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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    17 Junho de 2011  
 
 
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Psicanálise em trabalho 2: A incidência da teoria das pulsões na clínica psicanalítica



Em 12 de maio de 2011 realizou-se a 2a mesa do ciclo de debates Psicanálise em trabalho. Composta por Maria Silvia Bolguese, Maria Cristina Ocariz e Fátima Vicente, a mesa de debates sobre A incidência da teoria das pulsões na clínica psicanalítica contou com a coordenação de Ana Lúcia Panachão, e o conteúdo abordado pode ser conhecido através dos resumos das autoras, abaixo publicados.


O HORROR AO ENVELHECIMENTO E A DUALIDADE PULSIONAL

MARIA SILVIA BOLGUESE(1)

O texto apresentado é fruto de anos de trabalho como coordenadora do seminário Teoria das Pulsões, o que me possibilitou não só o estudo aprofundado deste conceito central da teoria psicanalítica que é a pulsão, como ajudou a construir o alicerce das pesquisas que vim fazendo desde os tempos da elaboração do meu doutorado (publicado no livro Depressão & Doença Nervosa Moderna) até agora, no projeto de pós-doutoramento que estou realizando a partir de uma parceria que vem sendo estabelecida entre o IPUSP, com a supervisão do querido colega Nelson da Silva Jr. (também professor do curso), e a Universidade de Aix-Marseille 1, França, sob a supervisão do nosso colega, ex-professor do curso, Mário Eduardo Costa Pereira. Esta apresentação, portanto, é uma compilação das ideias que venho desenvolvendo, algumas ainda a serem aprofundadas, no curso do trabalho que estou realizando. De todo modo, a oportunidade de interlocução a esta altura me será, tenho certeza, de grande valia.

Eu não tenho medo dos anos e não penso em velhice. E digo prá você, não pense. Nunca diga estou envelhecendo ou estou ficando velha. Eu não digo. Então silêncio! Sei que tenho muitos anos. Sei que venho do século passado, e que trago comigo todas as idades, mas não sei se sou velha não. Você acha que eu sou?

(Cora Coralina, aos 93 anos)


Meu interesse é a elucidação das questões envolvidas entre o desenvolvimento de novas técnicas e tecnologias para fins de rejuvenescimento e prolongação da vida e, paradoxalmente, o inevitável processo de envelhecimento (na verdade, de horror ao envelhecimento) e morte. No centro desta investigação está a relação dos sujeitos com as ideias de beleza, juventude, saúde, envelhecimento e morte, inclusive no que diz respeito ao lugar social que se pode conquistar e os laços sociais que se almeja estabelecer, a partir da ideologia fundada no princípio de parecer ser. Parto da hipótese de que esta relação engendra-se nos recônditos mais primários do psiquismo, tomando por referência para a análise, por um lado, a teoria freudiana acerca do funcionamento mental dos sujeitos e suas patologias, cujos conceitos centrais tomados para nossos fins são, além da pulsão, ou justamente a ela articulados, o narcisismo e o masoquismo primário. De outro lado, recorro aos autores da Teoria Crítica da Sociedade, Adorno, Horkheimer e Marcuse, entre outros, com o objetivo de elucidar a trama tecida no âmbito social, da qual o sujeito é mais um elemento. O que estes autores sugerem é que a vida teria se reduzido a sua própria paródia, pois está cada vez mais difícil extrapolar a aparência da vida e dos sujeitos para se alcançar o que poderia ser considerado efetivamente viver. Busco compreender quais são os aspectos psíquicos envolvidos no acumpliciamento dos sujeitos (até sua total cooptação) a uma lógica que lhe é transcendente e que se sustenta em promessas que jamais serão cumpridas. O sujeito contemporâneo se vê atravessado por necessidades contraditórias, geradas justamente pela confluência de diferentes discursos para fins bastante diversos. É preciso viver plenamente, o que equivale a se colocar constantemente em condições de consumir, e, sobretudo, é proibido envelhecer, é inadmissível morrer.


O EXCESSO PULSIONAL

MARIA CRISTINA OCARIZ(2)

Para desenvolver o tema do excesso pulsional que fica fora da significação foi necessário retomar o tema do sentido dos sintomas e da satisfação pulsional que os mesmos propiciam, em especial em nossa clínica psicanalítica contemporânea. Esta clínica questiona as leis de funcionamento do inconsciente recalcado e a função do analista na condução dos tratamentos. Os conceitos sobre os quais a clínica psicanalítica se apóia, desde seus inícios, são inconsciente, pulsão e transferência. A partir da pulsão, fronteira porosa entre o psíquico e o somático, surge o conceito freudiano de sexualidade: a sexualidade infantil, o corpo pulsional, o narcisismo, o encontro com o objeto, a fantasia inconsciente. Em 1920, Freud percebe, a partir de sua clínica, que a questão energética da pulsão exige mais trabalho de especulação. O método da recordação, a rememoração, a construção da multideterminação de sentidos dos sintomas não bastam para que a compulsão à repetição cesse ou se modifique. A força pulsional continua insistindo nos pacientes em análise depois de anos de trabalho com a palavra, na procura das representações recalcadas e suas significações na história de cada sujeito. Nem os sintomas, nem o sofrimento, desaparecem. Um trabalho de elaboração nem sempre é possível, sendo inevitável admitir que o excesso ultrapassa o que é representável. Este fato clínico leva Freud a postular a existência da pulsão de morte, o problema econômico do masoquismo, a necessidade de castigo, o sentimento inconsciente de culpa e a "resistência a se curar".

A economia do real do gozo, na teoria de Lacan, corresponde à energética freudiana. Tudo o que tem a ver com o além do princípio do prazer, está centrado no problema do gozo e no problema do real, como aquilo que resiste ao simbólico, como aquilo que não pára de não se inscrever. O gozo faz borda com a dor. Gozo entendido como nocivo, prejudicial, daninho, contrário aos fins do princípio do prazer. Existe um padecer que o sujeito busca sem saber. Em termos lacanianos, é o real, o que volta sempre ao mesmo lugar, o que impede ao paciente de se liberar de suas repetições patológicas.

Se no final do século XIX, o sofrimento neurótico estava ligado à renúncia pulsional e à formação de sintomas por retorno das pulsões recalcadas, no começo do século XXI o mal-estar se associa ao imperativo do gozo. As patologias do ato não são iguais às patologias da fantasia. A palavra fica perdida em detrimento das ações. Ataques de fúria, quebras anímicas, acting-out ou passagens ao ato evidenciam a falta de recursos simbólicos do sujeito para situar seu eu no mundo. O sujeito da pulsão dissociado do simbólico é um sujeito mudo, cuja demanda é muda. Como conectar a palavra e o corpo: as dores corporais, anorexia-bulimia, as pulsões nos fenômenos psicossomáticos. Como se une o que se diz e o que não se pode dizer? "No corpo aparecem letras que rasgam a carne e o fazem sangrar".

Hoje as intervenções do analista são para: analisar a repressão ou recalque, fazer consciente o inconsciente; e para limitar o gozo. "A pulsão deve ser domesticada para evitar que a exigência pulsional produza sintomas inadequados como solução do conflito" (Freud, 1937). "Algo do nível das satisfações deve ser retificado ao nível da pulsão" (Lacan, 1964).

Qual é a aposta psicanalítica hoje? Que o sujeito possa se responsabilizar por seus pontos de gozo, possa questionar esse gozo, possa barrar esse gozo, e encontrar alguma causa de seu desejo. A escuta analítica tem como objetivo avançar no saber não sabido. É o saber que cura? Ou é a transferência produzida numa análise aquilo que cura?


SAMBA, O DOM DE CORPO

MARIA DE FÁTIMA VICENTE(3)

O artigo apresentado teve por baliza duas idéias principais. A primeira delas, a afirmação que cada um dos espécimes da espécie humana deverá subjetivar as conquistas evolutivas da espécie - a bipedia e a fala - para se tornar humano e a segunda, a afirmação de que tal subjetivação só é possível por intermédio da instalação do circuito pulsional, operação singular e dependente dos avatares do desejo e da demanda da mãe(4). O que implica reconhecer o caráter civilizatório da pulsão, uma vez que esta faz enlace entre o sujeito e o outro. Eu me propus a enfocar o problema da subjetivação da bipedia e para isso tomei por referência dois conceitos provenientes de áreas diferentes. Do lado da Psicanálise, o conceito proposto por Lacan de pulsão invocante, que diz respeito à pulsão responsável por engrenar o significante ao corpo e por isso, segundo aquele autor, a pulsão mais próxima do inconsciente; e, provindo da etnomusicologia, o conceito de síncopa brasileira, a figura musical da síncopa melódica e rítmica, própria ao samba, conceito que aponta para uma especificidade do lugar do corpo nessa música e nesta cultura, na medida em que o situa em relação à falta musical. Introduzi a hipótese de que há uma homotopia entre a fala maternante e o que a síncopa realiza. Propus que se reconheça que, se no samba encontramos o comparecimento do corpo no lugar vazio deixado pela relação entre os tempos fortes e fracos da melodia e do ritmo(5), equivalentemente, ao falar com sua cria, a fala maternante convoca o corpo do infans a ficar em pé por si mesmo, chamando-o a completar o vazio de sentido que a invocação musical introduz. Vazio equivalente ao produzido pela síncopa no samba, pois ambos situam a falta musical, local em que o corpo virá a comparecer e subjetivar a bipedia, andando a seu modo singular, dançando sua música. Finalmente, apenas assinalei as possíveis consequências, para a clínica psicanalítica, de tal hipótese. Assinalei, em particular, a incidência na análise com crianças, em que o lúdico comparece espontaneamente, mas em que pouco se tem explorado o cantar e o dançar, quando ocorrem espontaneamente, o que está frequentemente presente nos tratamentos psicanalíticos com crianças. E, finalmente, assinalei a possibilidade de utilização de recursos melódicos e rítmicos na abordagem psicanalítica das psicoses, particularmente naquelas em que a consistência imaginária necessária ao advento de um corpo próprio não se inscreveu suficientemente.

(1) Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise e professora do Curso de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.
(2) Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise e professora do Curso de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.
(3) Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise e professora do Curso de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.
(4) Esta entendida como o agente maternante, aquele ou aquela que sustenta função de maternagem para o infans.
(5) O que especifica a síncopa brasileira.




 
 
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