O grupo foi criado em 2001: um espaço aberto para refletir entre pares as questões tão instigantes do contemporâneo, a partir do sofrimento evidenciado na clínica e nos fatos sociais. Uma interlocução entre pares para pensar quais ideais, papéis, trabalho e respostas são solicitados socialmente dos sujeitos hoje e como estas demandas incidem no processo de subjetivação.
O contemporâneo veicula exigências agudas sobre a perfeição dos corpos, acena com a eterna juventude, propõe uma liberdade dos sujeitos em relação à tradição e à história, oferece confortos tecnológicos e produtos sem precedentes. As mídias e a informática revolucionam o dia-a-dia, ultrapassando os referenciais de espaço e tempo - as informações e as trocas se dão no aqui e agora. Há um continuum de ofertas: informação, músicas, filmes...
Mas, também, o contemporâneo porta os traumatismos das situações extremas, genocídios, êxodos e campos de concentração, presentes desde o século XX com as grandes guerras. E tem a política atual da globalização e do neoliberalismo, com seu cortejo de extrema concentração de rendas, de violência e tráfico. E, ainda, as marcas deixadas no tecido social e nos indivíduos pelas ditaduras massacrantes do 3º mundo e, em passado recente, de muitos países da América Latina.
E... o mal-estar contemporâneo comparece na clínica pelo traumático, pela depressão, transtornos alimentares, toxicomanias, manifestações psicossomáticas, síndrome do pânico e outras sintomatologias. A dor psíquica transborda no corpo, perdendo as conexões simbólicas de sua história.
Esse é o legado clínico com o qual nos deparamos na nossa prática cotidiana, restos da sobredeterminação social, econômica e cultural, das exigências narcísicas de auto-suficiência, da recusa ao sofrimento psíquico e do esgarçamento dos laços sociais, além da velocidade das transformações dos valores e dos ideais. Do recrudescimento da violência social.
Nossas discussões se apóiam em textos sociológicos, artísticos, midiáticos e psicanalíticos para refletir. Então pensamos a globalização, a tecnologia, a velocidade, o consumo e vários aspectos do modo de vida atual.
A metapsicologia freudiana está sempre presente para pensarmos a construção da subjetividade, as primeiras inscrições, a diferenciação eu - outro. A concepção e a construção necessária de objetos e suas muitas determinações: a função objetalizante/desobjetalizante, o objeto fetiche, o objeto inerte, objeto parcial/total, da pulsão/de amor, objeto interno/transicional/ o outro real... a Coisa (das Ding)... o Outro.
Outro pilar das nossas reflexões são as várias concepções da pulsão de morte: compulsão à repetição, não ligação, destrutividade, irrepresentabilidade, mineralização ou, ao contrário, como criação de novas formas e configurações do viver - a sublimação na 2ª tópica.
Na figura clínica da adição, pensamos com Jammet a violência e a subjetividade aditiva como emblemática do consumo irrefreado de diversos objetos da cultura e da busca incessante de prazer e de gozo. Interrogamos as filigranas da relação mãe-bebê, da constituição do auto-erotismo, das identificações primárias, das primeiras inscrições. A família e suas transformações estruturais, a crise da adolescência tornada vitalícia e a função das instituições tomaram nosso discurso.
Recorremos ao texto "O mal-estar na civilização" de Freud com frequência, para pensarmos os conceitos eu-ideal/ideal do eu e supereu, o lugar do líder como unificador do laço social.
Entre outros textos, o laço social foi pensado com o livro "A função fraterna" e com a autora Maria Rita Kehl. A fratria institui o pai como função e a ordem horizontal, embora mais tensa, é geradora de criatividade. A identificação horizontal e a construção do sentimento de pertinência a um grupo poderiam produzir, na ausência de um líder - mas não de lei - trabalho elaborativo e consequente contenção às formas expressivas do sofrimento atual? Poderia oferecer elaboração também no que concerne ao esvaziamento da interioridade e à irrupção da violência? Que novas formas de sociabilidade são possíveis? Estas, entre outras, são questões que norteiam o nosso pensar.
Em 2006 o grupo realizou, em parceria com o Sesc-SP, o ciclo de debates " O mal-estar no cotidiano", que compreendeu dois eventos, com os temas "A violência nossa de cada dia", em 25/03/2006, e "Violência e desamparo na cidade", em 25/11/06. O objetivo do ciclo foi contribuir com o pensamento crítico que o grupo busca construir sobre a sociedade contemporânea e favorecer o surgimento de um espaço de elaboração sobre estas questões para um público mais amplo.
A violência e seus efeitos - sociais e nos sujeitos - têm sido debatidos e pensados através da clínica, dos fatos sociais, filmes, literatura. Trocas são estabelecidas com colegas do Departamento que têm pesquisas e trabalhos sobre estas problemáticas. A adolescência, por ser o momento do processamento das identificações sociais e de locais de pertencimento, traz com maior evidência as questões que envolvem as subjetividades contemporâneas. O silêncio dos adolescentes, a menor diferenciação entre os sexos, a menor assimetria entre as gerações, a valorização do corpo e as exigências de perfeição, as forças de exclusão e de violência a que muitos estão submetidos é um outro eixo de discussão sempre presente.
Temos debatido a importância da linguagem, da narrativa, a literatura do testemunho para pensarmos o traumático, a violência e os esvaziamentos da elaboração simbólica presentes na cultura, no social e nas pessoas. Usamos como referencial textos de Walter Benjamin, como "O Narrador", para pensar a diferença de inscrição e de processamento subjetivo que as várias falas e os diversos discursos promovem.
Para pensar o mal-estar, a violência, as forças de exclusão, o impacto das "falhas ambientais", a necessidade de "objetos intermediários", o reconhecimento do papel e da constituição dos terceiros, hoje temos recorrido a vários autores: Freud, Jean Pierre Lebrun, Kaës, André Green e Marcelo N. Viñar.
Nos últimos tempos, temos nos debruçado sobre os textos de Viñar para pensarmos as questões que temos elencado: adolescência, ideais contemporâneos, violência, exclusão, tortura. Elegemos estes textos pela preciosa contribuição da sua forma de pensar e pelo fato de ter criado um dispositivo de intervenção: os "grupos de palavras".
Com o objetivo de ampliarmos estas discussões, convidamos Marcelo Vinãr para participar deste evento, junto com outros colegas interessados nestas questões. |