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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    13 Junho de 2010  
 
 
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Proposições para o porvir da psicanálise: conferência e seminários clínicos com Ricardo Rodulfo


DECIO GURFINKEL (1)

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Lia Pitliuk e Ricardo Rodulfo na conferência Proposições para o porvir da psicanálise

Recebi o convite da equipe do Boletim para escrever sobre o evento, que ocorreu no nosso Departamento em 12.05.10, e considerei bem-vinda a oportunidade de compartilhar minhas impressões com os colegas. Ricardo Rodulfo é um psicanalista argentino "veterano", docente da Universidade de Buenos Aires, com uma experiência clínica ampla e reconhecida e com uma produção teórica rica e instigante. Tendo vindo frequentemente ao Brasil e, nos últimos anos, particularmente a São Paulo, tivemos a oportunidade de recebê-lo em nossa "casa" graças à intermediação da colega Lia Pitliuk. Lia tem estudado, traduzido e divulgado a obra de Rodulfo já há algum tempo, e desta vez tomou a iniciativa de propor sua vinda como parte das atividades do grupo de articulação da Área Clínica do nosso Departamento, do qual participa. Este grupo(2) organizou o evento, com apoio do Conselho de Direção, com dedicação e eficiência, a que todos somos gratos.

Rodulfo desenvolveu dois tipos de atividade: seminários clínicos à tarde e uma conferência à noite.

Na conferência "Proposições para o porvir da psicanálise", o palestrante nos apresentou de maneira clara e comunicativa como pensa a psicanálise hoje. Foi mobilizadora a sua afirmação inicial de que o futuro da psicanálise, em termos de criatividade e vigor, encontra-se hoje muito mais na Argentina e no Brasil - e "em alguns pontos isolados de Nova York..." - do que nos centros europeus. Com esta abertura, introduziu o eixo principal de sua fala: a questão da apropriação. Um movimento de tomar para si o que é do outro está presente tanto no caso dos pais que dizem "este é meu filho" diante de suas conquistas pessoais, quanto na atitude de um centro psicanalítico da "verdade", que desautoriza o diferente. A denúncia da violência desta apropriação - um domínio sobre o outro que ataca a alteridade - e a defesa do que é próprio e singular é a proposição de Rodulfo para redefinir a prática e a ética da psicanálise, tanto na clínica como na pesquisa; daí o elogio que fez à nossa instituição, pela pluralidade de pensamentos que a caracteriza.

Podemos destacar, em sua concepção, uma dimensão filosófica e uma leitura crítica da história da psicanálise. Em relação à filosofia, e bastante apoiado em Derrida, Rodulfo propõe uma desconstrução do "aparelho conceitual" com o qual operamos. Devemos, como uma criança que brinca, abrir e desmontar o nosso "brinquedo" para ver como ele funciona, de que é feito o seu mecanismo. Os termos que usamos e que transformamos em conceitos têm uma história pregressa, e devemos ser capazes de reconhecer o que eles carregam consigo e em que colaboram para muitos vieses em nosso pensamento.

Da mesma maneira, o "brinquedo" criado por Freud merece também ser re-examinado e repensado a partir de novas contribuições. Aqui Rodulfo recorre, particularmente, a Winnicott, cuja teoria do self colocou de maneira tão candente uma "ética do próprio" para a psicanálise. Respondendo a uma questão do público, Rodulfo esclareceu que não se trata de jogar fora a sexualidade infantil para reinstalar em seu lugar uma teoria do brincar, mas sim de uma mudança de ênfase importante e necessária; o desafio é, justamente, como compor e compreender o interjogo entre as forças pulsionais da criança pequena e a potencialidade criativa inerente ao brincar. Talvez sua proposição mais disruptiva - e que infelizmente não tivemos tempo para discutir suficientemente - seja a crítica à idéia de "centro", tanto na estruturação do psiquismo, quanto na teorização psicanalítica.

Algumas palavras sobre os dois seminários clínicos.

No primeiro grupo, Lia Pitliuk apresentou um caso complexo de atendimento familiar, no qual acompanhamos um pouco do raciocínio clínico de Rodulfo. Sua visão da dinâmica familiar, sua leitura sobre o que seja o infantil e sua abertura à experiência clínica singular puderam ser apreciadas; neste atendimento, cujas dificuldades de manejo eram consideráveis, creio que alguma noção de condução e de sustentação do caso puderam ser esboçadas.

No segundo grupo, tive o privilégio de apresentar o caso clínico, pelo que agradeço ao grupo o convite. É difícil pôr em palavras a experiência de interlocução a partir de um caso próprio, mas vou tentar... Passadas três semanas, pude perceber, como em outras ocasiões, como o processo clínico é não-linear. Os efeitos da experiência de apresentação do caso se fizeram perceber antes e depois do seminário, e continuam acontecendo. Por um lado, não houve na discussão clínica uma "visão de conjunto" ou uma "amarração articulada" por parte de Rodulfo; mas, por outro, o eco das falas e comentários, aparentemente simples e despretensiosos, não cessam de ressoar em meu trabalho, fertilizando significativamente a análise em questão.

E aqui acrescento, sem dúvida, os comentários de colegas presentes, que contribuíram - e muito - para a discussão. Esta foi, aliás, uma marca dos dois seminários: a presença viva de um grupo trabalhando em conjunto. Para mim, isto foi particularmente importante, já que valorizo bastante a oportunidade de trocas clínicas com colegas e amigos; afinal, mais do que apenas nos alienarmos em outros "centros" de saber, devemos seguir investindo em um trabalho de resgate do que é nosso, conforme sugeriu Rodulfo.

As trocas pessoais e ao vivo - que para mim foram marcantes - não podem ser substituídas por um breve relato como este; espero, no entanto, que ele sirva como o traço de um "jogo do rabisco", e que seja convidativo para outros gestos.

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(1) Decio Gurfinkel é psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e professor dos Cursos de Psicanálise e de Psicossomática do mesmo Instituto.
(2) Fizeram parte da organização do evento Cristina Herrera, Lia Pitliuk, Maria Marta Assolini (articuladora da Área Clínica), Tiago Corbisier Matheus, Tatiana Inglez-Mazzarella e Leonor Rufino (articuladora da Área de Eventos).




 
 
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