RUBIA DELORENZO (1)
Elogiado pela proeza de levantar aquele peso astronômico, explica orgulhoso com todo o porte estufado:
" A força está na cabeça".
No entanto, a cabeça é miúda, minguada, antes débil do que forte.
É o corpo, tantas vezes desdobrado, que deseja impor-se ao olhar.
É impossível ignorá-lo: tanto no espaço exíguo da academia, quanto no espaço urbano ampliado. O movimento dessa massa sólida, bem aderida ao chão, é gesto maquinal, deslocamento pesado. Mas - paradoxo - esse andar também sugere a oscilação dos grandes bonecos infláveis ou o balanço mecânico dos antigos brinquedos de corda.
Que intrigantes corpos volumosos!
As inscrições tatuadas, feitas no corpo magro, agora se esticam sobre o músculo duplicado. A pele estirada, que pretende mostrar resistência, curioso, mais parece na iminência de esgarçar-se. Tão esculpidos e secos de gordura, com suas costelas à mostra, esses corpos lembram as chapas de raio x e outras imagens do corpo em seu interior. Vemos através: veias, músculos e ossos. Desenha-se em alto relevo esse avesso, na transparência fechada do corpo.
Alternam-se os ruídos do ambiente. Ora a algazarra que quer afirmar o elemento viril, as vozes que se alteiam, o humor rude do homem. Ora a respiração ritmada do corpo em descanso.
Estes intervalos de repouso em que os corpos arrefecem e se encostam pelos cantos, em que as silhuetas relaxadas perdem a firmeza pretendida, evocam os ideais de outros tempos, sua queda e sua glória. A forma, por instantes desabada, antecipa, talvez, o que é temido: perder relevos no meio da cidade, apagar-se no anonimato dos passantes, sumir na multidão com outros.
Os cantos, sombreados como esconderijos, assemelham-se ao pátio de refugo dos escultores, onde são dispostos, assim, meio ao acaso, as figuras imperfeitas, as cópias, o gesso que se desprezou.
Mas quando é retomado o esforço do exercício, é a anatomia em seu excesso que se dá a conhecer. O corpo inteiro se enrijece, vaidoso de sua ansiada, priápica ereção.
Contudo, o que surge diante dos olhos com o espetáculo dos músculos em sua proposital desproporção, são os arremedos da beleza clássica do homem, simulacros da representação dos deuses, equívocos que tomam a potência divina que se quer incorporar, pelas formas - aqui deturpadas - de sua bela nudez.
Que lástima, este abuso da aparência que do corpo só exibe a anatomia.
Que lástima, fazer desfilar esse tanque de guerra, sem saudades do erotismo.
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(1) Rubia Maria Tavares Delorenzo é psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.