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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    11 Novembro de 2009  
 
 
NOTÍCIAS DO DEPARTAMENTO

Entrevistar Jean Oury


ANDRÉA CARVALHO MENDES DE ALMEIDA e DANIELLE MELANIE BREYTON (1)


Entrevistar Jean Oury estava em nossa pauta já há algum tempo. Sabíamos que seria uma entrevista de preparo difícil. Muitos anos de história na psiquiatria e na psicanálise, o que produziu um caldo denso, nem sempre de fácil digestão... Muitos anos de vida, o que às vezes dificulta o contato... Muito mergulhado em La Borde, no interior da França, longe da cidade grande... Poderia ter ficado assim, distante e distanciado, não fosse a abertura para o encontro uma de suas grandes qualidades.

Fomos tomados de surpresa pela notícia da vinda de Jean Oury ao Brasil, naquela altura já próxima. Embuídos da ousadia que a ocasião precipitava, entramos em contato com Peter Pál Pelbart e Maurício Porto, responsáveis pela visita de Oury por ocasião do evento Ocupação Ueinzz no SESC. Foram receptivos à nossa proposta de entrevista para a Revista Percurso, abrindo espaço na agenda bastante carregada e intermediando nosso contato.

E então, nos vimos novamente frente à árdua tarefa de preparar a entrevista, agora em pouquíssimo tempo. Textos difíceis e densos, praticamente todos em francês. Um repertório imenso de referências que abrange fenomenologia, filosofia, psicanálise, psiquiatria, além de literatura, cinema e teatro. Convidamos então Maurício Porto para nos acompanhar nessa empreitada.

Assim chegamos, um tanto esbaforidos, para a conversa com esse "monstro sagrado" Jean Oury. Em suas primeiras palavras na entrevista, ele adverte: "é preciso tomar cuidado com eu fiz, eu isso, eu aquilo, cuidar para não fetichizar, não monumentalizar a pessoa. Nunca é uma pessoa, há sempre uma multiplicidade de sujeitos". E isso, ele aprendeu com um de seus mestres, Tosquelles. Assim, nos pareceu ciente do tamanho de sua obra ainda bastante inexplorada - é ele mesmo quem diz: "assim como O Coletivo, há muitos outros anos de seminário em torno de diversos temas" - e também muito acessível, disposto a falar e transmitir.

Em sua viagem ao Brasil Oury esteve acompanhado por uma simpática comitiva: Huguette, a esposa e companheira desde os tempos de Saint-Alban, Nadia, uma de suas filhas, que também trabalha em La Borde, além de Clara e Joris, jovem casal de monitores de La Borde imbuídos na função de "fazer aparecer" o trabalho de Oury.

Com ele passeamos pela história da psiquiatria na França, atravessada pela guerra (psiquiatria de urgência) e pelo fascismo, que levou aos recônditos da França figuras como Tosquelles, que transformaram um hospital psiquiátrico clássico e terrível como Saint-Alban num campo de refugiados e centro de resistência. Nas palavras de Oury: "Não entendemos nada da Psicoterapia Institucional(2) se não entendermos a política, o movimento no qual e do qual ela emerge".

É assim, por exemplo, que ele nos fala de La Borde: "Não fundei La Borde, La Borde surgiu, assim por acaso, mais ou menos como acontece em todos os encontros". Fato é que frente aos entraves burocráticos hospitalares de onde se encontrava pós Saint-Alban, em Saumery, Jean Oury colocou o pé na estrada, junto a um grupo de amigos e cerca de 30 pacientes à procura de um lugar onde seguir "fazendo".

Defensor da singularidade e da vida, da democratização do espaço institucional, Jean Oury não abriu mão, nem por um segundo, de uma ética psicanalítica levada até suas últimas consequências, esbravejando contra toda fascinação ou idealização da psicose e também contra toda tentativa de relegar a clínica a um segundo plano. Desta forma, pôde construir, ao longo de todos esses anos, uma consistente caixa de ferramentas para seu trabalho cotidiano.

Através de seu relato revisitamos a efervescência das construções lacanianas, e a doce e conflitiva parceria com Guattari.

Em alguns momentos, ele se pergunta "O que estou fazendo aqui? Num castelo perdido no meio da França, cercado de esquizofrênicos há cinquenta anos?", para responder em seguida "Como eu não estaria aqui?". La Borde é sua vida, sua vida é La Borde ...

Parece desnecessário dizer que a longa conversa foi extremamente rica e interessante, além de muito agradável. Estamos agora em pleno trabalho de transcrição, tradução e edição desta entrevista, que será publicada na Revista Percurso no início de 2010. Não deixem de ler!

(1) As autoras são psicanalistas, membros do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae no qual, dentre outras atividades, compõem o grupo de entrevistas da Revista Percurso.

(2) O movimento da Psicoterapia Institucional foi criado no pós-guerra pelo médico catalão Tosquelles, e teve Oury como um de seus mais importantes seguidores. O movimento faz a crítica da instituição psiquiátrica tradicional, considerada como espaço de exclusão e de verticalização da relação médico-paciente.




 
 
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