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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    19 Novembro de 2011  
 
 
NOTÍCIAS DO SEDES

Vamos falar de Saúde Mental? Notícias do 5o encontro


FÁTIMA VICENTE (1)


Foi no transcorrer dos primeiros encontros Vamos Falar de Saúde Mental que nós - os participantes e os promotores iniciais - constatamos que a "comunidade ampliada" do Instituto Sedes se infiltra em todos os âmbitos de atenção à Saúde Mental da cidade - talvez do estado - e também se presentifica nos múltiplos locais de formação dos profissionais da área. Por apostar que essa comunidade ampliada é uma imensa rede, que esta se configura e se reconfigura quando ativada e que se mantém viva nas ações levadas a efeito pelos profissionais e cidadãos implicados neste campo, entendemos que ela seria o ponto de partida privilegiado a partir do qual o movimento poderia intervir, de forma ágil e eficaz, sempre que se fizesse necessário defender o campo, a rede, o cidadão - no âmbito da Saúde Mental - dos abusos dos diversos poderes. Sendo essa defesa uma das direções de um Observatório da Saúde Mental, o qual, também desde o início daqueles encontros, nós desejávamos instituir.

A preparação e efetivação do quinto encontro comprovaram intensamente tal perspectiva, pois, foi no contexto do quarto encontro que o progressivo aumento das internações compulsórias de cidadãos de rua, "usuários de drogas", na cidade de São Paulo(2) e a bombástica atuação da mídia, principalmente a escrita, na divulgação e apoio daquelas ações, se presentificaram como situações que exigiram que passássemos a tomar providências imediatas na direção pretendida. Assim, o coletivo Vamos falar de Saúde Mental se posicionou pela voz de Antonio Lancetti, um de seus participantes, como contrário à internação compulsória, justificando suas posições por meio de razões éticas, mas também por meio de razões técnicas.

A opção estratégica pela argumentação também por meio das razões técnicas se fez oportuna uma vez que a mídia se encontra fartamente municiada de conhecimento científico, o qual é sustentado e defendido pelos porta-vozes de uma ciência acoplada aos interesses comerciais e políticos dominantes. Conhecimentos que são brandidos para justificar a internação compulsória, apresentada como necessária à saúde mental dos cidadãos em foco e, principalmente, como medida de proteção à sociedade.

A estratégia midiática de persuasão dos cidadãos pretende legitimar a internação compulsória por meio de duas vertentes, a da disseminação do medo à figura do crackeiro e a da responsabilização do estado por essa realidade. Mas, neste caso, responsabilidade em tirar este cidadão das ruas, uma vez que o crackeiro é cientificamente apresentado à população como prisioneiro de sua própria incompetência em tratar de seu problema e em lidar com o próprio sofrimento, já que, como dependente químico, estaria impossibilitado da escolha. O que levaria a que a única saída dessa situação fosse a completa abstinência, que exigiria confinamento. Entretanto, com tanta ciência, não há qualquer argumento que consiga demonstrar, ainda que minimamente, a suposta efetividade universal daquelas práticas - o que, como sabemos, comporta muita discussão (para dizer o mínimo).

Contrapondo-se a isso, temos um saber fazer de muitos dos profissionais da Saúde Mental que é regido por outra lógica e por outra ética - outras que não as da dominação, da exclusão social e do silenciamento das subjetividades singulares - isto é, pela lógica da constituição cidadã, em que o usuário é um cidadão de direitos, e pela lógica da subjetivação singular, em que se reconhece ao usuário, de drogas ilícitas ou em quaisquer outras condições, a possibilidade da escolha: tanto do modo pelo qual reconhece sua condição como escolha do modo como pretenda tratar dela.

Coerentemente ao reconhecimento desse saber fazer, e de suas implicações, no quinto encontro se fez a apresentação das intervenções do CAPS-SÉ na cracolândia, intervenções de redução de danos e de criação de vínculos, bem como se fez a discussão dessas ações e dos obstáculos que tem que ser ultrapassados pelos profissionais daquele equipamento para conseguir efetivar o próprio trabalho. Nessas discussões as questões técnicas se ampliaram e ganharam novas perspectivas, na medida em que a evidenciação de uma forte estratégia de "loteamento" das populações usuárias permitiu que os obstáculos fossem politizados. A cracolândia é o ponto nevrálgico de disputa entre os diversos grupos religiosos que supostamente atendem a população crackeira naquele território - grupos que almejam também as verbas que acompanham aquela população, quando de sua internação compulsória.

Essa estratégia atual de favorecimentos de interesses e de privação de direitos foi referida historicamente ao aparato jurídico-legal que tem regulado ações análogas de internação no Brasil, discussão que, ainda que apenas iniciada, contribuiu para uma melhor inteligibilidade dos movimentos dos poderes públicos nessa área, a qual pretendemos desenvolver com maior amplitude posteriormente.

É nesse sentido, portanto, que a discussão técnica e sua politização se tornam, para nós do Vamos Falar de Saúde Mental, uma das ferramentas mais importantes do debate, uma vez que as práticas - ao serem discutidas -evidenciam suas possibilidades e seus limites, ao mesmo tempo em que afirmam a potência do usuário como cidadão e como sujeito singular.

Ademais, se desde os primeiros encontros do Vamos Falar de Saúde Mental o saber fazer dos profissionais, suas questões, suas angústias, seus acertos e erros foram elementos presentes nas discussões como foco e referência da reflexão, esses elementos são também o modo de cada um - sujeito, equipamento, instituição - fazer novas conexões com grupos, instituições e sujeitos, aliados que vêm integrar este movimento de trocas de saberes e de crescimento comum. Mas, principalmente, que vem integrar, ampliar e fortalecer a rede de sustentação dessas ações de resistência, nos atos de sustentação da ética cidadã e da ética das subjetividades singulares, rede que também buscamos aprimorar com novas tecnologias de conexão.

Para o sexto encontro, que está marcado para 19 de novembro de 2011, das 9h00 às 13h00 no Instituto Sedes, pretendemos fazer um balanço dos encontros já acontecidos assim como, coletivamente, tomarmos as decisões relativas a uma pauta para 2012. Encontro para o qual os membros deste Departamento estão todos convidados e, porque tenho certeza que o Departamento de Psicanálise terá muito para colaborar, espero que mais de nossos membros compareçam aos próximos Vamos Falar de Saúde Mental.

Abraços,

Fátima Vicente


São Paulo, 04 de novembro de 2011.

 

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1 Psicanalista. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.
2Ações levadas a efeito pela prefeitura, portanto, pelo poder público.




 
 
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