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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    22 Setembro de 2012  
 
 
NOTÍCIAS DO CAMPO PSICANALÍTICO

FACES OF TRAUMA – INTERNATIONAL FERENCZI CONFERENCE


MARIA MANUELA ASSUNÇÃO MORENO [1]

Tive a oportunidade de participar, no final do último semestre, da International Ferenczi Conference, intitulada Faces of Trauma, ocorrida nos dias 31.05, 01, 02 e 03.06 em Budapeste e organizada pela Sándor Ferenczi Society e a International Ferenczi Foundation. Desde sua primeira edição em 1993, a conferência vem sendo realizada a cada três anos em diferentes cidades do mundo. De fato, pude observar um intenso movimento de organização e de pesquisa internacional em torno das ideias ferenczianas. Um dos frutos desta cooperação internacional foi a compra do consultório original de Ferenczi em sua amada vila, em que estão sendo organizados, desde 2011, seus arquivos e que se tornou a sede do International Ferenczi Center. O evento contou com apresentações de conferencistas de todo o mundo: de italianos, americanos, húngaros, canadenses, venezuelanos, franceses, espanhóis, israelitas, alemães, sérvios, noruegueses e de brasileiros, entre outros. Grandes estudiosos da obra de Ferenczi estiveram presentes como André Haynal, Judit Mészáros, Carlo Bonomi e Franco Borgogno. É interessante ressaltar que devido ao grande volume de trabalhos enviados, a organização estendeu o tempo de conferência em um dia. No entanto, algo que me intrigou foi a quase ausência de jovens no evento. Onde estarão os estudantes de graduação interessados em psicanálise? O que acontece com a psicanálise no país em que, graças ao esforço de Ferenczi, ela foi primeiramente introduzida na academia? Questões que não pude solucionar...


No que se refere a nossa troca, de nosso Departamento de Psicanálise com este coletivo internacional, convém mencionar que Judit Mészáros, atual Presidente da Sándor Ferenczi Society, teve um texto publicado no número 46 da Revista Percurso, traduzido pelo aluno do Curso de Psicanálise, Eugênio Canesin Dal Molin, que estabeleceu contato com a autora devido ao seu interesse no pensamento de Ferenczi. Particularmente em relação à conferência, contamos com a presença e apresentação de trabalhos (resumos abaixo) de duas pessoas do Projeto de Investigação e Intervenção nas Anorexias e Bulimias, minha e de Camila Junqueira, e do próprio Eugênio, que além de apresentar seu trabalho, coordenou uma mesa sobre trauma precoce.

A temática do evento referiu-se à mudança paradigmática introduzida por Ferenczi na teoria e na clínica psicanalítica do trauma em seu texto Confusão de Línguas, de 1932, no que diz respeito ao papel do objeto. Desde então, novos conceitos teóricos e enfoques técnicos puderam emergir da pesquisa e de estudos clínicos relacionados ao traumatismo psíquico. A intenção deste encontro científico foi focar justamente na pesquisa histórica e acadêmica, nas aproximações teóricas e nos estudos clínicos inspirados por esta mudança de paradigma. O papel do objeto foi visado a partir de suas dimensões constitutivas, traumáticas, transferenciais e contra-transferenciais. Entre alguns temas discutidos, encontram-se os conceitos de reconhecimento, de desmentido, de clivagem psíquica, da função traumatofílica dos sonhos, do enactment, da contra-transferência e os afetos do analista.

Um dos aspectos que também achei interessante e que deve contribuir para a continuidade desta cooperação internacional em torno do pensamento de Ferenczi, foi o grande investimento em uma programação social. Além de um drink de abertura nos porões/adega da Hungarian Academy of Sciences, após a cerimônia de abertura da Conferência (mesmo local onde ocorreu o V Congresso da IPA em 1918), contamos com uma festa no jardim do consultório de Ferenczi e com um jantar de gala dançante.



RESUMOS



O MANEJO DO ENACTMENT

CAMILA JUNQUEIRA [2]



A interpretação da transferência foi estabelecida por Freud como um dos pilares da prática psicanalítica. Já com Ferenczi, a técnica psicanalítica ganhou mais flexibilidade, bem como mais elasticidade para dar conta de certas patologias que, tal como sabemos atualmente, não pertencem ao campo da neurose e foram acolhidas dentro do vasto espectro das patologias-limite. Hoje em dia, tem-se questionado inclusive se a relação analítica com esses pacientes deveria ser denominada de transferencial, pois, ao examinar a etiologia, bem como a história clínica desses pacientes, observamos que seu sofrimento não está propriamente ligado a repetições de relações de objeto ou conflitos do passado. Para tais pacientes, via de regra, o trauma está muito mais relacionado com o que não aconteceu, com o que esteve ausente, do que com um evento específico em si. Nesse contexto, o conceito de enactment se mostra como uma opção para denominarmos o que ocorre na relação analítica com esses pacientes. Portanto, o objetivo deste trabalho é, por meio de uma retomada deste conceito, discutir, a partir de exemplos clínicos apresentados em textos psicanalíticos que abordam o assunto, quais foram e quais poderiam ser as intervenções do analista frente a um enactment. Se podemos afirmar que o técnico correlato de transferência é a interpretação, que deveria ser o técnico correlato de um enactment?

Palavras-chave: enactment, paciente-limite, intervenção, transferência.

camilajunqueira@gmail.com




O TERCEIRO TEMPO DO TRAUMA: NOTAS PARA UM MELHOR ENTENDIMENTO
DA INTERSUBJETIVIDADE NA FORMAÇÃO DO TRAUMA


EUGÊNIO CANESIN DAL MOLIN [3]



Observando casos onde o trauma e suas consequências são centrais para o tratamento, este texto procura articular as conceituações de Freud e Ferenczi sobre o tema, com o intuito de repensar a temporalidade e os elementos envolvidos na formação do trauma psíquico. Esta articulação, que toma o ambiente e sua reação ao evento como o terceiro tempo do trauma psíquico, pode fornecer à clínica uma observação diferente sobre pacientes que experienciaram traumas severos. Partindo dos autores citados, depreende-se que o trauma pode formar-se em um único momento (um primeiro tempo), quando um grande influxo de estímulos penetra o aparelho psíquico e não é dominado. O trauma também se formaria quando uma experiência, que em si mesma não é traumática, ganha este atributo posteriormente, ao ser reorganizada e reinterpretada entre as memórias do indivíduo (um segundo tempo, ou fase). Ferenczi também salientou, especialmente em sua famosa conferência de 1932, a importância do reconhecimento e da validação da experiência traumática pelo ambiente – o que hoje podemos chamar de situação pós-traumática. Quando tal reconhecimento não acontece, a experiência parece causar um distúrbio severo no funcionamento psíquico. Trabalhando com estas ideias, o presente texto procura compreender o papel da intersubjetividade na formação do trauma.

Palavras-chave: formação do trauma; intersubjetividade; temporalidade; ambiente.

ecdm@usp.br




“ESTAR FORA DE SI” – A IMPORTÂNCIA CLÍNICA DO CONCEITO DE DESMENTIDO

MARIA MANUELA ASSUNÇÃO MORENO
E NELSON COELHO JUNIOR



O presente trabalho pretende apresentar a atualidade do conceito de desmentido de Ferenczi para pensar os destinos do traumatismo precoce na constituição psíquica, a partir do material clínico de um caso de anorexia. Tal conceito implica a consideração de uma dimensão estética em psicanálise. A falta de reconhecimento do sujeito no olhar e no discurso do outro é o que torna o traumatismo capaz de fissurar o psiquismo. Ao impossibilitar a introjeção pulsional, o desmentido causa um curto-circuito no sistema pulsão-objeto que impede a ocupação do real do corpo, bem como a criação de sentido, conduzindo ao que foi considerado como um funcionamento em exterioridade. A defesa, segundo Ferenczi, incide justamente na capacidade de síntese do ego. A parte sensível ao trauma é brutalmente destruída e desinvestida, enquanto a que sobrevive sabe tudo, porém não sente nada. A clivagem psíquica é seguida de uma progressão traumática, que implica a identificação com o agressor. O autor, neste sentido, afirma que o sintoma do trauma é “estar fora de si”. Quando o desmentido atinge uma área onde a afirmação de si seja prioritária, neste caso a verdade das próprias sensações, acarreta falta de consistência na imagem narcísica. Deriva desta conjectura que a modalidade de defesa instaure um funcionamento psíquico particular, cujas manifestações clínicas constituem um recurso aos limites do corpo para lidar com os excessos, seja da repetição da marca sensorial que não pode ser inscrita em traço mnêmico, seja do excedente energético relativo à própria incapacidade de simbolização do evento traumático.

Palavras-chave: trauma psíquico, desmentido, ausência de simbolização, anorexia.

manumoreno@usp.br



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[1] Psicanalista, ex-aluna do Curso de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.
[2] Psicanalista, aspirante a membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.
[3] Psicanalista, aluno do Curso de Psicanálise.



 
 
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