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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    23 Novembro de 2012  
 
 
NOTÍCIAS DO DEPARTAMENTO

SOBRE A VINDA DE DEJOURS AO DEPARTAMENTO DE PSICANÁLISE


ANA MARIA SIGAL [1]

Nos dias 9 e 10 de novembro, recebemos Christophe Dejours, conhecido psicanalista que tem uma longa trajetória em psicanálise do trabalho, organizacional e psicossomática - trabalhos que já tem apresentado em numerosos encontros no Brasil. Nesta oportunidade, o Departamento de Psicanálise pensou em apresentar Dejours psicanalista, trabalhando na clínica. O convite a este qualificado profissional foi também uma forma de homenagear Jean Laplanche, exímio psicanalista que morreu recentemente e com o qual nosso Departamento tem tecida uma história que deixou marca. Em 1993, tivemos a oportunidade de ouvir Laplanche pela primeira e única vez em São Paulo. Laplanche, membro da APF, se dirigia ao público paulista desde uma instituição de formação que não seguia os moldes da IPA, e portanto apoiava um projeto de formação que tinha Freud por eixo teórico e não exigia a análise didática como obrigatoriedade para a formação.


Dejours acompanhou Laplanche até seus últimos dias e ficou designado por ele como presidente da Fundação que Laplanche deixou como legado à psicanálise.

Como estudioso da obra freudiana, Laplanche se propôs a fazer trabalhar a psicanálise, quer dizer, voltar sobre ela mesma para forçar novos desenvolvimentos, para pensar o já pensado, para criar uma nova volta de espiral que incorpore os novos conhecimentos e permita que o pensamento de Freud não fique como teoria morta, congelada no tempo. Assim, entre seus muitos trabalhos, escreve os Novos Fundamentos da Psicanálise, que aparecem como um modo de problematizar e mexer com os alicerces. Voltar sobre os fundamentos não quer dizer refundar, mas sim submeter à prova os fundamentos da psicanálise.

Dejours se apresentou em dois dias; para o primeiro, solicitamos que nos falasse sobre a Teoria da Sedução Generalizada, tema de grande interesse que, segundo Laplanche, é um dos que sofreu um recalque na obra freudiana. Depois de ter trabalhado a teoria da sedução na histeria, na qual um pai perverso sempre aparecia, como pano de fundo nesta patologia, como sedutor, Freud faz uma torção no enunciado, abandonando esta colocação, e na carta 69, que escreve a Fliess, dá toda a ênfase ao papel da fantasia, ao afirmar, nesta oportunidade: “já não acredito mais na minha neurótica”. Deste modo, um tema espinhoso - do adulto real seduzindo uma criança - desaparece nas profundezas da psicanálise.

Laplanche resgata o primeiro Freud e nos diz que sempre há um sedutor na relação entre o recém nascido e o adulto, que é esta figura a que introduz traumaticamente a sexualidade na criança, criando o objeto-fonte da pulsão. Assim se introduz a alteridade, e a sexualidade materna faz marca no corpo infantil através de um enigma que deverá ser traduzido. O que era excitação externa, transforma-se em autotraumática.

Para o segundo dia, propusemos para a apresentação clínica um esquema diferente daquele de uma supervisão; pedimos a Christophe que nos permitisse assistir ao seu modo de trabalhar um fragmento clínico, a partir da concepção teórico-clínica de Laplanche. Acompanhamos assim o trabalho com a transferência tal como Laplanche o propôs: transferência em pleno, transferência em oco e transferência da transferência.

Entendo que este trabalho é uma forma de continuar aprofundando nossos princípios clínicos e políticos, trazendo para a comunidade analítica - e em especial para nosso membros e alunos - um pensamento vivo, no qual podemos observar que a metapsicologia tem um laço solidário com a clínica, como nos disse Laplanche, ao falar de uma teorética. Entendemos que, na troca, nos enriquecemos e rompemos os laços endogâmicos que poderiam deixar-nos isolados em um saber narcísico.

Retrabalhar Freud hoje em dia é uma proposta inovadora; voltar às origens para repensarmos os fundamentos e relê-los à luz de Klein, Ferenczi, Lacan, Winnicott, Green, Laplanche, Fédida e outros, nos permite enriquecer o nosso fazer e nossa escuta. Esta atitude de manter Freud como espinha dorsal da formação, lê-lo inserido na cultura de nossa época, visando encontrar as formas de contribuir com o campo da saúde pública, dá força a nosso projeto de transmissão.

Este evento foi promovido pelo Curso de Psicanálise. A comissão organizadora, formada por Flavio C. Ferraz, Heidi Tabacof e Ana Maria Sigal - como professores do Curso de Psicanálise -, solicitou ao Conselho de Direção apoio para sua realização e, a partir de então, contamos com a querida presença da articuladora de eventos, Noemi Moritz Kon, integrando conosco a comissão, formando assim uma equipe que permitiu levar à frente este projeto. Nós nos propomos a fazer alguns encontros posteriores com aqueles que desejem trabalhar alguns dos temas apresentados por Dejours, assim como esperamos que, a partir de um bom encontro, possam vir outros.

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[1] Psicanalista. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.




 
 
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