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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    25 Junho 2013  
 
 
ARTE

RE / TRATOS DA RAIVA


SÍLVIA NOGUEIRA DE CARVALHO [1]


A Raiva (La Rabbia, Itália, 53 min) é o filme-ensaio que Pier Paolo Pasolini (1922-1975) realizou em 1963 em torno dos acontecimentos daqueles últimos 10 anos. Produzido a partir da montagem de imagens de arquivo retiradas de telejornais e curta-metragens, A Raiva é, nas palavras do diretor, "um ato de indignação contra a irrealidade do mundo burguês e a sua consequente irresponsabilidade histórica".


Filme, ensaio, poema. A propósito de Pier Paolo Pasolini foi a conferência com a qual o filósofo da arte Georges Didi-Huberman (Saint-Étienne, 1953) abriu a ação Histórias de fantasmas para gente grande, na noite de 24 de maio, no Palácio Gustavo Capanema, centro da cidade do Rio de Janeiro.

Realizada em torno da montagem de Atlas, Suíte – exposição fotográfica conceitualmente baseada no pensamento do historiador da arte Aby Warburg (1866-1929), que permanecerá no Museu de Arte do Rio de Janeiro de 28/05 a 28/08 -, Histórias de fantasmas para gente grande foi ainda composta pela conferência Foto, álbum, museu. A propósito de André Malraux, na UFRJ (27/05) e pelo simpósio internacional Imagens, Sintomas, Anacronismos (28 e 29/05), sediado no MAR. Nas palavras de Didi-Huberman, "este projeto é sobre a vida fantasmática das imagens que constituem tanto nosso presente quanto nossa memória, seja artística ou histórica. Aquilo que experimentamos a cada dia com as imagens que nos rodeiam aparenta ser uma combinação de coisas novas e ‘sobrevivências’ vindas de muito longe na história da humanidade; assim como imagens de nosso passado mais profundo podem afetar nosso sonho da noite anterior".

Pois bem, é a ideologia da normalidade de depois da guerra e do pós guerra que Pasolini visa desmontar. E sua resposta, ele a chama a raiva do poeta - não apenas a raiva resultante da indignação, mas o estado de urgência recuperado diante da História.

De acordo com Didi-Huberman, a raiva poética é, antes de tudo, um ato de linguagem, tem a ver com uma decisão quanto ao logos: o poeta não olha as coisas de um ponto de vista sentimental ou terno; ele vê surgir os problemas que não lhe deixam em paz - colonialismo, miséria, racismo e antisemitismo. Mas a raiva é também um gesto que vem do coração e do corpo, tendo assim a ver com uma decisão quanto ao pathos, emoção de cenas visuais de contraste, que são fortes e pedem um contato.

Deste modo, as palavras de A Raiva são distribuídas em 3 vozes:

  • as vozes oficiais: vozes de poder dos políticos;
  • a voz de prosa: em tom cortante, a voz crítica por excelência, voz da consciência política;
  • a voz da poesia: o desfile rápido de rimas; repetições de frases ou de riscos no céu durante uma explosão atômica; contraste entre imagens de mineiros italianos confrontados ao mal que o homem sabe causar ao homem e imagens da beleza mortífera de Marilyn Monroe.
“Outrora, nas minas de carvão, numa época em que o gás metano matava milhares de pessoas, usavam-se passarinhos em gaiolas para alertar contra o perigo” - lembra Didi-Huberman, a fim de indagar: “como a plumagem desses pássaros, capaz de inchar com a aproximação do perigo, não seria essa uma das funções da imagem?”.

Da benvinda Casa Daros, recém inaugurada no bairro de Botafogo, a exposição de abertura - Cantos Cuentos Colombianos - faz ressoar respostas estéticas da arte contemporânea de Doris Salcedo, Fernando Arias, José Alejandro Restrepo, Juan Manuel Echavarría, Maria Fernanda Cardoso, Miguel Ángel Rojas, Nadín Ospina, Oswaldo Macià, Rosemberg Sandoval e de Óscar Muñoz (Popayán, 1951), cuja obra destacamos.

Biografías no. 2, no. 3 e no. 6 (2002/2003) é a instalação projetada sobre o piso da primeira sala expositiva, em que cada um de 3 retroprojetores reproduz uma imagem de vídeo simulando o movimento de uma substância negra escoando por um ralo. De súbito, porém, o líquido retorna à superfície, re-compondo o que então compreendemos ser a figura do rosto de um desaparecido.

Se 3 vezes isso não fosse suficiente para dizer de recentes anos latinoamericanos, deixaríamos o leitor com o vídeo Re/trato - em que a mão tenta desenhar com água sobre cerâmica quente um rosto que não se completa jamais: Re/trato

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[1] Psicanalista. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e da equipe editorial deste Boletim Online. Membro do Espaço Brasileiro de Estudos Psicanalíticos – EBEP-SP – e de seu grupo de Arte e Psicanálise.

 




 
 
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