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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    19 Novembro de 2011  
 
 
NOTÍCIAS DO DEPARTAMENTO

Psicanálise, cultura e imaginários: mesa 6 do Ciclo de Debates Psicanálise em trabalho


MANIA DEWEIK (1)


Concebido sob a forma de mesas-redondas ao longo do ano, o Ciclo de Debates de 2011 - Psicanálise em Trabalho - encerrou suas atividades com a mesa intitulada Psicanálise, Cultura e Imaginários, tendo como debatedores Isabel Mainetti de Vilutis, Maria Laurinda Ribeiro de Souza e Mario Pablo Fuks, cabendo-me a alegria de, entre colegas de longo percurso, coordenar os trabalhos.

Com o título O estranho, a elaboração psíquica e a criação cultural, Mario deu sequência a um tema já abordado por ele no primeiro ciclo de debates: a importância dos processos de elaboração criativa na simbolização dos traumas.

Desta feita, partiu do Unheimlich para problematizar as mudanças trazidas pela crise cultural contemporânea.

As instâncias tradicionalmente encarregadas de sustentar e afiançar modelos de conduta perderam sua autoridade simbólica, o que possibilita, segundo ele, que tais mudanças sejam vividas como inquietantes estranhezas, estendidas ao mundo das pessoas e das coisas que já não mais possuem sabor de humanidade.

Impõe-se a lógica da renovação, da diversificação, do novo. Os produtos não são feitos para durar ou para com eles se fazer uma experiência subjetiva: são fetiches a serem constantemente devorados.

Para contrapor ao objeto de consumo que pretende obturar a falta, Mario citou Géza Róheim e sua noção de objeto intermediário: ao mesmo tempo libidinal, social e individual, propiciaria criação, ligação, bases para a cooperação social. E, para fazer resistência à lógica alienante e à condição de desamparo, propôs o que denomina de política do humor, canal para elaboração de luto e eventual destino erótico e sublimatório para o mal-estar.

Os poetas seriam os porta-vozes desta política: contariam, encantariam, contagiariam, fariam brincar, inaugurando modalidades de laço social não baseadas na repressão.

O trabalho de Isabel Vilutis fez eco ao de Mario na medida em que se debruçou justamente sobre o trabalho de luto na clínica contemporânea. Ela também deu prosseguimento à sua pesquisa sobre o tema, que vem desenvolvendo desde o primeiro ciclo, com um olhar renovado pela leitura de Zygmunt Bauman e Jean Allouch.

O primeiro desenvolve a ideia de liquidez para caracterizar as vicissitudes da Contemporaneidade, ao passo que o segundo cria a ideia de "morte seca", para designar aquela que não deixa rastros .

Entre outras questões, Isabel se questiona sobre o que a sociedade contemporânea oferece para elaboração de lutos para que não "fluam" ou "ressequem" sem que deles se faça uma experiência psíquica. Pergunta-se também, com rica sutileza, se o dito luto normal descrito por Freud em Luto e Melancolia não seria um conceito metapsicológico permeado de valores e ideologia. Como entender aí o uso da palavra normal?

Aventa, tal qual Mario, que, para fazer frente à Sociedade do Espetáculo e sua imposição de gozo ininterrupto, a Psicanálise se inscreveria como um projeto libertário ao oferecer uma escuta presencial e palavras nomeadoras, possibilitadoras de simbolização para a experiência de luto, constitutiva da subjetividade humana.

Dialogando com ambos os textos, o trabalho de Laurinda apelou, de forma original e inusitada, para a figura do vampiro que circula pela cena social -literatura, cinema, televisão, política - para consubstanciar a relação sugadora, imediatista e intolerante de um predador que se apossa de corpos e vontades, impelindo de forma oral e voraz ao consumo compulsivo de objetos e pessoas.

A incorporação, frisou ela, substitui a elaboração simbólica. Os vampiros assustam porque diante deles só se pode ter uma relação de submissão. Mas também fascinam porque são imortais e assim cumprem o ideal de eterna juventude de nossa cultura.

A autora contrapôs a figura de Narciso à do vampiro: ao nos olharmos no espelho, o que vemos é a imagem de Narciso mas não a do vampiro que nos habita. Nesta reflexão, questionou que espaço haveria para o outro, para a fraternidade, para a solidariedade.

Três textos instigantes, uma mesa harmoniosa em combinação de diferentes questões e prismas, produtora da deliciosa sensação de "quero mais", evidenciada pelas inúmeras questões formuladas pelo público presente.

Bons textos se fazem com boas ideias e boas ideias são as que nos fazem ver o mundo, o outro e nós mesmos com um novo olhar, nos diz Jurandir Freire Costa. Este encontro foi um excelente exemplo disto.

 

 

AS MÚLTIPLAS FACES DOS VAMPIROS

MARIA LAURINDA RIBEIRO DE SOUZA (2)


Os vampiros podem ser pensados como a materialização imaginária do duplo sinistro. À figura embelezada e elegante dos atuais vampiros poderíamos sobrepor a figura decadente e com o corpo disforme dos zumbis, outra das personificações dos mortos-vivos. Ou à figura de Narciso, podemos sobrepor a de Drácula. Em ambas, a presença do medo e da sedução. Eles já não estão mais escondidos da luz do dia; circulam livremente entre nós e com bastante desenvoltura: na literatura, no cinema, nas séries televisivas, na política, nos fundamentalismos religiosos, nos relacionamentos... Como entender o seu reaparecimento de forma tão insistente nos tempos atuais? Que denominador comum há nessas múltiplas formas de expressão?

Talvez haja, em todos esses campos nomeados, a possibilidade de destacar a supremacia da figura do predador - espécie de monstro contemporâneo que poderíamos aproximar da análise feita por Foucault a respeito das representações que se estabelecem, em determinadas épocas, como efeito das relações entre o corpo e os mecanismos de poder que os investem. Os vampiros podem ser pensados, então, como uma manifestação privilegiada do imaginário cultural de nossos tempos, revelando o poder exercido sobre os corpos e os ideais por ele engendrados. O que está em questão, portanto, é a história política dos corpos. A imagem burlesca de alguns tiranos contemporâneos e o uso extremo da violência, dizimando o povo na rua e resistindo à saída de seus lugares de poder, aproxima-se das cenas vampirescas representadas na literatura ou nos meios mais populares de comunicação: charges de jornais, séries televisivas, adaptações cinematográficas.

Outra das faces dessas figuras é a que nos permite pensar os modelos normativos da vida sexual e amorosa e suas manifestações transgressivas. É pela intensidade amorosa, pelas paixões, pela proximidade constante com a morte, pela manifestação disruptiva da sexualidade, que a representação dos vampiros revela também aquilo que do amor, do sexo e da morte não quer ou não pode ser reconhecido. Uma forma grotesca e sinistra, portanto potente, de afirmar que isso existe.

Num recente filme sueco, Deixa ela entrar, revela-se, através da amizade de um adolescente e uma jovem vampira, uma parceria possível para enfrentar o medo e dialetizar o encontro inquietante com a sexualidade, a vida e a morte. Nele, diferentemente da domesticação pasteurizada apresentada em Crepúsculo, somos confrontados com a intensidade sinistra da passagem por esse entre-lugares que é a adolescência; momento em que Narciso e Drácula, onipotência e aniquilamento se alternam e se sobrepõem com velocidade no psiquismo. O pedido de entrada é, portanto, um pedido de lugar, um pedido de, pelo encontro solidário, sair do vazio da imortalidade idealizada e entrar no mundo da humanização.

 

 

O TRABALHO COM O LUTO NA CLÍNICA CONTEMPORÂNEA

Isabel Mainetti Vilutis (3)


A partir dos trabalhos de Zygmunt Bauman - O Mal-estar na pós-modernidade - e de Jean Allouch - A erótica do luto no tempo da morte seca - , a autora percorre a conceitualização de Freud sobre o luto normal e tenta verificar a validade da prescrição freudiana de o analista não intervir no processamento do luto.
São questionadas as determinações sociais vigentes à época da escrita freudiana (1917) e as que permeiam a clínica contemporânea, na tentativa de estabelecer até que ponto o conceito de luto normal pode estar impregnado ideologicamente pelos ideais da modernidade.
Aborda-se, também, o aspecto traumático do luto que fundamenta - segundo a autora - a possibilidade de intervenção do analista no trabalho com um paciente enlutado.

 

 


O ESTRANHO, A ELABORAÇÃO PSÍQUICA E A CRIAÇÃO CULTURAL

Mario Pablo Fuks (4)


No primeiro ciclo de debates, na mesa-redonda sobre O estranho-familiar (Unheimlich), apresentei algumas ideias que ressaltavam a importância dos processos de elaboração criativa na simbolização dos traumas, mas também dos obstáculos que os perturbam ou bloqueiam. Continuando nessa linha, parto desta vez do Unheimlich, referindo-o ao contexto sócio-histórico em que emerge, e me encaminho em seguida para a questão da experiência e da elaboração criativa em suas relações com a subjetividade coletiva e a cultura atual.

Pode-se pensar que a experiência do horror vinculado ao estranho não é um traço ou condição universal e a-histórica do ser humano, mas uma das facetas do homem moderno, a angústia que o assalta ante a evidência de não ser senhor de sua própria casa. Nesse mundo que começa a transformar-se e não para, os efeitos do capitalismo industrial e o consumo em grande escala passam a ser a causa de uma impressionante transfiguração de pessoas e coisas.

É o tempo da aceleração vertiginosa dos acontecimentos, da imposição do choque (Baudelaire), da crise da narrativa, da desaparição da comunidade de ouvintes com sua modalidade de atenção flutuante e seu tempo peculiar, do declínio, enfim, da experiência como lugar privilegiado para a produção de sentido. A elaboração subjetiva exigida pelo impacto da transformação histórico-social se vê frente a enormes dificuldades, dentre as quais as vicissitudes da experiência ocupam um lugar crucial.

A longo da apresentação, são trabalhados e interligados os conceitos de objeto intermediário de Géza Róheim e de objeto transicional e espaço transicional de Winnicott, como pontos de partida para a experiência e a criação cultural, analisando-se os efeitos, sobre os mesmos, da lógica do consumo acelerado e diversificado. Destaca-se a posição de resistência implicada na lógica específica da prática psicanalítica, assim como o papel dos chistes, do humor e da elaboração narrativa e poética de experiências coletivas de rebeldia e transformação, de sublimação e criação de novos laços sociais no trabalho de cultura.

1 Psicanalista. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.

2 Psicanalista. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e professora do Curso de Psicanálise.

3 Psicanalista. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e professora do Curso de Psicanálise.

4 Psicanalista. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e professor do Curso de Psicanálise.




 
 
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