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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    18 Setembro de 2011  
 
 
NOTÍCIAS DO CAMPO PSICANALÍTICO

Psicanálise das configurações vinculares



LISETTE WEISSMANN (1)

   

O Dr. Isidoro Berenstein e a Dra. Janine Puget começaram a criar em 1950, em Buenos Aires, a Teoria da Psicanálise das Configurações Vinculares para tentar dar conta do paciente vincular ou pluripessoal (casal, família, grupo) e suas estruturas inconscientes.

 

Essa corrente de pensamento psicanalítico surgiu como necessidade de dar respostas a questões que surgem nos atendimentos contemporâneos e ficam sem poder ser abrangidas nas consultas psicanalíticas individuais. Surge a necessidade de repensar a clínica e reescrevê-la para desenhar um dispositivo que habilite a trabalhar em atendimentos vinculares com casais e famílias.

 

A questão é como dar conta do mal-estar vincular na clínica. Quando escutamos um paciente multipessoal escutamos o vínculo, a dor está colocada no relacionamento entre dois sujeitos que sofrem. Não se trata de cada um deles, com suas posições subjetivas, com suas marcas, mas sim do vínculo entre eles - que gera angústia a ser compreendida e contemplada. Cada vínculo tem sua particularidade e funciona como um caleidoscópio onde uma determinada configuração fica além dos sujeitos que compõem o vínculo. O que gera sofrimento é o entre e esse é o eixo de trabalho vincular, pensar no entre, ou seja, aquele espaço no qual esses sujeitos criam uma forma de se relacionar. Análise do vinculo não exclui a análise do sujeito - só trabalha a partir de outro vértice.

 

A Teoria das Configurações Vinculares pode ser entendida como um estudo psicanalítico dos vínculos a partir da psicanálise tradicional freudiana. A psicanálise tradicional coloca o olhar no indivíduo, focalizando-o a partir de seu mundo intrapsíquico. A Psicanálise das Configurações Vinculares parte de uma clínica do conjunto, que desenha um inconsciente vincular. Este, à maneira de uma estrutura ou de uma rede, estaria subjacente aos vínculos: no casal, na família, nos grupos e nas instituições.

 

Quando falamos de configuração vincular, focalizamos dois sujeitos ou mais, numa situação que se organiza e produz subjetividade e cujos laços desenham uma determinada vinculação entre eles. Essa estrutura inclui aspectos conscientes, que têm a ver com os relacionamentos em si, em que a presença do outro é fundamental; assim como aspectos inconscientes, que têm a ver com a configuração do próprio vínculo.  A configuração vincular é um motor de trabalho que impõe um encontro com a alteridade do outro, aquilo impossível e irredutível do outro. Poderia denominá-la também como situação vincular, situação que porta uma exigência de trabalho, a partir da presença do outro. Essa produção singular, que implica a configuração vincular, pode se tornar mais complexa e forte ou pode se esvaziar e empobrecer.

 

O novo objeto de estudo desse campo clínico vincular estaria constituído pelas configurações vinculares com suas respectivas alianças, acordos, pactos e trama inter-fantasmática inconsciente, assim como pelas estruturas vinculares familiares e sociais inconscientes subjacentes. O objetivo psicanalítico nessa concepção teórica estaria situado no descobrimento do inconsciente, que se estrutura tanto dentro de uma trama familiar e social quanto no plano individual. O olhar centra-se na descoberta da rede inter-fantasmática, que se tece entre os integrantes de uma família determinada, levando em consideração que essa família está atravessada pelas leis de parentesco apoiadas na proibição do incesto, configurando um ordenamento anterior à estruturação da mesma família. O social também aparece como pano de fundo sobre o que se estrutura a família, fundando-se na proibição do assassinato como estruturante do mesmo. O sujeito constitui-se com seu aparato psíquico singular pelas identificações, seja com os outros integrantes da família, seja com os outros de seu contexto sociocultural.

 

O campo clínico estaria ampliado na medida em que o paciente não é o paciente individual, porém ele com os outros significativos que o rodeiam e com os quais vai se constituindo. Assim, o objetivo consiste em revelar e tentar colocar em palavras a rede vincular inconsciente que estrutura o conjunto, ao escutar o que chamamos de "discurso vincular", tanto o de uma família, quanto o do casal que consulta.

 

Frente à pergunta: qual é o paciente na consulta vincular?, o paciente ao qual escutamos seria a configuração vincular que se nos apresenta portando um sofrimento vincular para ser desvendado. Nossa escuta é uma escuta vincular, que atinge uma rede inter-fantasmática entre sujeitos que partilham uma determinada estrutura ou situação vincular. Tal configuração também está influenciada pelo aparecimento do novo, como parte de um tempo presente, que aparece como fluido e sempre em movimento e mudança, ao lado de um tempo passado que deixa marcas, na forma de representações. Assim se descreve a configuração vincular como uma estrutura com e em movimento.

 

No prólogo do livro Famílias Monoparentais (WEISSMANN, L. 2009), Isidoro Berenstein nos diz:

"estamos em uma conjuntura social e cultural, porém subjetiva, que tem sua complexidade. Atualmente, a posição majoritária do pensamento sobre as relações com os outros é individual, e estamos procurando ter, também, uma concepção vincular delas... Talvez o difícil não seja que ambas as concepções se complementem, formando uma unidade, mas que se suplementem, porque ambas se necessitam, mesmo quando continuam sendo distintas, resistindo à tentação de se articulá-las para convertê-las em uma única, mantendo ambas em uma aproximação assintótica. Por exemplo, olhemos para o conflito psíquico e o conflito entre sujeitos de uma relação. No primeiro, temos o modelo do mundo interno e das relações de objeto e mecanismos como identificações, projeção, identificação projetiva.  No conflito entre sujeitos, temos que considerar o mundo da relação, as relações de poder e mecanismos de imposição, interferência, derivados do conceito de alheio (ajenidad) e alteridade. No primeiro modelo, o individual tem a transferência como modelo da relação entre os sujeitos. Contudo, se consideramos o conflito desde a relação, deveremos analisar a interferência além da transferência. Ambas dão lugar a formações subjetivas".

 

A teoria se baseia nas concepções freudianas e kleinianas, assim como nos autores pós kleinianos: Bion, Winnicott e Balint. Também dialoga com outras ciências como a Antropologia, tomando conceitos da teoria da comunicação de Gregory Bateson e da antropologia estrutural de Claude Lévi-Strauss. Recolhe ainda contribuições dos autores psicanalíticos que trabalham com grupos, Enrique Pichon-Rivière e José Bleger; Didier Anzieu e René Kaës.

 

Em 1977, Isidoro Berenstein emigra para Israel, onde trabalha com famílias, enquanto Janine Puget continua na Argentina, desenvolvendo suas conceituações sobre o grupo e o social.

 

O estruturalismo foi fortemente questionado por filósofos como Alain Badiou e Jaques Derrida e os autores da Teoria das Configurações Vinculares os levam em consideração. Desse modo, começa a época da influência do conceito de acontecimento2, na década de 1990. O acontecimento marca o surgimento de uma situação que previamente era inexistente e, para que essa transformação se efetue, a estrutura tem que tolerar certo grau de incerteza e certo vazio que habilite o surgimento de algo novo como novidade radical, ali onde não se conhecia.

 

Mais tarde Isidoro Berenstein (2001) conceitualiza o ajeno como "essa qualidade outorgada pela presença que sistematicamente não pode fazer-se própria, não se pode incorporar, a qual, apesar de tudo, deverá fazer-se-lhe um lugar, pois está ligada a um vínculo significativo para os dois sujeitos". Berenstein (2004) agrega que "a ajenidad não se deixa transformar em ausência e não se pode simbolizar. Em uma relação significativa, a ajenidad é todo o registro do outro que não conseguimos inscrever como próprio".

 

A presença do outro com sua parte ajena se nos impõe, criando uma imposição da qual é impossível escapar. Podemos falar tanto de uma imposição do outro que acarreta subjetivação ou de uma que traz dessubjetivação. 

 

Tentando fazer um fechamento desse percurso, poderíamos dizer que a Teoria das Configurações Vinculares dá uma grande importância ao mundo externo como constituinte da subjetividade.

 

Uma pergunta que se apresenta é se cada uma das hipóteses teóricas assinaladas com anterioridade anula a posterior. As diferentes hipóteses foram colocadas para conseguir trabalhar em diferença, ou seja, isso não significa que nenhuma anule a outra, pelo contrário, cada postulado abre novas formas de pensar e ampliar o vínculo. Dessa maneira, o conceito de estrutura marca um apoio, mas somente se ele for levado em consideração como uma estrutura aberta, passível de ser transformada tanto pelo acontecimento quanto pelo ajeno do outro.

 

Um sujeito estaria constituído por uma rede de vínculos conformando-se a especificidade de cada um como um desenho, um entrelaçamento, uma rede de tranças que cada um vai estabelecendo. Assim se tenta desenhar um caminho para pensar o ético, onde o outro, com sua alteridade e sua marca de diferença, possa exercer uma força que potencialize o vínculo para produzi-lo e enriquecê-lo.

 

Concluímos que cada hipótese da história da Teoria das Configurações Vinculares não cancela a anterior, pelo contrário, enriquece a anterior e a integra.

 

Desejo encerrar essa apresentação mencionando que a mesma foi escrita como forma de homenagear o Dr. Isidoro Berenstein (1932 - 2011), já que ele deixa para os continuadores de seu pensamento uma teoria por ele construída e desenvolvida como herança de grande valor para nossas práticas analíticas vinculares.

 



1 Psicanalista. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.

2 Conceito cunhado por Heidegger, Derrida, Badiou, Deleuze e Foucault, tomado emprestado da filosofia pela Teoria das Configurações Vinculares, para descrever um lugar virtual de possibilidade para o surgimento da novidade e das mudanças nos vínculos.

 




 
 
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