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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    10 Setembro de 2009  
 
 
NOTÍCIAS DO CAMPO PSICANALÍTICO

Nem estatuto de Estado nem Ordem para a psicanálise


Ana Maria Sigal encaminha ao Boletim Online a petição produzida na França em 2006 e reatualizada neste ano de 2009. Conheça as idéias veiculadas, que correspondem às propostas do movimento Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileiras, do qual o Departamento de Psicanálise faz parte. O manifesto foi difundido na rede a partir da iniciativa de seus primeiros signatários, grupo que inclui, entre outros, Jean Allouch, Paul-Laurent Assoun, Alain Didier-Weill, Philippe Julien, René Major e Michel Plon.

Para consultar a relação completa das 649 assinaturas existentes em 4 de agosto de 2009, o leitor pode seguir o link: http://www.nistatutniordre.org/signataires.htm

A tradução que se encontra a seguir foi elaborada pelo colega Nelson da Silva Junior, cuja colaboração agradecemos.

NEM ESTATUTO DE ESTADO NEM ORDEM PARA A PSICANÁLISE (1)

Cento e cinquenta anos após o nascimento de Freud, a psicanálise se difundiu inegavelmente no mundo, mas esta difusão apresenta-se de maneira diversificada. Por um lado, ela demonstra uma grande vitalidade em numerosos em países da América Latina e se expande doravante até à China; por outro lado, na Europa, que a viu nascer e, mesmo na França, onde o ensino de Lacan voltou a lhe dar vida e lhe permitiu ocupar um lugar de primeiro plano, a psicanálise atravessa uma crise séria.

Ela é, com efeito, objeto de ataques determinados por parte de ideologias cientificistas procedentes das neurociências e das psicologias cognitivas e comportamentais. Estas críticas, que não variaram desde os primeiros trabalhos de Freud, recebem doravante o apoio ativo do Estado em proveito da sua nova gestão burocrática "da saúde mental". Os decretos de aplicação demonstram que a aposta nas normas dos conhecimentos requeridos para o uso do título psicoterapeuta implica a longo prazo que a psicanálise deve ser rejeitada, ou colocada sob liberdade vigiada.

Mas esta crise é devida igualmente ao fato de os psicanalistas terem se perdido em negociações regulamentares que implicam indiretamente o exercício da psicanálise ("as listas de psicanalistas"). Não recusando o princípio da regulamentação, alguns se dizem desiludidos quanto ao resultado, mas outros persistem na mesma lógica, dado que evocam a idéia de uma Ordem dos psicanalistas. A suposta proteção dada pela lei - vimos no que esta consistia!- tomaria assim claramente a forma de uma regulamentação da própria psicanálise, em nome do mesmo argumento do legislador: distinguir os verdadeiros psicanalistas dos charlatões.

Mas quem diz Ordem diz consenso sobre o que permite reconhecer um entre os pares. Este consenso não existe, contudo. A formação do psicanalista é e deve permanecer o desafio mesmo da psicanálise, não depende de maneira alguma de uma seleção ou cooptação operada pelos "antigos", os "notáveis" ou os "veteranos". Tornar-se analista continua sendo uma decisão antecipatória e aquele que toma esta decisão já a fez quando pede a seus pares que o reconheçam. Esquecer-se deste princípio, segundo o qual um psicanalista não o é se não efetuar este ato, é transformar a experiência analítica em iniciação e o conjunto dos psicanalistas em corporação.

A questão de saber como se pode autenticar este franqueamento que constitui a passagem do analisante ao analista deve continuar em aberto. A ausência flagrante de debate a este respeito na comunidade analítica fragiliza a psicanálise perante os pedidos de garantia dos quais é objeto. Seria desejável que os psicanalistas, pertencendo ou não a uma associação, avaliassem a necessidade de instaurar lugares de troca e de confrontação sobre este problema crucial da formação.

Em vez de enfrentar publicamente a dificuldade, a escolha de uma administração normatizante supõe que a pergunta esteja resolvida e prepara a cama do conformismo e do arrivismo. O abrigo pela comunidade não tarda em mostrar a sua lógica segregativa, pois se há Ordem, não há exercício fora do seu reconhecimento, o que supõe a exclusão dos que não compartilham de seus princípios.

Conseqüentemente, os abaixo assinados declaram que a prática da psicanálise não pode ser regulamentada, nem garantida por um estatuto de Estado, nem enquadrada por uma Ordem.

Paris, 1º de Março de 2006.

NI STATUT D'ÉTAT NI ORDRE POUR LA PSYCHANALYSE

Cent cinquante ans après la naissance de Freud, la psychanalyse a incontestablement diffusé dans le monde, mais cette diffusion se présente de façon contrastée. D'une part, elle témoigne d'une grande vitalité dans de nombreux pays d'Amérique latine et essaime désormais jusqu'en Chine, d'autre part dans l'Europe qui l'a vue naître et même en France où l'enseignement de Lacan lui a redonné vie et lui a permis d'occuper une place de premier plan, elle traverse une crise sérieuse.

Elle est en effet l'objet d'attaques déterminées de la part d'idéologies scientistes issues des neurosciences et des psychologies cognitives et comportementales. Ces critiques, qui n'ont pas varié depuis les premiers travaux de Freud, reçoivent désormais le soutien actif de l'État au profit de sa nouvelle gestion bureaucratique de la « santé mentale ». Les décrets d'application démontrent que la mise aux normes des savoirs requis pour l'usage du titre de psychothérapeute implique à terme que la psychanalyse doit être rejetée, ou placée en liberté surveillée.

Mais cette crise est due également au fait que des psychanalystes se sont fourvoyés dans des négociations réglementaires impliquant indirectement l'exercice de la psychanalyse (les « listes de psychanalystes »). N'ayant pas refusé le principe de la réglementation, certains se disent déçus du résultat, mais d'autres persistent dans la même logique puisqu'ils évoquent l'idée d'un Ordre des psychanalystes. La prétendue protection donnée par la loi - on a vu ce qu'il en était ! - prendrait ainsi clairement la forme d'une réglementation de la psychanalyse elle-même, au nom du même argument que celui du législateur : distinguer les vrais psychanalystes des charlatans.

Mais qui dit Ordre dit consensus sur ce qui permet de reconnaître un parmi les pairs. Ce consensus n'existe pas. La formation du psychanalyste est et doit rester l'enjeu même de la psychanalyse, elle ne relève en aucune manière d'une sélection ou d'une cooptation opérée par les « anciens », les « notables » ou les « chevronnés ». Devenir analyste est toujours une décision anticipatrice et celui qui prend cette décision l'a déjà fait quand il demande à ses pairs de le reconnaître. Oublier ce principe selon lequel un psychanalyste n'est tel que s'il a effectué cet acte, c'est transformer l'expérience analytique en initiation et l'ensemble des psychanalystes en corporation.

La question de savoir comment peut s'authentifier ce franchissement que constitue le passage de l'analysant à l'analyste doit rester ouverte. L'absence flagrante de débat à ce sujet dans la communauté analytique fragilise la psychanalyse face aux demandes de garantie dont elle est l'objet. Il serait souhaitable que les psychanalystes, qu'ils appartiennent ou non à une association, mesurent la nécessité de mettre en place des lieux d'échange et de confrontation sur ce problème crucial de la formation.

Au lieu d'affronter publiquement la difficulté, le choix d'une administration normalisante supposerait la question résolue et ferait le lit du conformisme et de l'arrivisme. L'abri pour la communauté aurait tôt fait de montrer sa logique ségrégative, car s'il y a Ordre il n'est point d'exercice hors de sa reconnaissance, ce qui suppose l'exclusion de ceux qui n'en partagent pas les principes.

En conséquence, les soussignés déclarent que la pratique de la psychanalyse ne saurait être réglementée, ni garantie par un statut d'État, ni encadrée par un Ordre.

Paris, le 1 er mars 2006

(1) Tradução de Nelson da Silva Junior, membro e professor do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.




 
 
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