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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    24 Abril 2013  
 
 
LITERATURA

LEMINSKI: O QUE QUER DIZER, DIZ


Sobre o lançamento de TODA POESIA - Paulo Leminski



DÉBORAH DE PAULA SOUZA [1]

podem ficar com a realidade
esse baixo-astral
em que tudo entra pelo cano


eu quero viver de verdade
eu fico com o cinema americano

“Distraídos Venceremos”! O título do livro de Paulo Leminski era um grito de guerra entre muitos dos meus amigos que tinham 20 e poucos anos na década de 80. Quando ele foi publicado em 1987, Leminski para nós já era um clássico: tudo em mim/ anda a mil/tudo assim/tudo por um fio/tudo feito/tudo estivesse no cio/tudo pisando macio/tudo psiu (...).

A essa altura, boa parte da minha geração já tinha devorado Caprichos & Relaxos, editado em 1983 pela Brasiliense. Tinha até poema dedicado à Libelu (Liberdade e Luta), movimento estudantil trotskista, famoso também pelas melhores festas da época.

Leminski morreu em 1989, antes de completar 45 anos. Só não ficamos órfãos porque ele não era nosso pai, era o irmão mais velho, o cara que sabia das coisas. Lembro de ter visto a notícia no jornal e ficar sem rumo - porque um poeta é o lugar para onde a gente vai quando está perdido, louco, apaixonado, desesperado e extasiado - ou tudo isso junto. Ele, que em 2014 completaria 70 anos, era e continua sendo um continente singular, como comprova o celebrado lançamento Toda Poesia - Paulo Leminski pela Companhia das Letras, com seu bigodão na capa. Recentemente, nas redes sociais, comemorava-se o inesperado: o livro encabeçou a lista de mais vendidos na Livraria Cultura, desbancando 50 tons de cinza (interpretação inevitável: era Leminski chovendo no piquenique do sadomasoquismo light).

O ex-seminarista, tradutor, estudioso de latim, faixa preta de judô influenciado pelo zen budismo, é chamado de samurai malandro pela crítica Leyla Perrone-Moisés e de Rimbaud curitibano por Haroldo de Campos. Textos deles e de outros intelectuais integram o apêndice da obra que reúne todos os livros de poesia do escritor, incluindo as publicações póstumas não tão conhecidas como O Ex-Estranho, que ele denomina “uma vivência de despaisamento (...) o mal-estar do fora de foco”; e o maravilhoso La vie en close, de 1991, onde está o poema Epitáfio para a alma: Aqui jaz um artista/mestre em desastres/ viver/com a intensidade da arte/ levou-o ao infarte/ deus tenha pena/dos seus disfarces.

Em todos os seus saques, piques, toques & baques, ecoa aquele não sei o quê tão singular que Alice Ruiz, poeta que foi casada com ele por 20 anos, define certeira: “um dizer repleto da consciência da necessidade do silêncio.” Além do flerte com a poesia concreta, da influência quieta do mestre Bashô (poeta japonês do século 17) e dos haikais (esse voo/ao vento que mais dói/eu doo), o humor dele combinava com os tempos do desbunde pós-ditadura. Caetano Veloso pegou a senha e gravou Verdura, canção de Leminski: (...)de repente/vendi meus filhos/a uma família americana/eles têm carro/eles têm grana/ eles têm casa/ a grama é bacana/ só assim eles podem voltar/ e pegar um sol em Copacabana ( http://letras.mus.br/caetano-veloso/1066720/)

Na visão do músico José Miguel Wisnik, Leminski escancarou a própria condição provinciana e assim libertou-se dela. Com piadas e slogans, ele se metia em confusões literárias, provocando os intelectuais sisudos em suas discussões sobre o valor da poesia brasileira. Definia-se como punk parnasiano. Wisnik lembra que, por ocasião da morte de Drummond, Leminski declarara: “o trono está vago”. Para o crítico, “foi ele quem percebeu que a partir de então, a poesia se fazia em torno do vazio do trono, de qualquer trono, e que toda questão se concentrava em saber errar o alvo – como o arqueiro zen – com a máxima precisão.” Assim: vai vir o dia/quando tudo o que eu diga/seja poesia.

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[1] Déborah de Paula Souza é aspirante a membro do Departamento de Psicanálise, integrante do Grupo de Trabalho Sexta Clínica e jornalista.




 
 
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