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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    08 Abril de 2009  
 
 
NOTÍCIAS DO DEPARTAMENTO

Sobre o princípio do conhecimento dos afetos em Espinosa: causalidade e esforço sem objeto na Ética III


LAURENT BOVE


Em primeiro lugar, boa noite a todos. E minhas desculpas por não falar a sua bonita língua, que, depois de muitos diálogos com meu amigo David Calderoni, começo a compreender. Agradeço também a Silvia Alonso, que me recebe aqui, e a Renato Mezan, que vai traduzir a conferência. Vou lhes falar sobre Espinosa, e mais precisamente sobre uma parte da sua obra - a parte III da Ética - que trata dos afetos.

Espinosa situa este problema a partir de alguns princípios fundamentais. O primeiro é que a realidade dos afetos só pode ser percebida se começarmos por expulsar do seu conceito a idéia de finalidade. Aqui ele segue o modelo, recente na época, da revolução galileana, e busca oferecer dos afetos uma leitura estritamente racional. Racional significa aqui absolutamente causal: busca-se a causa dos afetos, considerada como se desenvolvendo dentro de um campo natural. Obviamente, isso exclui o sobrenatural; além disso, a natureza em questão é vista como imanente.

Vocês sabem que Espinosa provocou escândalo com sua idéia fundamental, segundo a qual a própria noção de Deus só tem sentido se a identificarmos com aquilo que é infinitamente infinito, ou seja, a Natureza. Esta Natureza determina a existência de seres e de coisas, como nós e outros, que se caracterizam por diferentes níveis de potência ou de força. De tal forma que a visão que ele tem daquilo que há para ser explicado e entendido - a realidade - é articulada do ponto de vista do desejo. Mas o desejo é compreendido como potência: não desejo "de algo", mas a própria potência de afirmar a vida e de produzir efeitos. É a isso que ele chama, em latim, conatus - o esforço que cada ente faz para perseverar no seu ser. É isso o desejo compreendido como determinação finita -limitada - dentro daquilo que é infinitamente infinito, num plano de imanência. Dito de outro modo, o apetite ou desejo é antes de mais nada uma potência para agir.

Assim, temos duas idéias centrais: o conatus, o esforço para perseverar, e o apetite como potência de agir. Em função dos encontros que se dão entre os vários seres, a potência de cada um deles flutua. A alegria é definida por Espinosa como a sensação que experimentamos quando nossa potência aumenta, e tristeza é o efeito de um encontro que diminui nossa potência de agir. Há uma significação psicológica nesses termos, na medida em que se trata da sensação vivida ou experimentada pelo ser em questão.

Sobre esses quatro conceitos fundamentais, então - conatus, apetite, alegria e tristeza - ele vai apoiar a sua definição do amor e do ódio. Estes nada mais são do que respectivamente a alegria ou a tristeza, porém numa situação peculiar: quando podemos ter uma idéia da causa que nos faz sentir alegria ou tristeza. Isso só concerne aos seres humanos. É bem provável que muitos animais experimentem alegria ou tristeza como ele as definiu; mas outros, que somos nós, são capazes de ir além, e vivenciar afetos de amor e de ódio, porque temos uma idéia da causa que os provoca. Uma conseqüência importante disso é que nunca designamos a causa verdadeira das nossas alegrias e tristezas: ela, ou elas, são essencialmente inconscientes.

Em seguida, o que aparece neste nível de complexidade (do amor ou do ódio) é o equivalente de uma relação objetal. Por quê? Porque esta causa suposta para o afeto que sinto é imediatamente identificada com uma coisa ou com uma pessoa. Isso é muito importante: os amores e os ódios são, no vocabulário de Espinosa, completamente imaginários, apesar de estarem enraizados numa base absolutamente real.

Tendo colocado estes elementos, ele vai procurar deduzir as primeiras leis da lógica dos afetos. Há várias lógicas aqui. Primeiro, uma lógica de associação; segundo, uma lógica de transferência; depois, uma lógica de temporalização; e por fim uma lógica de identificação. Sua abordagem do real é completamente "necessitarista", o que significa que exclui qualquer casualidade, qualquer acaso, qualquer interferência do que quer que seja exceto causas naturais, identificáveis e pensáveis.

Quando Freud vai aos Estados Unidos fazer suas conferências, a primeira coisa que ele afirma na Clark University é o princípio do determinismo: não existe livre arbítrio. Espinosa fez isso antes dele. Ele coloca o princípio de contigüidade, e diz textualmente o seguinte: "se a alma foi uma vez afetada simultaneamente por dois afetos, quando mais tarde ela for afetada por um deles, o outro a afetará igualmente."

O outro grande eixo, o da semelhança, vai criando associações por transferência, graças a essa semelhança: "apenas pelo fato de imaginarmos que uma coisa tem semelhança com um objeto que habitualmente afeta a alma com alegria ou tristeza, nós amaremos ou odiaremos essa coisa." A semelhança pode ser com algo que nos produz um afeto semelhante, ou com algo que nos produz um afeto contrário; há possibilidade de mescla desses dois afetos, ou seja, de associação ambivalente, ou combinada por transferência e semelhança, "na medida em que a coisa que nos afeta habitualmente com alegria ou tristeza também pode se assemelhar a outra que nos toca com o afeto contrário." Surgem assim sentimentos mistos.

Uma outra forma é a temporalização. Espinosa demonstra isso utilizando uma teoria que identifica fenômeno perceptivo e fenômeno alucinatório: "o homem se encontra afetado pela imagem de uma coisa passada ou futura com o mesmo afeto de alegria e tristeza que pela imagem de uma coisa presente." Ou seja, o que não está presente - o passado ou o futuro - também tem o poder de nos mobilizar.

O caso da identificação é um pouquinho mais complicado. Há duas possibilidades. A primeira: nós já temos amores e ódios, e, portanto, os associamos com pessoas ou com coisas. A segunda se situa num nível mais arcaico, mais primitivo, anterior à polarização do amor e do ódio por figuras específicas, nessa espécie de vínculo osmótico no qual o indivíduo imita o afeto - ou o comportamento - de um outro. Essa dimensão profunda da identificação se encontra aquém ou abaixo da relação objetal.

Acabo de mencionar alguns conceitos fundamentais. Entrando um pouco mais no nosso tema, vou agora colocar em primeiro lugar um princípio de método, que já mencionei rapidamente: trata-se de afastar um importante obstáculo epistemológico. Espinosa diz: o homem não é um império dentro de um império. Ele se opõe a todas as filosofias do sujeito e do livre arbítrio, os quais seriam, do ponto de vista das leis na natureza, "um milagre permanente".

Se queremos ser científicos, é preciso apoiar o conhecimento do afeto em leis naturais, que evidentemente dizem respeito a seres singulares, mas de forma alguma a sujeitos no sentido da filosofia posterior. No fundo, qual é a tarefa dessa lógica dos afetos? É mostrar de que maneira fenômenos aparentemente irracionais - ocorram eles no nível do imaginário ou no nível das paixões - podem e devem ser reduzidos ao exercício normal do pensamento racional. Isso se apóia, por sua vez, em outra idéia central do filósofo: o real é integralmente inteligível.

Um pouco antes de Espinosa, no Tratado sobre as paixões, a partir de um ponto de vista um pouco diferente, Descartes havia tentado algo semelhante: tratar as paixões como algo que tem a ver com o físico, com o corporal. O seu livro marca o início desse empreendimento de laicização, ou de naturalização, dos sentimentos e das paixões. Espinosa - em geral um crítico agudo das insuficiências de Descartes - afirma que neste caso seu predecessor começou bem, mas se perdeu no meio do caminho, porque sofria de três preconceitos fundamentais, matriciais, que acabaram viciando seu empreendimento e conduzindo-o ao fracasso. Primeiro e fundamental: Descartes não chega a abandonar por completo uma visão teleológica, finalista - uma visão de mundo que se apóia na pergunta "para quê". Segundo, ele acredita no livre arbítrio. Terceiro, repete algo que vem desde Platão, e foi se tornando difundido por meio da religião, do cristianismo e de outras visões religiosas: que existe uma dualidade entre a alma e o corpo.

Para Espinosa, existe uma unidade do real, que faz com que qualquer acontecimento no plano do espírito seja simultaneamente um acontecimento no plano do corpo. Seria absurdo imaginar uma "psicossomática espinosana", porque na verdade não existe causalidade do corpo sobre o espírito, nem inversamente: há causalidades nos corpos e nos espíritos, que podem ser pensadas em conjunto. Falando em termos absolutos, trata-se da mesma causalidade. Assim, quando estudamos os afetos, estudamos simultaneamente o ponto de vista do corpo e o ponto de vista do espírito ou da alma.

Em primeiro lugar, as afecções - ou modificações - do corpo decorrem de seus encontros com outros seres, outros entes, que lhe são exteriores, e com os quais ele entra em relações de conflito, confronto, aliança, etc. Esses encontros acarretam modificações na potência de agir de cada um dos envolvidos (de onde a alegria ou a tristeza), e que correspondem simultaneamente, no espírito, a tipos de idéias ou de representações. Ou seja, o afeto é ao mesmo tempo e indissoluvelmente uma afecção ou modificação do corpo, algo sentido como uma sensação, vivência ou experiência, e uma afecção da alma, uma idéia. Para Espinosa, um afeto e uma idéia são duas faces de uma mesma coisa: não se separam, embora possam ser vividos e pensados diferentemente, como dois aspectos de algo idêntico, que é fundamentalmente de ordem corporal.

Falamos de potência. Portanto, estamos dentro de relações energéticas, de força: as modificações do corpo são aspectos ligados a forças. As idéias, os afetos, todos estão atravessados por esta idéia de força. Espinosa define o afeto da seguinte maneira: "por afeto, entendo as afecções do corpo que aumentam ou diminuem, ajudam ou contrariam a potência de agir deste corpo, e, ao mesmo tempo, por afeto entendo também as idéias dessas afecções." Quer dizer, a realidade e o seu conceito. É preciso entender a necessidade do surgimento do afeto em meio a tantos fatores que nos atingem, e essa articulação entre o que se passa no nível do afeto e o que se passa no nível da nossa capacidade de pensar.

Temos três casos possíveis. O primeiro é que o afeto ajude a potência de agir de um corpo: quando o experimentamos, sentimo-nos mais energizados, mais fortes, mais potentes. Dependendo do grau em que se der este aumento de potência, pode ocorrer um fenômeno de complexificação, de multiplicação, de variação: essa rede se torna mais densa e mais articulada. Rede de quê? Das nossas aptidões a afetar e a sermos afetados, simultaneamente.

Quando isso acontece a partir de um certo limiar, podemos ter um tipo de idéia a que Espinosa denomina "idéias verdadeiras". Isso é importante: o pensamento de Espinosa trabalha com a idéia de patamares de complexidade e de complexificação. O que leva então à concepção de que as idéias verdadeiras surgem a partir de um certo limiar de densificação deste reticulado pelo qual podemos representar as capacidades de potência de um determinado indivíduo. Outro ponto importante: para Espinosa, a idéia verdadeira só pode acompanhar afetos simultaneamente ativos e alegres.

No segundo caso, há um aumento da potência de agir do corpo, mas a potência dele permanece aquém do limiar a partir do qual a idéia pode se tornar verdadeira ou adequada. Neste caso, diz Espinosa, estamos no domínio da paixão, do passivo. No primeiro caso, o afeto é alegre e ativo; no segundo caso ele permanece alegre - existem paixões alegres - mas o afeto é passivo. Outro ponto fundamental: por que ele é passivo? Porque, nesse embate entre aquilo que de fora me afeta e a minha própria potência de agir, as causas exteriores têm um peso ou um valor maior. Conseqüentemente, sou afetado por assim dizer "à minha revelia".

Agora o terceiro caso. Nos dois anteriores, a potência aumenta: no primeiro, aumenta mais que o suficiente; no segundo, não aumenta o suficiente. No que vamos considerar agora, o terceiro, ela abaixa. Por meio desses encontros com outros seres singulares, posso ver minha potência de agir diminuída, e nesse caso serei tomado pelo afeto chamado tristeza. O correlato intelectual dos afetos tristes são as idéias chamadas falsas ou inadequadas, e, se isso chegar a um ponto no qual o afeto triste invade a totalidade do sistema, significa a morte. Este ponto não é difícil de entender: se o desejo está ligado ao esforço para perseverar, para se expandir, aumentar, etc., quando acontece o oposto disso tudo, pode-se atingir um ponto no qual os afetos tristes tomam todas as partes do corpo e do espírito.

A essa situação-limite, Espinosa chama melancholia. Quando ela se instala, desaparece a vontade de viver, e o ser pode se suicidar. O conatus se inverte então numa pulsão de morte. O ente foi estrangulado pelas forças externas, a ponto de que a consciência da própria morte ou do próprio suicídio seria uma contradição em termos. "Eu me suicido" seria uma contradição em termos. Em todo caso, o que importa é que a invasão do afeto triste pode chegar a um ponto de paralisia completa desse indivíduo, que tem o nome técnico de melancholia.

Vamos nos deter um pouquinho nessa idéia de conatus, ou potência, ou esforço, ou desejo, ou capacidade para agir (todos estes termos são muito próximos no pensamento de Espinosa). O singular é sempre alguma coisa já dada num certo nível de complexidade: não é um sujeito no sentido de dispor da capacidade de livre arbítrio, de uma decisão independente de tudo e de todos. Não: já estamos sempre num nível determinado de complexidade. O indivíduo, na verdade, é sempre composto por indivíduos menores, em graus diferentes de complexidade, e, portanto, está longe de ser algo puramente simples. Essa constituição do indivíduo por partes - sejam membros, órgãos, moléculas, etc. - forma um conjunto dotado de unidade porque todas as partes concorrem para um mesmo efeito. De tal maneira que se pode dizer que o indivíduo é uma "causalidade convergente".

Como estamos numa filosofia da necessidade e da causalidade radicais, pelo próprio fato de ser uma causalidade convergente, uma reunião de causalidades que visam a algo em comum, por isso mesmo o indivíduo é também palco de contradições. Isso é muito importante: não existe pulsão de morte pré-estabelecida em Espinosa, porque seria impossível que algo abrigasse em si mesmo o princípio de sua própria destruição. Trata-se de uma filosofia da expansão: podem acontecer maus encontros, que abaixam minha potência porque o outro é mais forte do que eu, mas não há nada que internamente me leve à autodestruição.

Embora não exista um principio ontológico de autodestruição, não é possível pensar sem levar em conta que as pessoas, os seres, as coisas, são divididos e contraditórios. Isso lhes vem do exterior, mas de alguma forma é assumido pelo indivíduo singular. Quem se ocupa desta tarefa é uma parte do ser a que Espinosa chama imaginação. Esta divisão interna leva a uma situação paradoxal: embora todos queiramos a salvação, na verdade - como não sabemos para onde vamos, nem por que agimos como agimos, estamos na ignorância e na superstição - acabamos tomando medidas que produzem o efeito contrário àquele que desejávamos. Como diz Espinosa: combatemos pela nossa escravidão como se fosse pela nossa salvação.

Uma vez colocada a idéia de força, uma vez colocada a força, sem qualquer finalismo, sem "para quê serve", etc., Espinosa, com uma lógica implacável, vai tirar todas as conseqüências que se deduzem deste conceito, ou seja, do ato de pôr a força.

Isso significa, em especial, que somos tão perfeitos quanto podemos ser: não nos falta absolutamente nada, nunca. Sempre extraímos as conseqüências da potência ou da força que temos; esta pode passar por intensidades variáveis, porém é sempre determinada. Alguém perguntou a Espinosa: "e o cego?", Espinosa respondeu que o cego não é aquele que não é dotado de visão: é uma maneira específica e própria de ser. Isso é importante porque, ao se falar em estratégia ou ação, nossos hábitos mentais nos levam quase inevitavelmente a pensar numa finalidade: uma "estratégia para...", "ação para....", etc. O que Espinosa está afirmando é que, pelo próprio fato de sermos um conjunto de forças articuladas de uma determinada forma, aquilo que fazemos ou realizamos é exatamente aquilo que podemos fazer ou realizar - nem mais, nem menos - segundo as flutuações de potência que vão ocorrendo pelos encontros bons ou maus, felizes ou infelizes, durante a nossa existência, independentemente de qualquer finalidade.

O ser vai funcionando, agindo; dependendo daquilo que ele encontra, e da maneira como lida com as situações que vão acontecendo, sua potência pode aumentar ou diminuir. Espinosa usa o termo prudência justamente para designar esse modo de funcionamento, essa união/separação/deslizamento. Contudo, dependendo da maneira como o ente se comportar, e da maneira como utilizar a sua potência, os efeitos dos seus atos podem se voltar contra ele e destruí-lo. Isso também é possível.

O ente vai sempre agir da maneira que considera prudente e adequada; no entanto, sua ação pode ter efeitos paradoxais. No campo da política, em particular, isso significa que, apesar dessa prudência pré-determinada, de poderem usar os meios de que dispõem, muitas vezes os homens combaterão pela sua servidão como se estivessem combatendo pela sua liberdade. Ou seja, a análise dos seres humanos e de seus delírios é paralela à análise dos corpos coletivos. Isso porque nós mesmos já somos indivíduos coletivos, constituídos por inúmeras partes.

Vou avançar então um pouquinho mais sobre essas orientações do desejo, conceito para o qual Espinosa usa a palavra latina cupiditas. O desejo, o conatus, a alegria e a tristeza explicam em primeiro lugar aquilo a que Espinosa chama os decretos da alma - e decretos aqui são as idéias, desejos, vontades, aquilo que nossa alma nos leva a fazer. Os quatro que acabo de mencionar são chamados por ele de afetos primários, porque deles nascem todos os demais. Gostaria de lhes dar uma idéia do que significam esses diferentes termos, e como se organizam - desejo, alegria, tristeza, etc.

Embora sejamos conscientes dos esforços que fazemos para viver, nós não temos a mais remota idéia das verdadeiras causas que nos determinam a agir. Do ponto de vista da sua causalidade, o desejo é essencialmente inconsciente. Considerar o desejo como a afirmação de uma singularidade atravessada por relações de forças serve a Espinosa para definir uma natureza que pode ser flutuante, mas que também pode adquirir, no imaginário, uma certa estabilidade. É preciso manter juntos, por um lado, a perseveração, o esforço para continuar, e, por outro lado os efeitos dessas inúmeras ações, que podem chegar até o paradoxo.

Nesse ponto, é interessante distinguir entre o desejo sem objeto e as estratégias dos desejos conscientes, que, estes sim, possuem objetos. O conatus é desejo sem objeto porque não é nada mais que a produtividade do real em nós e através de nós, que funciona sem finalidade alguma e sem motivação alguma. Existe uma estratégia do desejo não-teleológica, e por isso mesmo sem objeto. Quando a consciência intervém, vai refletir de maneira ilusória esse processo: para a consciência, os objetos estão ali desde sempre.

Os objetos já são de certa forma interpretados pela consciência a partir da experiência de amor ou de ódio que os acompanha. Isso significa que a consciência vai se dotar de estratégias teleológicas, finalistas, em geral completamente inadequadas, porque atravessadas pelo imaginário - diversas e distantes do que é realizado pelas estratégias reais, do que na realidade está acontecendo. O melhor exemplo disso é a ilusão da consciência de que nós desejamos uma coisa porque a julgamos boa, quando na verdade é o contrário: julgamos bom aquilo que desejamos. A consciência vai operar uma inversão da própria lógica do desejo, dos afetos e da sua explicação - tudo de ponta-cabeça. Do ponto de vista freudiano, poder-se-ia dizer que a consciência é um lugar de méconnaissance (2) . O vocabulário é diferente, mas a idéia é a mesma.

Quais são as causas do surgimento do primeiro desejo, isto é, do processo pelo qual algo polariza a consciência e se transforma em objeto dela? Espinosa nos envia então à experiência primeira de satisfação. Ele não leu Pavlov, mas no Curto Tratado, que é um texto de juventude, dá o exemplo de um menino que associa uma satisfação qualquer ao som de um sino, e a cada vez que o sino toca, ele "saliva", para dizer as coisas rapidamente (risos).

Aqui temos - no meio de tantas semelhanças deste pensamento com a Psicanálise - uma diferença fundamental: contrariamente ao que sustenta Freud, e também Lacan, a falta não é essencial. Num mundo de positividade integral, não pode haver falta essencial, nem de qualquer outro tipo: a falta é sempre imaginária. O exemplo do cego, muito interessante, é assunto de uma longa discussão entre Espinosa e seus correspondentes. Estes dizem: "ao cego falta a visão", "ao surdo falta a audição", "ao coxo falta um andar sem esforço", "ao ignorante falta a sabedoria". Espinosa diz: não, não, não e não. Cada um desses seres possui sua própria modalidade de existência. Aqui é a mesma coisa: contrariamente ao que dizem Lacan e Freud, não pode haver falta; a falta é sempre produzida como efeito ilusório da imaginação.

Como Freud, Espinosa diz que o desejo é a essência do homem - mas é importante perceber que, por trás da homofonia das palavras, se trata de conceitos bem diferentes. Para ele, o desejo é a produtividade mesma da vida por meio e através dos afetos, mas isso não envolve nenhuma idéia de falta: não é um "desejo de...", não pede complemento nominal. A natureza do desejo como afeto primário é a potência ou aptidão para fazer alguma coisa, ou seja, de produzir efeitos por si mesma.

Agora, o grande problema da Ética é quem vai colocar o guizo no pescoço do gato (risos). Se esta é a natureza humana, se esta é a essência da realidade, por que não somos felizes? Por que nossa potência de ser e de agir não aumenta sempre, até chegar ao grau supremo, que Espinosa chama de beatitude ou felicidade? Por que, ao contrário, somos tão infelizes? Por que o tempo todo nos vemos às voltas com os efeitos perversos e horrendos das nossas próprias ações, e das dos outros?

O desejo é aqui uma potência de afecção, ou seja, uma capacidade de ser afetado. Isso significa ser mobilizado, modificado, transformado, tocado, etc., e também a capacidade que esses efeitos têm de produzir por sua vez novos efeitos. Há uma orientação nesse processo, que podemos chamar de um princípio do prazer: na verdade, desejamos repetir os estados que produziram satisfação, a partir de experiências, traços, hábitos, tanto no corpo como no espírito. Por isso, quando chegamos mais perto do indivíduo singular, a memória ganha destaque especial, porque é graças a ela que essa orientação pode se estabelecer - em função dos traços e lembranças que ela conserva.

No entanto, Espinosa percebe a ambigüidade, a ambivalência de memória. Por um lado, ela tende a nos fazer repetir estados idênticos, ou que supomos serem idênticos; por outro, a memória entra em processos ativos de resistência, de estratégia, etc. Citando a Ética: "quando a alma imagina algo que diminui ou contraria a potência de agir do corpo, ela se esforça tanto quanto possível por lembrar-se de coisas que excluam a existência daquela ameaça". Então, justamente, aqui a memória entra no mesmo conjunto de princípios que foram estabelecidos, ou seja, deve ser avaliada constantemente na sua possibilidade de reforçar os meios dos quais dispõe um ente singular, nos seus encontros, na sua forma de viver e de lidar com a vida, para aumentar ou diminuir seus meios de ação. E isso sem recorrer a qualquer finalidade ou teleologia.

(Observação de David Calderoni: Estamos falando da memória de um sujeito individual; queria acrescentar que se trata também do sujeito coletivo. Por exemplo, o estudo do Estado hebreu no Tratado Teológico-Político. A memória vale também para o corpo coletivo).

Estamos aqui então diante de lógicas essencialmente inconscientes, e também do desejo sem finalidade nem objetivos. Até aqui, estamos em processos reais de ação, de forças aquém da representação de uma lei. Na Habanera da ópera Carmen, ouvimos que "L'amour est enfant de bohème / Qui n'a jamais, jamais connu de loi" (o amor é filho de uma cigana, e nunca conheceu lei alguma). Isso é completamente louco de um ponto de vista espinosista, porque a lei se introduz na alma no nível da lógica da representação: no momento em que há amor, já há uma representação da lei. O amor, na verdade, é um estratagema da lei para submeter o desejo, porque este se torna então desejo de um objeto, ainda que tal objeto seja imaginário ou alucinatório.

Dissemos que Espinosa define o amor como a alegria acompanhada da idéia de uma causa exterior. Essa causa exterior é necessariamente imaginativa. Ou seja, a consciência se engana acerca da causa da alegria, e, além disso, ela faz da sua causa uma coisa. Essa coisa, por sua vez, vai determinar novas estratégias, de tal forma que é sempre a coisa imaginária, e nunca a coisa real, verdadeira, que é buscada pela consciência. Tanto a estrutura do desejo de objeto quanto a estrutura do próprio objeto, nesse sentido, são fundamentalmente imaginárias. Só que - lembro mais uma vez - estamos numa filosofia da positividade absoluta: imaginário não quer dizer quimérico, que não existe. O imaginário tem um efeito concreto, na medida em que determina a ação, alimenta estratégias, etc. São efeitos inventivos. O desejo, em resumo, inventa um mundo de objetos e de desejo, e se pauta por ele.

É nesse universo imaginário, então, que vai acontecer a vida dos homens, o seu sentido e o seu valor, e também todas as suas ilusões. É um mundo imaginário no qual o amor domina, dita as suas leis e parece preceder o desejo. É o mundo de um desejo estruturado como desejo de um objeto imaginário, que se oferece à consciência e à sua interpretação como um mundo no qual os homens agem em função de fins, do que lhes parece útil.

O caminho que estamos fazendo nos conduziu a este ponto no qual o desejo - como desejo de objeto - se torna matriz de operações afetivas. Mesmo correndo o risco de me repetir, reitero que é preciso não esquecer que essa relação de objeto é uma constituição imaginária da realidade, e por isso mesmo o desejo que opera nesses mecanismos afetivos transborda de todas as formas o desejo pelo objeto - que pode ser tão forte a ponto de fazer com que o indivíduo perca a sua dimensão de humanidade.

Isso me permite então voltar à diferenciação que fizemos há pouco entre os dois modos de identificação. Eu dizia que sob a relação objetal existe uma identificação muito profunda, osmótica. Essa identificação se realiza diretamente com o afeto do outro. Espinosa diz então o seguinte: "aquele que foge porque vê outros fugirem, aquele que tem medo porque vê outros terem medo, ou ainda aquele que ao ver que outro queimou a mão aperta a sua própria contra si mesmo, e move o corpo como se ele mesmo tivesse queimado a mão - deste dizemos que imita o afeto de um outro."

A capacidade de identificação profunda e pré-verbal, pré-racional, é o elemento básico da constituição da humanidade dos homens, de um corpo coletivo, social. Esse princípio, quando combinado - e ele se combina necessariamente - com o princípio de prazer, é o princípio dinâmico de complexificação do tecido humano. "Tudo aquilo", escreve Espinosa, "que imaginamos contribuir para a alegria, nós nos esforçamos por promovê-lo, a fim de que aconteça; inversamente, aquilo que imaginamos ser contrário à alegria, ou seja, que contribui para a tristeza, esforçamo-nos por afastar ou destruir." O princípio de prazer, evidentemente, envolve um princípio de resistência à destruição; mas, no nível de representação no qual se encontra o amor, isso pode se inverter, e caímos nesses efeitos paradoxais dos quais falei.

Vou parar por aqui, para que possamos conversar sobre estes pontos. Para terminar, gostaria de dizer que na parte III da Ética Espinosa se interessa pelos afetos em regime de heteronomia, ou seja, daqueles que sofremos e aos quais reagimos. Ele a conclui dizendo que podemos ter afetos ativos, e que isso ocorre essencialmente por meio do conhecimento dos processos singulares que os originam. Como alguém se torna espinosista? Buscando conhecer os processos causais dos seus próprios afetos singulares, pessoais. Uma espécie de psicanálise espinosista, que é, na verdade, a própria dinâmica da sabedoria.

Muito obrigado pela sua atenção.

Perguntas

Laurinda Ribeiro de Souza: Apesar de eu não entender de Espinosa, queria fazer uma pergunta: se é próprio do homem qualquer ação ser inerente à sua complexidade, como se pode entender a afirmação de que o desejo de objeto pode ser tão forte a ponto de levar o homem a perder a sua humanidade?

Laurent Bove: Sua pergunta permite que continuemos nossa reflexão, que é basicamente uma reflexão sobre os princípios. Na verdade, Espinosa pensa tanto no nível da singularidade - que já é uma complexidade de indivíduos formando indivíduos - quanto do coletivo. Tanto num plano quanto no outro se dão processos contraditórios, a que eu chamaria de processos de antropogênese, isto é, constitutivos de uma vida humana. Eles podem promover essa produtividade, ou ao contrário, podem reduzir os seres humanos ao nível do que Espinosa chama em seus escritos políticos de "animais brutos" ou de "autômatos".

A razão dos homens não é pressuposta; as idéias verdadeiras ou adequadas só podem surgir segundo a complexidade dos processos. As circunstâncias nas quais vivem os homens, tanto naturais como culturais ou políticas, podem tornar impossível a ocorrência de processos de hominização, de antropogênese, de criação de uma vida humana. Ou seja, o movimento pode funcionar dos dois lados: para a constituição de um tecido de humanidade, ou para a inexistência dele, ou até para a sua destruição.

Ele pensa então que a lógica da identificação primitiva faz com que os homens se reconheçam imediatamente como iguais - e isso não é um valor: é uma posição afetiva que se dá por meio da identificação, graças às leis de semelhança. Justamente por causa disso, o desejo de não ser dominado é inerente a essa primeira lógica dos afetos. A identificação recíproca entre iguais acarreta imediatamente o desejo de não ser dirigido, controlado ou dominado. Isso tem várias gradações, mas todas nascem da mesma identificação afetiva espontânea com os demais iguais.

Por razões que seria longo explicar detalhadamente (mas isso poderia ser feito de um ponto de vista espinosista), a história dos homens é a história da dominação. De tal maneira que se poderia pensar, lendo Espinosa, num cadinho no qual se dão esses processos de hominização e antropogênese, e que a força dos corpos coletivos - do Estado, das sociedades, e assim por diante - vai contra isso. Há um processo de dilaceramento da humanidade do homem que se deve às instituições que ele mesmo cria.

O paradoxo aqui é que essa identificação produz algo comum, e é desse "comum" que se alimentam os poderes existentes, que de certa forma vampirizam em seu próprio benefício a força ou a potência do comum. Nós, leitores do Espinosa no século XXI, podemos tentar entender nosso mundo através dessas lentes, percebendo que as condições da vida política são em última análise as condições da antropogênese, e vice-versa.

David Calderoni: Existem dois afetos que Espinosa vai opor. Segundo Laurent Bove, um destes afetos não encontra tradução exata em nenhuma língua (embora os tradutores tenham procurado encontrá-la), seja em francês, seja em português.

Um deles é o chamado hilaritas, que é uma alegria perfeitamente equilibrada, e que é a chave da passagem da paixão à ação, dos afetos passivos aos afetos ativos. Em português seria hilaridade ou contentamento, em francês, alégresse. E existe um afeto que, do ponto de vista teórico, seria simetricamente inverso a ele, que já foi mencionado aqui: a melancolia. Esta é uma tristeza perfeitamente equilibrada, que seria uma verdadeira pulsão de morte, e ali ou alguém dá a mão ou o ser sucumbe.

Outro dia, na exposição da Faculdade de Filosofia, eu provoquei Laurent Bove dizendo: bom, mas será que existe realmente uma simetria exata entre a hilaritas e a melancholia? E ele nos disse: bom, na verdade, do ponto de vista espinosista, a melancolia realizada é a morte; então ele não comporta, efetivamente, a existência da melancolia.

Quero declarar que a minha pergunta não é meramente teórica. Todos nós somos homens de ação, e estamos engajados numa ação política no mundo. Essa é uma questão clínico-política, entendendo por clínica um cuidado singular do singular que se dá nesse domínio da constituição do tecido da vida humana. Quero lembrar uma parte da Ética que aprendi exatamente com Laurent Bove, no texto através do qual o conheci. Ali ele chamava a atenção para o fato de que numa das raras vezes em que neste livro Espinosa fala de uma maneira pessoal, ele diz: "Por que, com efeito, seria melhor matar a fome e a sede do que melancholiam expellere, expulsar a melancolia?" (3)

Ora, se a melancolia realizada não existe.... Vejam: estamos falando aqui de uma ação no mundo tal como nós conhecemos, no qual a melancolia não existe. Mas na clínica, como sabemos, é difícil lidar com estes estados. Numa clínica ampliada, cabe perguntar: o que seria o correlativo desse melancholiam expellere, desse expelir a melancolia, até de ajudar o outro a expeli-la, dentro desse processo de introjeção e de interiorização do conhecimento, inclusive do conhecimento sobre as leis do afeto, nesse plano da antropogênese?

Laurent Bove: Eu dizia há pouco que para Espinosa não existe a pulsão de morte, e que quando ela se manifesta não é endógena, mas resulta da invasão do sujeito por causalidades externas e superiores ao seu próprio conatus. Procurei falar justamente sobre o conatus como produtividade, uma positividade da própria vida. Quando surge o objeto, isso nos obriga a pensar que estamos frente a processos ficcionais, ilusórios, alucinatórios.

De fato, para nós, habituados a ouvir a expressão "desejo sem objeto", estas palavras podem remeter a textos de Psicanálise, lacanianos ou outros, nos quais tal idéia evoca a pulsão de morte. Por isso é importante lembrar que, apesar das semelhanças em muitos pontos, Espinosa e a Psicanálise pertencem a universos ontológicos diferentes.

A Psicanálise se inscreve numa metafísica que em última análise remonta ao platonismo. Os efeitos disso aparecem, entre outros, na idéia de uma perda primitiva e essencial do objeto, e na tentativa de o recuperar, que faz do desejo um retorno. Espinosa colocaria esse movimento no imaginário, porque segundo ele o primeiro desejo não volta para coisa alguma: ele produz. Só existiria pulsão de morte, então, numa situação na qual uma produtividade se tornasse impossível. É a isso que ele chama melancholia.

É uma definição muito singular. Ele diz (resumindo, porque há algumas distinções sutis que não vêm ao caso agora) que a melancolia ocorre quando todas as partes de um corpo do ente são afetadas da mesma maneira por um afeto de tristeza. Isso é muito importante, porque quando há desigualdades no investimento de cada parte do corpo do ser por diversos afetos, existe a possibilidade de que um resista ao outro, faça obstáculo a ele. Isso permite ao desejo, como força de produtividade positiva, resistir aos efeitos deletérios da depressão. Já a melancolia é uma queda vertiginosa e irresistível; se isso ocorrer, se o processo se completar, o resultado só pode ser a morte. É por este motivo que se pode dizer, retrospectivamente: é isso a pulsão de morte.

Retomando: dadas as idéias de produtividade, de queda, da possibilidade dos afetos se comporem uns com os outros e de formarem vetores, isso permite uma inumerável quantidade de formas de complexidade, cuja sutileza pode muito bem servir - de um ponto de vista clínico - para descrever as mais variadas constelações emocionais. Isso por um lado.

Por outro lado, é importante que o conhecimento desses processos complexos conduza em última análise à liberdade, à autonomia. Não no sentido de poder escolher livremente, sem motivações ("porque quero", "fi-lo porque qui-lo"), mas tendo consciência das determinações que me movem a agir. A este movimento de recuperação das determinações essenciais Espinosa chama, numa espécie de paradoxo, a "livre necessidade".

Renata Udler Cromberg: Em primeiro lugar, queria agradecer ao professor Bove a produção da alegria do conhecimento que ele nos deu esta noite; agradecer ao Renato essa noite inspirada: não sei se todo mundo percebeu o privilégio de tê-lo como tradutor, inteiramente filósofo, psicanalista e de corpo presente; e ao David a belíssima introdução que fez à conferência do professor. O que eu gostaria de sugerir é que me parece que esse evento tem a ver com a possibilidade de um diálogo, de um trabalho entre a filosofia espinosista e a Psicanálise, e eu acho esse trabalho o mais profícuo possível no sentido da reinvenção permanente da Psicanálise.

Gostaria de sugerir uma proximidade. Embora a filosofia espinosista e a Psicanálise trabalhem com princípios ontológicos diferentes, tenho a impressão de que considerar Freud exclusivamente dentro do modelo platônico fecha portas, ao invés de as abrir.

Um exemplo: penso que o próprio Freud estava tentando escapar do platonismo. Como ele trabalha, semelhantemente a Espinosa, a questão da antropogênese, ou seja, o que é a vida humana, o que seria, em linguagem freudiana, o sujeito humano, ou a psique (o sujeito é um termo lacaniano), o que é psiquismo humano - ele também vai à cultura e à política, para se remeter a alguma coisa do conhecimento do homem singular. Tenho a impressão de que Espinosa realiza o mesmo movimento. E me parece que em O Mal-Estar na Civilização Freud tenta tirar a pulsão de morte do primeiro solo em que ele a fundou, ao transformá-la em pulsão de destruição, colocando na figura do superego e no narcisismo originário o solo mesmo de heteronomia no interior do sujeito. Ou seja, dessa identificação primária que levaria à morte do desejo singular.

Um outro ponto que se poderia colocar nessa linha - e com isso eu termino - seria Moisés e o Monoteísmo, onde vemos Freud, num golpe de gênio, inventar uma origem egípcia, não judia, para Moisés. Pensando sobre o que você nos falou hoje de manhã sobre o Estado hebreu em Espinosa, creio que Freud estava em busca de encontrar um caminho para fora da abstração do Um.

Laurent Bove: Quando eu disse que Freud estava mais do lado da problemática platônica, isso de fato é um pouco rápido. Mas uma resposta adequada às suas observações nos levaria muito longe, e terá de aguardar uma outra vez.

Muito obrigado a todos.

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(1) Conferência no Instituto Sedes Sapientiae (23.10.2008). Tradução e edição: Renato Mezan. O tradutor agradece a Lia Pitliuk a cuidadosa transcrição das fitas originais, e a David Calderoni por disponibilizar o DVD da conferência, que permitiu completar alguns trechos inaudíveis ou faltado nas fitas.

(2) Méconnaissance é mais do que desconhecimento ou ignorância: envolve a idéia de ilusão, de auto-engano, de não "querer saber" do que se trata, porém sem saber que se está fazendo isso, ou seja, involuntariamente. Se for um ato voluntário, estaremos diante da mentira, que é outra coisa. (Nota do tradutor).

(3) Cf. Spinoza, Benedictus de, Ethica Ordine Geometrico Demonstrata: De Servitute Humana seu de Affectuum Viribus, Pars quarta, propositio XLV: (...) "Nam qui magis decet famem et sitim extinguere quam melancholiam expellere?".




 
 
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