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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    11 Novembro de 2009  
 
 
NOTÍCIAS DO DEPARTAMENTO

Abertura da conferência de Jean Oury


No dia 12 de setembro, o psiquiatra e psicanalista francês Jean Oury pronunciou importante conferência na PUC-SP, numa realização conjunta entre o Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e o Núcleo de Estudos da Subjetividade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Assim como inúmeros colegas e parceiros em lutas históricas no campo institucional, que responderam ao convite da Comissão Organizadora do evento, a equipe do Boletim Online esteve lá, e publica a seguir a fala de abertura proferida por Silvia Alonso e a íntegra da conferência de Oury. Nesta edição o leitor encontra, ainda, a reportagem de Andréa Carvalho e Danielle Breyton em torno da experiência de entrevistar Oury.

SILVIA LEONOR ALONSO (1)


É com grande expectativa que estamos aqui hoje para escutar o doutor Jean Oury nesta conferência, expectativa criada a partir do que conhecemos de seu pensamento e, fundamentalmente, de seu trabalho de mais de sessenta anos no campo do sofrimento mental.

Psiquiatra e psicanalista, Jean Oury fundou, em 1953, a Clinique de La Borde, para cuja direção administrativa convidou Félix Guattari, em 1956. Até hoje é diretor dessa clínica (situada em Cour-Cheverny), que, como sabemos, tem sido uma experiência inovadora na forma de tratar o sofrimento psíquico e continua sendo referência, modelo indicador para psiquiatras, psicólogos, psicanalistas, equipes de trabalhadores de saúde mental em suas práticas cotidianas em vários lugares pelo mundo. Desde 1971, vem coordenando um seminário em La Borde e, desde 1981, um seminário mensal no hospital de Sainte-Anne.

Jean Oury chegou à psiquiatria em 1947, começando seu trabalho como médico interno em Saint-Alban, onde permaneceu até 1949. Vale aqui situar um pouquinho de história: nos trágicos anos da guerra e nos tempos da ocupação, a falta de alimentos na França atingiu fortemente os hospitais psiquiátricos, nos quais morreram quarenta mil doentes mentais. Naquele contexto, o hospital de Saint-Alban destacou-se pela realização de uma série de ações coletivas para resolver a crise, mobilizando trabalhadores, pacientes e a população, com efeitos terapêuticos sobre os doentes. Durante os anos da ocupação, o local serviu de refúgio para muitas personalidades perseguidas, como Paul Éluard e Canguilhem, entre outros. Na mesma época, nele foi trabalhar o psiquiatra catalão François Tosquelles - que chegara à França fugindo do regime franquista - após ter atuado algum tempo como psiquiatra num campo de concentração.

Vemos, assim, que vários fatores juntaram-se, criando condições para surgirem no hospital soluções novas e alguns funcionamentos muito especiais para a época, que alteraram a ordem de funcionamento nas relações dentro-fora e mobilizaram o aproveitamento das condições de todos os que nele estavam, propiciando mudanças nos pacientes e abrindo caminhos para novos métodos de tratamento do sofrimento psíquico. Foi um momento realmente transformador.

Sabemos que o movimento da Psicoterapia Institucional francesa é amplo, tendo seguido caminhos diferentes nos diversos lugares, tornando-se, assim, heterogêneo. Mas certamente recebeu em suas origens uma influência importante do pós-guerra e das percepções dos profissionais sobre o funcionamento dos manicômios (durante a guerra) e das semelhanças com o dos campos de concentração. Isso lhes possibilitou criar métodos de tratamento fundados nos princípios de oposição à "concentração" e à "segregação". Sabemos também que esse movimento tem, em Saint-Alban e na Clínica de La Borde, expressões muito importantes(2).

Jean Oury é um dos principais representantes da Psicoterapia Institucional francesa; seu pensamento e sua prática no espaço da clínica institucional seguiram o curso, indicado por Tosquelles, de afirmação da diferença e da singularidade.

Em entrevista, Oury reconheceu a influência, em seu pensamento, de Lacan e de Tosquelles. Do primeiro, com quem se analisou e a cujos seminários assistiu, reconhece o valor do desenvolvimento teórico-conceitual, embora tenham seguido na vida e no trabalho caminhos muito diferentes. Nos muitos anos do que ele próprio chama "uma profunda amizade militante" com Tosquelles, os encontros e conversas entre os dois deixaram uma presença viva e forte em seus textos e em suas falas.

Ontem, a Editora Hucitec lançou em português seu livro O coletivo, o que certamente facilitará maior proximidade com um pensamento e um trabalho que já vem tendo entre nós uma presença importante.

A conferência de hoje foi organizada numa parceria entre o Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e o Núcleo de Estudos da Subjetividade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Em nome do Departamento de Psicanálise, agradeço a Peter Pelbart e a Maurício Porto por nos terem aberto essa possibilidade; agradeço igualmente ao Núcleo de Estudos da Subjetividade pela generosidade com que nos ofereceu o espaço para podermos realizá-la. Fizeram parte da comissão organizadora Cida Aidar (articuladora de relações externas) e Leonor Rufino (articuladora de eventos).

Para os psicanalistas de nosso Departamento, este momento é prenhe de sentido. Perante as formas muito restritivas que às vezes a psicanálise tem seguido, na universalização de um setting, na restrição a uma suposta "cura tipo", ou na forma de pensar a construção subjetiva numa interpretação solipsista, temos sempre defendido uma clínica psicanalítica que se exerce nos campos diversos, com formas de práticas diferentes e que fertiliza seus conceitos quando podem ser redefinidos no campo da clínica ampla, das transferências múltiplas, dos marcos grupais e institucionais e das equipes interdisciplinares. E uma prática que reforça a irredutibilidade do singular.

Podermos receber um psicanalista com experiência e reflexão tão ricas nessa direção é para todos nós um privilégio.

A palestra será traduzida por Claudia Berliner, psicanalista e tradutora. O título, sugerido pelo próprio doutor Oury, é: "Síndromes patoplásticas, instituição e estabelecimento. As diferentes formas de alienação". Leia a palestra na íntegra.

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(1) Silvia Leonor Alonso é psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.
(2) Para quem se interessar pela história, recomendo: a apresentação de Jean Oury, La psychothérapie institutionelle de Saint-Alban à La Borde, disponível em: www.cliniquedelaborde.com; e o livro de Arthur Hyppólito de Moura, A psicoterapia institucional e o clube dos saberes (Hucitec, 2003).




 
 
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