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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    16 Abril de 2011  
 
 
ESCRITOS

Quanto tempo dura um encontro?


MARIA CAROLINA ACCIOLY (1)


Quanto tempo dura um encontro? O romance de Cristovão Tezza, Um erro emocional, nos convida a experimentar e refletir sobre a temporalidade. O livro se passa numa noite, um encontro, um tempo que transcorre e se ramifica.

O leitor, inquieto, aguarda um acontecimento. Nessa época em que o tempo dominante é ritmo rápido, tecnológico, urgente, livros que acontecem inteiros em poucas cenas convidam o leitor a entrar em outro ritmo.

Outro livro, companheiro de outras férias, Após o anoitecer, de Haruki Murakami, também atravessa uma noite, neste caso uma madrugada, e apesar de ter mais movimento, várias cenas em diferentes locais, fatos, acontecimentos, aventura e mistério, também nos provoca a sentir o tempo, ritmos diferentes, tempos diferentes. A literatura em si, quando em livro, é um objeto que representa outro tempo se comparado aos tempos contemporâneos.

Um erro emocional, particularmente, me remeteu a um aspecto do tempo que nos é familiar: a escuta do analista, a escuta do inconsciente, do atemporal.

Sylvie Le Poulichet aponta que na literatura, assim como na análise, "no momento em que o tempo parece, de algum modo, abolido, pode estar mais ativo. É um tempo curiosamente libertado da duração, que se afirma, por exemplo, na presença simultânea de dois acontecimentos separados"(2).

Por vezes, quando aparentemente nada acontece, podemos estar diante um acontecimento psíquico, um silêncio repleto de significado, ou mesmo um vazio necessário para que surja algo novo ou, tomando emprestada uma imagem poética, uma pausa de mil compassos.

A escrita do autor contribui para essa sensação de tempos simultâneos, com frases longas, parágrafos inteiros sem pontos, indo e vindo das lembranças para o agora e de volta às lembranças - que estão cá agora, como um discurso que flui livremente.

Assim como quando na fala de um paciente, num silêncio, na breve intervenção do analista, acontece de uma palavra, som, cheiro, tom, ritmo, enfim, algo abrir uma cadeia associativa, e diversos possíveis caminhos o pensamento pode seguir.

Um instante é subitamente invadido por outra cena, passada e atual, dois acontecimentos se presentificam em dois ou mais tempos. No tempo cronológico, um instante, no tempo do inconsciente, uma história.

Os personagens do livro, a cada instante e gesto, abrem para o leitor uma cadeia associativa de ideias, de lembranças, um enredo por trás daquele instante no qual nada e tudo acontece. Ao mesmo tempo. O encontro de tempos distantes e próximos, distintos e complementares, opostos e simultâneos. Dentro e fora. O encontro de duas histórias, duas subjetividades.

(1) Maria Carolina Accioly de Carvalho e Silva é psicanalista, membro da equipe editorial deste Boletim Online. Ex-aluna do Curso de Psicanálise, é aspirante a membro do Departamento de Psicanálise do SEDES/SP. Coordenadora do Grupo Laço - Projetos em Educação Inclusiva.
(2) O tempo na psicanálise, 1996, p. 18.




 
 
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