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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    23 Novembro de 2012  
 
 
O MUNDO, HOJE

INTERVENÇÃO EM SOROCABA: RUMO À DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS DE
MORADORES DE HOSPITAIS PSIQUIÁTRICOS


CLEUSA PAVAN [1]


Na condição de psicanalista e consultora da Política Nacional de Humanização [2] do SUS, participei da primeira de sete atividades censitárias a serem realizadas nos sete manicômios de Sorocaba e região. Ao todo, a região tem 2.600 usuários e a interdição deste primeiro manicômio só foi possível pela histórica união de diferentes instituições públicas com força política para furar um esquema altamente organizado de controle da situação [3].

Na contramão absoluta da Reforma Psiquiátrica Brasileira, tais instituições totais permanecem funcionando em moldes inenarráveis (vide o programa Conexão Repórter de 23/08/2012 - http://www.youtube.com/watch?v=4Vsb6JodYW0), apesar das inúmeras denúncias ocorridas nos últimos tempos [4] e engavetadas por um promotor da região, cujo afastamento/transferência do cargo constituiu-se como um passo rumo à interdição cautelar do hospital Vera Cruz, no dia 28 de agosto de 2012. Outro passo significativo foi a ação do Ministério Público/Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), no dia 21 de agosto, para verificar a situação de irregularidades e graves violações de direitos fundamentais dos pacientes lá internados.

A partir daí, o Ministério Público de São Paulo e o Conselho Nacional de Justiça convocaram, no dia 11 de setembro, um conjunto de instituições para discussão da situação do Vera Cruz e da atenção psicossocial na região de Sorocaba, ficando definida, dentre outras ações, a proposta de elaboração de um Termo de Ajustamento de Conduta entre os diferentes entes federados.

Com isso, aconteceram reuniões sistemáticas com a participação de um conjunto de instituições, dentre as quais: Advocacia Geral da União, CAO Cível e de Tutela Coletiva do Ministério Público do Estado de São Paulo; Conselho Nacional de Justiça, Área Técnica de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas/Dapes/SAS do Ministério da Saúde, Conselho de Secretários Municipais de Saúde de São Paulo, Conselho Estadual de Saúde de São Paulo, Procuradorias Federal e Regional dos Direitos do Cidadão/Ministério Público Federal, Promotores de Justiça de Sorocaba, Secretaria Estadual de Saúde, Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Secretaria Municipal de Saúde de Piedade, Secretaria Municipal de Saúde de Salto de Pirapora, Secretaria Municipal de Saúde de Sorocaba, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Deste movimento surgiu a decisão de realização de um censo das pessoas internadas no Hospital Psiquiátrico Vera Cruz, com os seguintes objetivos: i) identificação civil das pessoas internadas no Hospital Psiquiátrico Vera Cruz, de forma a propiciar-lhes benefícios assistenciais e previdenciários, ii) levantamento dos principais dados psicossociais das pessoas internadas, iii) subsídio à formulação de políticas públicas de Saúde Mental, álcool e outras drogas para a implementação e/ou fortalecimento de ações e de serviços da rede de atenção psicossocial do SUS na região de Sorocaba, visando à desinstitucionalização das pessoas ali internadas.

O trabalho do Censo durou 3 dias, das 8 às 18h00, realizado por 6 equipes, com aproximadamente 10 pessoas cada uma, desenvolvendo atividades de coleta de dados de prontuários diários, prontuários do arquivo morto, prontuários da Assistência Social, conversas com os pacientes e com funcionários.

Adentramos, simultaneamente, às sete alas ativas do manicômio de modo a assegurar uma conferência o mais fidedigna possível; de modo a incluir, no censo, todos os usuários que lá se encontram e cujas vidas (406 moradores) precisam de um outro destino.

O impacto do que vi, ouvi, senti e vivi, nestes três dias, é bastante brutal ainda (tudo o que foi mostrado pela televisão continua acontecendo do mesmo jeito) e o mínimo que posso dizer é que não se sai impune de uma experiência como esta. Por um lado, ela produz, além da indignação, uma tristeza essencial, se assim posso dizer; e, por outro, uma força redobrada para entrar nos demais manicômios de SP (com 6 mil moradores) e do Brasil, transferir todos para Residências Terapêuticas, incluir alguns no De volta para casa [5], enfim, fazer valer os dispositivos de tratamento substitutivos ao confinamento.

Esta é a proposta deste grupo interinstitucional; este é, dentre outros, o desafio maior da Reforma Psiquiátrica Brasileira em nosso tempo, além daquele com o qual estamos sempre envolvidos e que diz respeito ao combate aos modos manicomiais de tratamento muitas vezes reproduzidos nos CAPS e demais equipamentos da rede substitutiva de Saúde Mental no Brasil.

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[1] Psicanalista e membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.
[2] A PNH é uma estratégia de interferência no SUS rumo à transformação dos modos de atenção e gestão da saúde pública no Brasil. Para maiores informações, consulte documentos no site do Ministério da Saúde (http://portal.saude.gov.br/portal/saude/cidadao/area.cfm?id_area=1342) ou em www.redehumanizasus.net.
[3] Para saber um pouco mais sobre a triste realidade dos hospitais psiquiátricos de Sorocaba, assista a algumas das reportagens feitas pela SBT http://www.youtube.com/watch?v=casqac0UElE&feature=relmfu , http://www.youtube.com/watch?v=P5Jdt2nGJVs&feature=relmfu .
[4] O pesquisador Marcos Garcia foi uma das fontes de denúncia sobre os maus tratos a pacientes psiquiátricos na região. Leia a respeito o artigo Loucura em Sorocaba no Boletim Online n. 20, abril de 2012.
[5] O Programa De Volta Para Casa, criado pelo Ministério da Saúde, é um programa de reintegração social de pessoas acometidas de transtornos mentais, submetidas a longas internações. Esta estratégia busca reverter gradativamente um modelo de atenção centrado na internação em hospitais especializados por um modelo de atenção de base comunitária. (fonte: http://portal.saude.gov.br ).




 
 
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