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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    18 Setembro de 2011  
 
 
NOTÍCIAS DO DEPARTAMENTO

O trabalho do analista - mesa 4 do ciclo de debates Psicanálise em trabalho



TIAGO CORBISIER MATHEUS (1)

 

Naquela noite de Agosto, o tema do Ciclo de Debates trouxe para o primeiro plano o sentido da aproximação e do diálogo entre analistas que, mobilizados por seu trabalho, buscam parcerias que lhes permitam pensar nas nuances e nos enigmas que permeiam seu exercício profissional. No que consiste, afinal, o trabalho do analista? Como entender aquilo que se realiza nos consultórios ou fora deles, que é fruto da inquietação de um sujeito que endereça suas questões a alguém que o escuta e, a partir daí, algo pode ocorrer na vida do primeiro, modificando-a irreversivelmente?

Debruçando-se sobre este tema, Anna Maria Amaral, Silvia Alonso e Cleide Monteiro fizeram suas apostas. A primeira, fazendo eco a textos apresentado por colegas, neste mesmo ciclo (entre eles, o de Decio Gurfinkel, por exemplo), pôs em questão o tema da transferência em sua dimensão onírica, a fim de apontar a proximidade entre o caráter enigmático que a caracteriza, e a potência de realização que porta, tendo em vista a atualização que a transferência sustenta, na situação analítica, do "poder criativo do inconsciente".

Silvia, por sua vez, retomou a perspectiva temporal da escuta do analista, tema por ela abordado em trabalhos anteriores. Assim como Anna Amaral, Silvia também se questiona a respeito da dimensão enigmática da função do analista, e defende a condição de este promover a transposição para o simbólico daquilo que é figurável - o analista, em suas palavras, é "o escrevente do que está fora". Este exercício de resgate do simbólico, a fim de "abrir o traumático", depende de uma operação que ocorre sob o tempo do inconsciente e, em função disso, a noção de posterioridade ganha destaque na argumentação da autora.

Cleide se propôs a discutir um tema que trata da condição de sustentação da análise, a despeito das dúvidas e incertezas que pautam o processo; daí a pergunta que surge: se o trabalho da análise compreende uma dimensão enigmática, como apontaram os trabalhos anteriores, como suportar este vazio? A autora então se volta para a crença que sustenta a transferência, este preenchimento humano (termo nosso), de cunho narcísico e ilusório, sempre necessário para enfrentar o insuportável. Buscando diálogo com outros saberes (como o filosófico), a autora segue a tradição do Departamento, juntamente com as demais colegas de mesa, de fazer um retorno a Freud em seu exercício reflexivo. Em sua exposição, não deixa de apontar que o preenchimento diante do vazio também existe por parte do analista, quando considera o próprio trabalho como uma crença a ser sustentada.

A discussão dos trabalhos permitiu a participação de vários membros do Departamento - em sua maioria tradicionais interlocutores daqueles que apresentaram os trabalhos -, a partir de intervenções que possibilitaram explorar a dimensão enigmática do trabalho analítico, os desafios da cultura contemporânea no suporte do imprevisível, os limites do simbólico no exercício do luto, a importância da descrença para a produção de novos sentidos, entre outros temas.


"SENTIMENTO DE ESTRANHEZA" NA TRANSFERÊNCIA E NO SONHO

ANNA MARIA AMARAL (2)

A partir do artigo de Freud, "Uma perturbação da memória na Acrópole" (1936), a ideia de "sentimento de estranheza" será o eixo principal da reflexão proposta.

A frase pensada por Freud em 1904, por ocasião de sua visita à Acrópole - "O que eu vejo aí não é real" -, permite-lhe analisar complexos movimentos psíquicos: o trabalho da temporalidade onde um pensamento infantil retorna sob a égide do super-eu, a questão da culpabilidade inconsciente, a cisão do eu, entre outros.

Outro ponto abordado refere-se às diferenças psicopatológicas entre "sentimento de estranheza" (Entfremdungsgefühl) e o "estranho familiar" ou a "inquietante estranheza" (Das Unheimliche - traduzido em português por "O Sinistro").

Exemplos de "sentimentos de estranheza" na psicopatologia da vida cotidiana, no sonho e na transferência nos ajudam a nos debruçarmos sobre a questão proposta.



O TEMPO NA ESCUTA DO ANALISTA

SILVIA LEONOR ALONSO (3)

Esta comunicação está inserida no trabalho de reflexão que muitos analistas contemporâneos vêm realizando para diferenciar os campos do irrepresentável e da representação, assim como os fenômenos clínicos que deles derivam. Escolhi seguir o eixo das "temporalidades psíquicas" mostrando as formas distintas em que o traumático tramita no psiquismo, solicitando determinados lugares do analista na escuta - diferenciando as situações nas quais impera a temporalidade do après-coup e os momentos nos quais esta fracassa.

Acompanhei o re-trabalho do conceito de a-posteriori - conceito da temporalidade psíquica que quebrou com todos os modelos clássicos e fundou a especificidade da causalidade psíquica na psicanálise - no desenvolvimento freudiano, com ênfase na função simbolizante e recalcante que o a-posteriori exerce, com sua função de transformação e de criação, que permite a passagem a um funcionamento psíquico diferente do que existia até o momento. Acompanhei as mudanças do conceito na obra de Freud, destacando três momentos em paralelo às mudanças da concepção da sexualidade.

Utilizei duas vinhetas clínicas, uma delas para mostrar a abertura do trauma que permite o início de uma análise e abre para a busca de novas respostas, agora na transferência. Esse trabalho no campo da representação e da temporalidade do a-posteriori permite ao analista funcionar no que denominei "tempo do suspense e dos enigmas", no qual enigmas são mantidos ressonantes no fundo da escuta do analista e funcionam como motor da pesquisa até que pedaços da história possam ir dando sentido em um a-posteriori, permitindo avanços no processo de simbolização.

Mencionei também um outro momento de uma análise, no qual o novo encontro traumático não reabre a questão do desejo e, pelo contrário, só reforça a condenação primeira. O fechamento do trauma detém o tempo, o instante engole o passado e o advir, e o imaginário - ao invés de precipitar um simbólico - só ativa a Prägung, a marca cunhada no corpo que reaparece como marca sensorial. Um corte com a história é feito e tudo parece condensar-se num presente de repetição que atualiza uma marca no corpo, e a alucinação surge como tentativa de defesa do traumático/irrepresentável da percepção. No limite do campo da rememoração, faz-se presente o campo do alucinatório, como o antecipara Freud no seu texto das Construções em análise.



CRENÇA E TRANSFERÊNCIA

CLEIDE MONTEIRO (4)

No trabalho apresentado destaco inicialmente, o uso que Freud faz da formulação "expectativa colorida de esperança e fé", para abordar os efeitos mentais ou psíquicos que estão envolvidos em todo tratamento ou cura de distúrbios físicos ou mentais "por medidas que atuam primeiramente e imediatamente sobre a mente humana".

São formulações dos primórdios da construção do saber psicanalítico, mas, mesmo nesses momentos inaugurais, Freud já descreve e se interroga sobre "curas milagrosas", aquelas que não têm a colaboração de nenhum saber ou conhecimento médico. Considera-as efeitos da mobilização de "forças motivadoras eminentemente humanas" que reforçam a fé religiosa. Dessas observações extraio dois eixos que considerei fundamentais para compreendê-las: a influência do outro e a crença.

Quanto à influência do outro, ou sugestionabilidade, encontramos as teorizações sobre a transferência no tratamento psicanalítico, considerada o motor da cura, que nos reportam à constituição do aparato psíquico e, portanto, à subjetivação, sempre dependente do outro primordial para sua realização.

Quanto à crença, desenvolvo um percurso que parte do texto "O futuro de uma ilusão", na qual ela é tratada a partir da vertente da religiosidade e chamada de ilusão, na medida em que se baseia na realização de desejos muito primitivos que se relacionam com o desamparo.

Busco em outros saberes referências para pensar o sentido da crença e me encontro com definições que apontam na direção de: dar crédito; fiar-se em alguém que supostamente sabe; implica uma noção de verdade independente da existência da coisa em que se crê.

A matriz da crença para a psicanálise foi descrita através do conceito de narcisismo, na formulação de Ego Ideal, e ganhará novos elementos a partir da formulação do sentimento oceânico, que abre o texto "O mal estar na civilização". Esses aportes nos permitirão pensar numa necessidade de crer como forma de garantia do ser e do sentido das ações e pensamentos. A crença para o humano é o sucedâneo do organizador instintual, que nossa espécie tem muito reduzido.

Por fim, desenvolvo através do conceito de transferência, como se põe em jogo, no processo analítico, a questão das crenças e do endereçamento ao outro na posição de suposto saber e como se sustenta a função analítica quando o abalo das crenças ameaça o analisando de sucumbir ao desamparo e a descrença - o que implica na falta de esperança, de confiança e de valor.


(1) Tiago Corbisier Matheus é psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, onde compõe o Grupo Espaço de Trabalho, que realiza as "Inquietações da Clínica Cotidiana". Foi o coordenador da mesa 4 do ciclo de debates Psicanálise em trabalho.

(2) Anna Maria Amaral é psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e professora do Curso de Psicanálise.

(3) Silvia Leonor Alonso é psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e professora do Curso de Psicanálise.

(4) Cleide Monteiro é psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e professora do Curso de Psicanálise.




 
 
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