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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    21 Junho de 2012  
 
 
NOTÍCIAS DO CAMPO PSICANALÍTICO

JEAN LAPLANCHE 1924-2012


SILVIA LEONOR ALONSO [1]

 

No dia 6 de maio de 2012 faleceu, aos 87 anos, no Hospital de Beaune (centro-oeste da França), o psicanalista Jean Laplanche. As posições que ele sustentou durante sua vida em relação à formação, à análise do analista, ao legado freudiano e às instituições, assim como sua extensa e densa produção teórico-metapsicológica, lhe outorgaram um lugar de enorme influência para analistas de muitos lugares do mundo. Marcas muito significativas de sua obra e de suas posições estão em nós, e nos guiam no trabalho de transmissão.

Laplanche nasceu em Paris, em 21 de junho de 1924. Desde a adolescência se engajou na Action Catholique, uma organização juvenil católica de esquerda, comprometida com a justiça social. Durante o regime da França de Vichy, participou ativamente do movimento da Resistência à invasão nazista em Paris e em Borgonha, nos anos 1943-44. Depois de 1945, aderiu ao movimento de extrema-esquerda contra o Stalinismo e foi um dos fundadores, com Cornelius Castoriadis e Claude Lefort, do grupo e da revista Socialisme ou barbarie, mas distanciou-se desse grupo não muito tempo depois, devido a suas diferenças com Castoriadis.

Depois de optar por uma formação científica no Liceu Henri IV, conseguiu aprovação na Escola Normal Superior de Paris, onde teve como professores Bachelard, Merleau-Ponty e Jean Hyppolite. Em 1947 foi para a Universidade de Harvard com uma bolsa de estudos, e nesse período teve um encontro com Rudolph Loewenstein, fundador da Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP). Casou-se com Nadine Guillot, com a qual compartilhou a vida por muitos anos, até o falecimento desta. Dono de Château Pommard, castelo de 1802 localizado na Borgonha, foi um viticultor cuidadoso e dedicado, seguindo a tradição familiar. O vinho Château de Pommard está incluído entre os grandes tintos franceses.

Analisou-se com Jacques Lacan a partir de 1947, sendo durante anos um dos seus mais brilhantes discípulos, e foi seguindo sua indicação que Laplanche estudou medicina. Teve duas rupturas com Lacan, a primeira no plano intelectual, quando a partir de 1960 Laplanche começa a marcar suas diferenças com relação ao estruturalismo e, fundamentalmente, com a ideia de “inconsciente estruturado como linguagem”. A segunda, institucional: Laplanche participou da Sociedade Francesa de Psicanálise (SFP), o primeiro grupo a romper com a Sociedade Psicanalítica de Paris (1953), a partir da saída de Lacan, Dolto, Lagache e outros. Foram anos muito conturbados da psicanálise na França, com cisões, pedidos de reinclusões, novas rupturas, até a implosão da SFP em 1963. Laplanche fez parte do chamado grupo dos 7 juniores, que desempenhara um papel importante no conflito entre a SFP e a IPA; mas em 1963 abandonou Lacan e se tornou um dos fundadores da Associação Psicanalítica da França, ligada a IPA, da qual foi eleito presidente em 1969.

Em 1960, Henri Ey organizou o Colóquio de Bonneval, no qual psiquiatria, psicanálise e filosofia estiveram representadas num caloroso e fervilhante debate sobre o estatuto do inconsciente. Jean Laplanche esteve entre os representantes da SFP, e a parte essencial do Colóquio dizia das relações entre inconsciente e linguagem. Leclaire e Laplanche apresentaram um trabalho: “O inconsciente, um estudo psicanalítico”, que está dividido em capítulos, assinados separadamente por cada autor. Eram dois amigos, mas que se posicionaram diferentemente: Leclaire defendeu a tese do inconsciente-linguagem e a apresentou através de um caso clínico; já Laplanche afirmou, pelo contrário, que o inconsciente seria a condição da linguagem, afastando-se da hipótese lacaniana e inaugurando o debate sobre o realismo do inconsciente, o que implicava também em uma “briga” com Lacan.

Laplanche foi residente dos Hospitais psiquiátricos e defendeu sua tese de medicina em 1959, tese que foi publicada em 1961 com o título que se tornou quase um paradigma: "Hölderlin e a questão do pai".

A partir de 1960, a pedido de Daniel Lagache, e junto com um grande amigo na época – Jean-Bertrand Pontalis -, debruçou-se num intenso trabalho de pesquisa sobre os conceitos freudianos, não só para defini-los mas também para acompanhá-los nos seus caminhos ao longo da obra de Freud, bem como sobre as problemáticas às quais os conceitos vão respondendo. O Vocabulário de Psicanálise, produto desse trabalho, foi publicado em 1967 e traduzido em mais de vinte idiomas. Após essa publicação, os caminhos que os dois autores seguiram foram diferentes. Laplanche continuou debruçando-se num conhecimento profundo e de rigorosa reflexão sobre o pensamento freudiano, e vale destacar como produto desse período a coleção Problemáticas (Martins Fontes, 1980-81), transcrição dos cursos que ministrava na universidade.

Convidado também por Lagache, Laplanche começou a lecionar na Sorbonne, mas em 1969 rompeu com a política de Lagache para a universidade e criou na Universidade de Paris VII um Laboratório de Psicanálise e de Psicopatologia, desempenhando a função de professor titular entre os anos 1970-94.

Em 1986, foi-lhe outorgado o título de Doutor Honoris Causa na Universidade de Lausanne, o mesmo título que recebeu nas Universidades de Buenos Aires e de Atenas. A partir de 1988, J. Laplanche assumiu a direção científica do projeto da nova tradução para o francês das obras completas de Sigmund Freud.

Nos anos 1970, nas Presses Universitaires de France (PUF), dirigiu a Biblioteca de Psicanálise e a coleção Novas vozes em psicanálise (1979), reunindo trabalhos de pesquisadores de origem universitária. Também esteve à frente da revista Psicanálise na Universidade, entre 1975 e 1994. Foi responsável pela terminologia da tradução francesa das Obras Completas de Freud.

Laplanche participou na América Latina de três importantes eventos: um na Argentina, a Jornada de 6 a 10 de novembro de 1990, intitulada: El inconciente y la clinica Psicoanalítica: trabajar sus fundamentos, que consistiu numa série de painéis nos quais alguns psicanalistas deram conta do seu próprio fazer como psicanalistas e da perspectiva desde a qual abordavam o movimento de recomposição teórico-clínica. Sendo Laplanche o convidado para ser o eixo deste encontro, ele realizou duas conferências: Algunas falsas vias del freudismo e Hitos para el trabajo analítico, mas também esteve presente e debatendo nos quatro painéis com apresentações de 12 psicanalistas argentinos.

O segundo foi o evento Jean Laplanche em São Paulo (1993) organizado pelo Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. Momento marcante na história de nosso Departamento, que abrangeu um importante trabalho prévio de preparação: já na Revista Percurso números 5/6 foi publicada uma entrevista com Laplanche, e na número 10, um texto de sua autoria: Da transferência: sua provocação pelo analista, além de uma resenha do seu livro Novos fundamentos para a Psicanálise (Martins Fontes, 1992). As repercussões deste evento após sua realização foram enormes, e algumas de suas falas, pronunciadas numa reunião sobre formação com os professores do Curso de Psicanálise, ecoam até hoje, e muitas vezes retornam nas reflexões que realizamos sobre a formação. O evento consistiu em duas conferências: A interpretação e a teoria tradutiva do recalque e A revolução copernicana e o problema do outro.

Durante sua permanência em São Paulo foram realizados também um encontro sobre formação com os professores do Curso de Psicanálise e um encontro sobre Tradução, entre Laplanche e Haroldo de Campos.

Em agosto de 1998, participou do IV Colóquio internacional Jean Laplanche, em Gramado: O recalcamento como condição da indicação e da condução da cura.

Muitos de nós, nas décadas de 1960-70, no caminho marcado pela consigna de retorno a Freud, tivemos como bússola de leitura os textos de Laplanche: O Vocabulário, Vida e morte em psicanálise, A sexualidade, A angústia nas neuroses, referências que certamente entraram no nosso trabalho de transmissão.

A proposta que atravessa a obra de Laplanche é a de fazer trabalhar a psicanálise, na sua mudança da frase de voltar a Freud para outra: voltar-se sobre Freud, para fazer trabalhar a sua obra e para empurrar o seu pensamento para frente, a partir dos elementos mais avançados de sua obra. Mais tarde, Laplanche formula sua teoria da sedução generalizada, juntando fragmentos dispersos na obra freudiana, para afirmar o caráter exógeno da fundação do inconsciente e a constituição do mesmo não só por percepções e representações, mas sim por mensagens significativas vindas do outro. Com essa formulação, reafirma o realismo do inconsciente, retoma a sexualidade como eixo estruturante do sujeito e aponta para o suporte libidinal da mensagem materna, se opondo a um estruturalismo formalista, mas sem também cair num endogenismo. A teoria da sedução comporta também um aspecto de tentar dar conta do recalcamento através de uma tradução das mensagens, tradução incompleta que deixa restos não traduzidos que constituem o originário. Aportes muito importantes para o alongamento da metapsicologia, a compreensão sobre a constituição do sujeito e fundamentais para a clínica.

Recebemos com pesar o anúncio de sua morte, mas certamente os seus ensinamentos têm para nós uma presença fundamental, e continuarão presentes no trabalho clínico e de transmissão.

As informações sobre a biografia foram retiradas de:

    3. História da psicanálise na França. Elisabeth Roudinesco Jorge Zahar editor, 1988.
Material de arquivo da vinda de Laplanche a São Paulo, que pode ser consultado na Biblioteca do Sedes:
    1. Entrevista: Jean Laplanche: fazer justiça ao texto. Ana Maria Sigal. Percurso n.5-6.
    2. “Da transferência: uma provocação pelo analista”. Jean Laplanche. Percurso n.10.
    3. “O enigma, reduto da sedução originária”. Silvia Leonor Alonso, resenha de Novos Fundamentos para a psicanálise. Percurso n. 10.
    4. Entrevista: Jean Laplanche: o sexual, suas mensagens e a tradução. Abrão Slavutsky, Daniel Delouya, Renata Cromberg e Renato Mezan. Percurso n. 13.
    5. Tradução do capítulo “La Revolution Copernicienne Inachevée In La Révolution Copernicienne Inachevée (Ed. Aubier-1992). Mania Deweik e Maria de Lourdes Caleiro Costa.
    6. Gravação em VHS da Conferência: A interpretação e a teoria tradutiva do recalque.
    7. Gravação em VHS da Conferência: A revolução copernicana e o problema do outro.
    8. DVD Traduzir. Co-produção do Departamento de Psicanálise e o Núcleo de Psicanálise Cinema e Vídeo. 1995.(Cida Aidar, Heidi Tabacof, Maria Lúcia Lima, Maria Marta Azzolini).
    9. Gravação em VHS da reunião sobre formação.

 

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[1] Psicanalista. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, onde é professora do Curso de Psicanálise.



 
 
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