RUBIA DELORENZO [2]
Rouge é o trabalho de Tunga.
"True rouge" é, primeiro, balão vazado, balões reticulados, dispostos como móbiles. Transparência que se adensa, logo vira opaca e cai criando poças. Nada leve. As poças são rouge, "true rouge". Se, ao longe, a obra se avista como lúdica, como movente e leve, bem perto, vê-se o bruto, vê-se o grave. Na profusão de peças, os elementos das bordas parecem ter se desprendido. Espatifam-se, quebrados no chão.
Rouge é a sala vermelha.
Rouge é o filete de água escarlate que escorre pela pia oblíqua, fixada ao fundo, contra a parede escura do banheiro. Diante do cômodo negro: a vertigem. O corpo como a pia, oscila, quase tomba. Tudo ao redor lembra a vertigem do homem em pânico - quando a visão escurece - num mundo em que o palco é estreito e a luminosidade, feérica. Sem pó-de-arroz, está lívido. Pressente-se a queda frente à ordem implacável: Seduza!
Rouge é o sangue que pode começar a jorrar de "Através". Os painéis translúcidos, rede, grade, vidro, aço, pedem cautela. Telas, anteparos, fechamentos, aberturas: passagens de risco, a experiência de viver. Cacos de vidro sob os pés. Que nesse convite à travessia, o vermelho não se escoe nem se empoce, mas, pulsante, empreste a pressão de seu fluxo à firmeza dos passos e à audácia de transgredir.
Já não é mais rouge, porque ficou pálida, porque virou cadáver, a obra de assépticos azulejos de Adriana Varejão. Mostra obscena, despudorada do avesso esquecido do mundo. O azulejo lembra o branco espaço do hospital. Ali, onde bactérias invisíveis são mortais. Acho que ela diz: é melhor ver, é melhor demolir, desmanchar.
Nesta arte, não há perdão.
Adverte-se: Não há homens completos, somos homens partidos.
Assustador Inhotim.
Interdita-se, hoje, em nosso mundo, qualquer dor e todo medo. No desalento, susto ou perturbação não é consentido suar frio nem tremer.
Palavras de Drummond visitam o espaço todo. Ouvimos seus murmúrios, como quem conta um segredo:
"Cheiramos flores de medo.
Vestimos panos de medo.
De medo, vermelhos rios vadeamos.
Somos apenas uns homens..."
Há, no entanto, música. Vozes humanas, sozinhas, em coro, o coral. Quem sabe lá não estão para acalentar a alma revolvida. Para elevar, tirar do chão, com a voz, a palavra, o canto, a aflição do homem.
Em Inhotim, tudo está disposto para que se vá do mais encarnado à verde exuberância, já não tão selvagem. Da crueza das vísceras à beleza da paisagem, num caminho de dupla mão.
Estamos ali vacilando, inconstantes, entre a agonia, a anemia, o deserto dos laços e os jardins desmedidos, vigorosos, maravilha do mundo. Nossos corpos são sacudidos. Empurrados, jogados de um sentido ao outro.
Voltei com o vermelho, não com o verde. Verde ordenado, molhado, fantástico, espetacular e fake que distrai do seco sangue das poças. Mas há, ainda, um verde vivo, nos confins, a desbravar.
Terrível Inhotim. Belo Inhotim.
Voltei também advertida. Se o viajante pretende encontrar a paz em sua visita, não vá a Inhotim. Paz só se encontra no nome do dono.
Mas, se quiser afetar-se, não demore muito. Pois o espaço da arte - já se anuncia - vai ceder ao espírito de sofisticado entretenimento.
Outubro de 2011
________________________________
[1] "Desvio para o vermelho" é o nome dado por Cildo Meireles à obra que ocupa parte da Galeria que abriga outros trabalhos seus. " Desvio para o vermelho" está dividida em 3 partes:
1. sala: "Impregnação"
2. espaço: " Entorno"
3. espaço: " Desvio"
[2] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.