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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    11 Novembro de 2009  
 
 
NOTÍCIAS DO DEPARTAMENTO

Sobre o evento Clínica e Política


HEIDI TABACOF (1)


Quinta feira, oito de outubro, foi um daqueles dias de caos em São Paulo. Cada vez mais freqüentes, são dias em que a chuva prolongada ou muito intensa torna os deslocamentos no fim do expediente um exercício exasperante de paciência e persistência, para uma grande parcela dos cidadãos paulistanos.

Também no Rio de Janeiro, mais lindo mas não menos caótico, aquele foi um dia difícil: chuvas intensas, aeroporto Santos Dumont em obras, parcialmente interditado, trânsito parado.

Se em qualquer circunstância uma tal situação urbana é inquietante, naquele dia, para nós, foi alarmante. O que seria do evento programado para aquela noite? Esperávamos dois palestrantes de fora da cidade e certamente haveria dificuldade de acesso também para o nosso esperado público.

Às 18h, Eduardo Losicer, proponente do evento, avisou por telefone que ainda estava no Rio de Janeiro, sem horário previsto para o embarque. E Dodora, perguntei-me ao escutá-lo, conseguiria chegar de Brasília? A essa altura, eu já sabia que uma forte chuva castigava boa parte do país. Preocupada, dirigi-me ao Sedes observando as dificuldades das ruas no caminho. Atenta a essas ocorrências cotidianas triviais que, em determinados momentos, nos produzem muito impacto e que, felizmente, a experiência psicanalítica nos ajuda a enfrentar com alguma serenidade.

Afinal, embora de forma diferente do que tínhamos programado, já que Losicer, representante dos autores do livro, não conseguiu chegar, o evento ainda assim atingiu plenamente o seu duplo objetivo: lançar o segundo livro do Grupo Clínico-Jurídico do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro e recolocar em pauta, no Sedes, a discussão clínico-política. Foi precisamente essa oportunidade, ensejada pela temática do livro, que animou o Conselho de Direção do Departamento a aceitar a proposta feita pelos autores de sediar, em São Paulo, seu lançamento.

A concepção do evento, articulado pela área de Relações Internas do Conselho, investiu também no propósito político de realizar um trabalho que mobilizasse diferentes instâncias do Instituto em torno de um eixo comum. Um tipo de prática que nos parece que precisamos intensificar, no sentido de potencializar a construção de uma identidade institucional mais coesa.

Assim, além do nosso Departamento, a Diretoria e a Clínica Psicológica do Instituto participaram da organização e viabilização do evento, e foram representados na mesa de debates por Maria Auxiliadora da Cunha Arantes (Dodora), Irmã Pompéa Maria Bernasconi e Maria Ângela Santa Cruz, respectivamente.

Vale assinalar que Dodora é hoje coordenadora-geral de Combate à Tortura da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, o que lhe confere um outro engajamento institucional em relação às questões discutidas.

Eduardo Losicer representaria os autores do livro e falaria de sua experiência na clínica do Tortura Nunca Mais.

Todos os ótimos textos apresentados e uma carta de Losicer estão disponíveis para leitura neste Boletim Online, portanto não pretendo reproduzir algo de seus conteúdos.

O que me parece fundamental afirmar neste momento é que retomarmos a discussão política, e pensá-la em relação a nossa prática cotidiana é hoje uma necessidade e uma urgência. Só assim, o Sedes poderá voltar a ocupar um lugar no espaço público que dê continuidade aos princípios que nortearam sua trajetória de reconhecida implicação nas lutas por justiça social e pelos direitos de cidadania em nosso país.

A questão da violência de Estado e seus efeitos, trazida à pauta, inicialmente, pela necessidade histórica de desfazer o silêncio em torno das marcas deixadas pela ditadura brasileira nos sujeitos e na sociedade, tem ademais outra abrangência.

Muitas das intervenções do público no evento foram nessa direção, apontando para os fenômenos atuais que evidenciam a violência institucionalizada e as rupturas do Estado de Direito.

Esta situação penaliza agora, não os sujeitos ideologicamente discordantes, mas os mais vulneráveis socialmente, como as crianças maciçamente medicalizadas ou os jovens pobres e negros brutalmente exterminados.

Trata-se, então, de pensarmos as práticas sociais e de Estado que implicam assujeitamento e impunidade e que convocam a dimensão política de toda e qualquer atividade clínica. Precisamos buscar modos de sustentar essa reflexão nas produções teóricas do Departamento e nos trabalhos clínicos que desenvolvemos.

A realização do evento "Clínica e Política" foi um ato com essa intenção.

(1) Heidi Tabacof é psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, professora do Curso de Psicanálise e articuladora de Relações Internas no Conselho de Direção do Departamento - Gestão 2008-2010.



 
 
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