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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    07 Dezembro de 2008  
 
 
ESCRITOS

Incarnat (1): Impressões sobre o espetáculo de dança Incarnat, ode à dor no mundo


Impressões sobre o espetáculo de dança Incarnat, ode à dor no mundo.

RUBIA DELORENZO (2)

Incarnat é vermelho, encarnado, a cor da carne sob a pele. É dor.

Encarnar tem, também, outros sentidos: simbolizar, tomar vulto ou forma, humanizar-se. E ainda, cicatrizar, secar ferimentos.

Ela anuncia. Sua obra nasceu de uma grande depressão. Sol negro que empurra para fora, que se pulveriza em partículas de morte e luz.

Há de tudo neste espetáculo perturbador. O que está ali é obra, arte nascida das entranhas, parto que celebra a dor do nascimento: placenta e sangue, vida e desamparo. É ode ao sofrimento do homem: à dor da degradação, da exclusão, à dor da segregação.

É desconcerto puro, o impacto deste cortejo de dor: risos súbitos, descomedidos, náuseas, falta de ar.

Os corpos que ali rastejam, gritam e se contorcem, aquele solo sangrento, escorregadio e a nudez da carne exposta, contam toda a dor do mundo.

A dor disseminada no pátio dos leprosários, dor dos doentes que carregam seus corpos desmanchados, dor do desatino e da errância. Dor dos corpos aviltados pelo gesto voraz da grande boca dos homens que, como corvos, picam e dilaceram o semelhante.

Crianças e velhos sem lugar. Seus corpos extenuados perambulam, banidos do mundo inóspito, intransigente com a dor. Corpos supliciados que se retorcem, suas chagas e automatismos, desconsolos e desalentos, buscam resguardo frente à intolerância.

Figuram ali, ainda, os corpos esgotados, cambaleantes, que aludem aos campos bárbaros do extermínio. Espreitam nas sombras, as silhuetas dos abutres, dos saqueadores que rondam o grande deserto da morte.

No final, a sufocação do corpo do homem, confinado numa pele estreita demais para contorná-lo.

Incarnat, com suas imagens devastadoras, é resistência viva à morte por desolação e àquela perpetrada pelo interdito de sofrer.

Pela exigüidade do espaço do acolhimento, a dor delata e lança seus gritos para que ecoem, dos limites aos confins, em toda a extensão da terra.

Por fim, a mãe e seu filho morto.

Piedade. Compaixão pela dor no mundo.

Sustentemos os refúgios para a dor.

Maio de 2008

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(1) Incarnat é um trabalho que surgiu dentro do Projeto de arte contemporânea no espaço social e se desenvolveu na favela da Maré e em Nova Holanda, Rio de Janeiro. Concebido por Lia Rodrigues, coreógrafa que dirige a Lia Rodrigues Companhia de Danças, o espetáculo foi apresentado em DVD, na mesa "Estéticas da dor", na 7ª Jornada do EBEP, "A dor no mundo", em maio de 2008, no Rio de Janeiro.

(2) Rubia M. Tavares Delorenzo é psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.




 
 
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