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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    19 Novembro de 2011  
 
 
NOTÍCIAS DO DEPARTAMENTO

Versões do sintoma na neurose, na depressão e na instituição: mesa 5 do Ciclo de Debates Psicanálise em trabalho


ISO GHERTMAN (1)


Em setembro último tive a oportunidade de coordenar a 5ª mesa do ciclo Psicanálise em trabalho, idealizada pelo grupo de professores do Curso de Psicanálise do nosso Departamento. Há muito me acostumei a lidar com a frustração de tentar apreender, em profundidade, todo o conteúdo transmitido pelos autores em ocasiões como esta. Esta minha frustração, imagino, tem como contrapartida sentimentos semelhantes vividos pelos autores ao tentarem transmitir ideias, às vezes desenvolvidas por meses ou anos, em tão curto espaço de tempo.

Contento-me, neste sentido, em exercer uma espécie de atenção flutuante sobre as falas que ali vão se perfilando, apostando que ao final possa estabelecer algum tipo de fio condutor.

Mara Caffé, a primeira a se apresentar, nos interrogou, por meio da afirmação lacaniana de que o "Édipo mudara da posição de solução para a posição de problema da psicanálise", o quanto nossa prática clínica na atualidade pode estar marcada por certas vicissitudes que giram em torno das teorizações sobre o Édipo. Percorrendo autores com Foucault, Derrida, Lanteri-Laura, Butler, entre outros, Mara nos convida a pensar criticamente nos riscos de uma clínica "neo-moralizadora".

Em seguida Lucía Fuks nos leva ao tema da depressão, tema central da atualidade, que se oferece ao psicanalista como interrogação, na mesma proporção que a histeria se oferecia a Freud no início do século passado. Da "morte do sujeito", que cede do seu desejo em prol de uma normopatização ao uso abusivo das medicações, vemos minguar os ideais coletivos em prol de uma individualidade nefasta. A função analítica trata de poder deixar habitar, no campo transferencial, aquilo que, segundo Fuks, Fédida chamou de depressividade. Por meio da depressividade, que não se confunde com os estados depressivos, a análise visa proporcionar a reinstalação da capacidade criativa, desta vez sustentada numa temporalidade singular.

Do meu ponto de vista, as apresentações de Mara e Lucía abrem interrogações que o texto de Maria Beatriz (a terceira palestrante), numa certa medida, tenta responder.

Beatriz nos apresenta em Mais além da familiaridade a inexorabilidade do conflito instaurado entre eu e o outro, desde os primórdios infantis até a vida adulta, repleta de exigências e renúncias. Trabalha a idéia da busca incessante de uma "identidade absoluta", ilusoriamente asseguradora, que tentaria responder aos turbilhões de apelos vindos deste não-eu, injunções "do fora", ou seja, de tudo aquilo que barra minha continuidade.

Por meio do conceito de instituição não-toda nos fornece, mais do que um modelo teórico, uma posição ética que pode nos ser útil contra as tentações "moralizadoras" dos conceitos teóricos (Mara Caffé) e das demandas apaziguadoras dos quadros depressivos e melancólicos da atualidade (Lucía Fuks). Diz Beatriz: "Também o discurso psicanalítico, quando pode se apresentar como uma teoria não-toda, resguarda sua ética, abrindo-se para ser fertilizado e interrogado por outros saberes, justamente por sua aposta na produção inconsciente, em sua excentricidade ao caráter identitário".

 

O PADRE NOSSO DA PSICANÁLISE

MARA CAFFÉ (2)


A crise do pensamento metafísico ocidental e as novas organizações da sociedade globalizada colocam em xeque o conceito de Édipo, tanto nas condições de suas possibilidades teóricas, como no dispositivo de normalização em que pode se constituir no trabalho clínico. Neste último caso, diversas práticas psicanalíticas têm promovido a patologização das novas formas do viver que não se ajustam ao Édipo normativo, produzindo, na clínica contemporânea, o estreitamento da categoria geral das neuroses, em favor das adições e das patologias do ato.

A DEPRESSÃO COMO SINTOMA DA ATUALIDADE

LUCÍA BARBERO FUKS (3)

Uma forma interessante de pensar as depressões na atualidade é no contexto de uma possível Psicopatologia de Massas. O grande crescimento do diagnóstico de depressão está situado no macrocontexto da globalização. Apesar de sua imprecisão semiológica e da indeterminação da sua extensão como conceito, a depressão tende a tornar-se um dos significantes privilegiados com que a nossa época pretende nomear o mal-estar que freudianamente reconhecemos como inerente à civilização.

Se tomarmos, na atualidade, a noção de transtornos depressivos, inverte-se a lógica que serve de guia na sequência das descobertas científicas: primeiro tem-se descoberto o remédio, e só depois a doença. Tudo o que seja "curado" pelos antidepressivos, será nomeado como depressão, seja isso evidente clinicamente ou não.

Por outra parte, nossa época não facilita a elaboração dos lutos. Não há tempo para a tristeza. São tempos acelerados estes em que vivemos; tempos que promovem a mania, a fuga em ação.

A ordem hoje é medicalizar a tristeza, a dor, a angústia. Paralelamente, a depressão torna-se uma queixa das mais frequentes, pacientes adaptando-se ao que diz o discurso social dominante.

É delicada nossa posição como psicanalistas. Ao mesmo tempo em que devemos criticar essa indústria de diagnósticos, também nos cabe defender o direito à depressão, permitindo que ela ganhe espaço como expressão do mal-estar e como sofrimento a ser escutado, e não como sintoma a ser resolvido.

Não podemos confundir depressão e melancolia, apesar de certas coincidências sintomáticas. As depressões fazem parte das estruturas neuróticas, mas é preciso também entender sua singularidade. Não se confundem com estados de ânimo tais como a tristeza, o abatimento, o desânimo, embora todos estes participem também do sofrimento depressivo. Tampouco se confundem com as ocorrências depressivas esporádicas a que todo neurótico está sujeito em razão de perdas, fracassos ou lutos mal elaborados.

Deve-se estabelecer uma diferença entre a depressividade inerente à vida psíquica e o estado deprimido. O trabalho analítico tende a restituir ao sujeito deprimido sua capacidade depressiva, e assim, sua criatividade psíquica.

Fica fácil compreender que o empobrecimento da vida subjetiva que resulta nas diversas estratégias contemporâneas de anulação do conflito, seja por via medicamentosa ou pela adesão às ofertas de gozo em circulação no mercado, é cúmplice do atual crescimento dos casos de depressão.

Uma das principais dificuldades de nosso trabalho como psicanalistas reside em que precisamos de tempo, tanto para possibilitar a aproximação do paciente com sua própria subjetividade, quanto para poder pensar a diversidade de formas em que pode se configurar o sofrimento que o conduz até nós.


MAIS ALÉM DA FAMILIARIDADE

MARIA BEATRIZ COSTA CARVALHO VANNUCH (4)

O texto pretende pensar a prática e a clínica psicanalítica nas instituições e parte da admissão de que há um conflito sempre presente entre o singular e o universal, entre o sujeito e a ordem, entre o eu e as formações sociais, na concepção freudiana.

Toma como ponto de partida a condição humana de desamparo com sua dependência absoluta do outro/Outro e discorre pelo par conceitual identidade e identificação, herança do laço pelo eixo da paixão. Nessa linha retoma Totem e Tabu, o mito freudiano da origem do laço social, mito que relaciona a construção da esfera social com o estabelecimento de um projeto comum em função de uma paixão, do ódio compartilhado e de um assassinato coletivo.

Lembra ainda que a teoria de grupos articulada pelos laços fraternais coloca em evidência o paradoxo intrínseco da inscrição da ordem e da produção de seu avesso, ou seja, que a mesma lei que regulamenta a comunidade contém em si toda a desordem própria da loucura e da violência.

Recorrendo ao conceito de instituição não-toda o texto propõe um deslocamento da referência familiar, tão frequente no discurso psicanalítico, apontando para a desconstrução da relação de sinonímia entre os termos fraternidade e amizade, visando resgatar a potência fecunda deste último.

Afirma ainda que a clínica e a prática institucional em termos psicanalíticos possam ir além do impasse apontado por Freud e aposta no conceito de amizade, exterior à teoria, como um operador desta abertura e multiplicação discursiva, para além da familiaridade.

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1 Psicanalista. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.

2 Psicanalista. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e professora do Curso de Psicanálise.

3. Psicanalista. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e professora do Curso de Psicanálise. Co-coordenadora do curso Clínica Psicanalítica: Conflito e Sintoma.

4 Psicanalista. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e professora do Curso de Psicanálise. Membro da equipe clínica da instituição Projetos Terapêuticos.




 
 
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