletivos"; "Voltar a exercitar o pensamento utópico-desejante". Até a brincadeira e o riso tiveram lugar: "Perdemos a juventude, mas não o pensamento utópico".

Utopia: ou-tópos. Não lugar. Se não há um lugar onde se queira chegar, há uma ética, um método e diretrizes, que se atualizam no próprio processo de construção coletiva do fazer clínico-político.

Há 40 anos das barricadas contra a burocratização da vida e a favor do desejo coletivo, em Maio de 68, talvez esteja mesmo mais que em tempo de refazermos outro maio, necessariamente diferente: levantar outras barricadas, desta vez no coração da cultura do individualismo e do narcisismo, efeitos da soberania do capital, e em seus modos hegemônicos de produção de subjetividade. Por que agora? Talvez porque agora sabemos que podemos ser "realistas. Queremos o impossível" (4) .

São Paulo, 27 de maio de 2008.

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(1) Psicanalista e analista institucional. Membro do Departamento de Psicanálise. Professora do curso de especialização Adolescência e Juventude na Contemporaneidade: suas instituições e sua clínica. Coordenadora de Equipe Clínica e terapeuta contratada da Clínica Psicológica do Instituto Sedes Sapientiae.

(2) As palavras em itálico são reproduções de expressões utilizadas pelos participantes no encontro final da jornada.

(3) Há exatos 30 anos, o movimento de denúncia e de reivindicações dos trabalhadores do Hospital Pedro II no RJ desencadeou uma crise na Política Manicomial hegemônica à época, contagiando trabalhadores do país inteiro, originando o MTSM que, associado a outros setores da sociedade, criou o movimento da luta anti-manicomial.

(4) Um dos slogans-ícones de Maio de 60: "Sejamos realistas! Queiramos o impossível".




 
 
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