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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    11 Novembro de 2009  
 
 
NOTÍCIAS DO CAMPO PSICANALÍTICO

Colóquio internacional sobre o método clínico


SILVANA RABELLO[1]

 

Sabemos, pacientes e psicanalistas, da considerável crise que atravessa o método clínico nas práticas de saúde básica e de saúde mental, pública e privada, nos tempos atuais. Podemos todos perceber esse movimento, discreto para uns e nada discreto para outros. Para além de seu enquadre específico, é também perceptível através das matérias estampadas nos jornais e nas mídias em geral, que defendem a biologização radical das desordens do humano, difundindo certa de-subjetivação da existência humana, des-implicando o sujeito de seu sofrimento, erros e manias, de suas "humanidades trágicas cotidianas", assim como des-implicando a sociedade de seu papel na geração de sofrimento.

 

A psicanálise ocupa importante papel nesta tensão - resistência. O psicanalista francês Charles Melman, em sua vinda a Curitiba anos atrás, sugeriu ser esta a missão da psicanálise nos tempos atuais - sustentar a subjetividade humana, sua palavra e seu caráter singular no mundo contemporâneo que, por suas características, teria por força dissolvê-la nas massas.

 

Outra evidência desta tensão é a organização de um movimento na França, conhecido por muitos, Sauver la Clinique, cujo manifesto popular pode ser conhecido no site http://www.sauvons-la-clinique.org ou http://www.cifpr.fr/+Nouvelle-Actu.

 

O manifesto é uma iniciativa do Seminário Inter-Universitário Europeu de Ensino e de Pesquisa em Psicopatologia e Psicanálise (SIUEERPP). Neste, podemos ler a preocupação de uma classe de profissionais, que inclui psicanalistas, com as práticas modernas e "precisas" de avaliação médica ou psicológica, com a medicalização sistematizada e exclusiva, com os dispositivos de isolamento dos sintomas caminhando na contramão da clínica da subjetividade. Observa-se também a preocupação com o desmantelamento das equipes de saúde, eliminando divergências, silenciosamente, através de certos "atos". Como o Ato Médico aprovado pela Câmara nos últimos dias[2]. Parece, porém, que muitos de nossos contemporâneos encontram certa paz nesse movimento de-subjetivante, ou estaríamos, mais uma vez, arrastados por "verdades" que nos são impostas sem que tenhamos tempo para pestanejar.

 

O método clínico, saber acumulado desde os gregos, parece viver uma séria crise quando atravessado pelos valores contemporâneos capitalistas:

 

1. interesses econômicos, especialmente dos laboratórios farmacêuticos e dos fabricantes de aparelhos para exames laboratoriais, que seduzem o profissional na direção de priorizá-los em detrimento da soberania dos achados clínicos;

2. não reconhecimento do lugar significativo do sofrimento humano em sua existência, em função de um ideal mercadológico difundido na mídia que visa às massas;

3. falta de tempo, vivida pelo humano, para acolher as incógnitas intrínsecas ao próprio sofrimento, muito menos as do outro, desvendáveis pelo caminho clínico enquanto processo singular de relação do sujeito com seu próprio sofrimento;

4. crença na neutralidade ou objetividade radical, enquanto ideologia científica que favorece a negação da subjetividade do clínico, do estudioso e do próprio paciente.

 

Mas, nas palavras de Mario Eduardo Costa Pereira,

 

A experiência humana, enquanto marcada pela incompletude, pelo conflito e pela paixão é, em si mesma, psicopatológica e a descrição de tal condição apaixonada, com todas suas vicissitudes, é irredutível aos discursos naturalizantes fundados nas ciências biológicas, o que exige uma teorização propriamente metapsicológica para dar conta dessa dimensão passional e prática do existir psíquico.[3]

 

Pierre Fédida defendia a condição psicopatológica que fundamenta a existência humana e assim criou o campo da Psicopatologia Fundamental, enquanto campo de debates intercríticos entre as diferentes posições epistemológicas, éticas e metodológicas tratando do psicopatológico[4].

 

Tal iniciativa inspirou, por sua importância, o primeiro Laboratório de Psicopatologia Fundamental, dirigido por seu fundador, o psicanalista e Prof. Dr. Manoel Tosta Berlinck, na PUC-SP. O método clínico, enquanto processo de construção de conhecimento, vem sendo priorizado nos Laboratórios de Psicopatologia Fundamental, que hoje são muitos, espalhados pelo Brasil, como aquele da UNICAMP, dirigido pelo psicanalista e Prof. Dr. Mario Eduardo Costa Pereira[5].

 

Assim, neste contexto atual, que o justifica amplamente, aconteceu o Colóquio Internacional sobre o Método Clínico, promovido pela Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental[6] e realizado na Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado - FECAP, em São Paulo, de 4 a 7 de setembro deste ano, visando às "apresentações de narrativas sobre o método clínico. Ofereceu, assim, uma oportunidade para o caminhar em direção à palavra representativa do pathos psíquico e dar um testemunho do trabalho que é realizado nesse caminhar"[7].

 

Este colóquio reuniu quase sessenta trabalhos de alta qualidade, elaborados por psicanalistas, filósofos, trabalhadores da saúde pública, psiquiatras, entre outros, que inscreveram suas produções a serem compartilhadas, apresentando suas angústias, problemas, soluções, na construção de um coletivo necessário ao estudo do método clínico nos dias de hoje. Convidados contribuíram especialmente a este debate, na rica confluência entre psiquiatria, psicanálise e filosofia: Prof. Dr. German E. Berrios, da Universidade de Cambridge, Grã-Bretanha, importante estudioso da história da psiquiatria, nos revelou uma psiquiatria crítica em seu trabalho The Clinical Method: a conceptual history. Reconhece importância no diálogo com a psicanálise e sua psicopatologia, derivada de uma clínica atenta e de uma metapsicologia, mas luta pela evolução clínica da psiquiatria atual e de seus métodos. Tivemos também o Prof. Dr. Jorge Carlos Holguin Lew, Universidade de Antioquia, Medellín, Colômbia, apresentando Time experience and psychopathology: a conceptual history, referindo-se ao método desenvolvido pelo Prof. Berrios - conceptual history - enquanto caminho para repensar a psiquiatria atual[8]. Tivemos o Prof. Dr. Plínio Prado, da Universidade de Paris 8, St. Denis, filósofo, que fez a filosofia trabalhar nossa escuta clínica - possibilidade tão necessária ao clínico e ao psicanalista - em seu trabalho Elogio da escuta. Fundamentos filosóficos da therapeia. Por fim, em seu trabalho Fundamentos epistemológicos do método clínico, Prof. Dr. Manoel T. Berlinck apresentou um estudo compreensivo das pressões às quais o clínico está submetido nos tempos atuais, afastando-o do caminho em direção à palavra representante desse sofrimento.

 

Concluindo, escrever sobre este tema me leva à lembrança daquele que, para meu privilégio, me introduziu efetivamente ao mundo da clínica, através das suas inesquecíveis intervenções formadoras - Oswaldo Dante di Loreto, falecido neste ano, e que sempre estará, por suas palavras, presente em quem o conheceu e atravessando cada movimento de minha prática clínica e de meu  trabalho de formação de novos clínicos na PUC-SP.

 



[1] Silvana Rabello é psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, membro do Departamento de Psicanálise de Crianças do mesmo Instituto e professora na PUC/SP.

[2] Para manifestar seu descontentamento com tal projeto de lei (7.703-a), o leitor pode enviar e-mail para os três senadores da República que o estão estudando: Senador Ademir Santana (adelmir.santana@senador.gov.br), Senador Cristovam Buarque (cristovam@senador.gov.br) e Senador Gim Argelo (gim.argello@senador.gov.br), assim como para o senador em que votou (consulte a página virtual do Senado: http://www.senado.gov.br para localizar o respectivo e-mail).

[3] Mario Eduardo Costa Pereira, Pierre Fedida e o Campo da Psicopatologia Fundamental. p. 2. Artigo disponível no site: http://www.uff.br/labpsifundamental/arquivos/Pierre%20Fedida%20e%20o%20Campo%20da%20Psicopatologia%20Fundamental.pdf

[4] Idem, p. 7.

[5] Cf. http://www.psicopatologiafundamental.org

[6] Cf. http://www.fundamentalpsychopathology.org

[7] Manoel Tosta Berlinck, O método clínico: fundamento da psicopatologia. Disponível no site http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1415-47142009000300001&script=sci_arttext

[8] Sobre o método desenvolvido pelo Prof. Dr. Berrios, cf. F. Fuentenebro de Diego, Crítica de la razon psicopatológica. La obra de G. E. Berrios. Revista de la Asociación  Española de Neuropsiquiatria. 1995, 54: 513-526.




 
 
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