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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    27 Novembro 2013  
 
 
NOTÍCIAS DO DEPARTAMENTO

MEDICAÇÃO PSIQUIÁTRICA EM ANÁLISE: COMO, QUANDO E POR QUÊ - ACERCA DO NOVO GRUPO DE TRABALHO DO DEPARTAMENTO


CRISTINA BARCZINSKI e NAYRA GANHITO [1]



Tudo o que você sempre quis saber sobre a psiquiatria, mas não tinha a quem perguntar - esta é uma das definições possíveis do novo grupo de trabalho formado a partir da mediação da Incubadora de Ideias, dispositivo criado pela área de Formação Contínua do Departamento de Psicanálise. Há muito tempo se fazia sentir em nosso meio a necessidade de refletir sobre o tema, mas o cenário atual imprimiu à questão uma urgência maior frente à presença cada vez mais massiva da medicação no cotidiano da clínica. O grupo Medicação psiquiátrica em análise: como, quando e por quê iniciou suas atividades há cerca de dois meses, tendo realizado quatro encontros com a participação de mais cinco integrantes, e coordenação exercida por sua proponente, Silvia Ribes, aspirante a membro do Departamento e psiquiatra e por Heidi Tabacof, membro do Departamento e professora do Curso de Psicanálise. O grupo foi proposto a princípio por Silvia Ribes, que percebia uma demanda dos colegas de entender o que era, como agia e por que era prescrita a medicação em uso por seus analisandos, entre outros aspectos da prática psiquiátrica, como a lógica classificatória e seus diagnósticos. A proposta foi considerada excelente, mas levou algum tempo para se viabilizar, o que aconteceu com a entrada de Heidi como co-coordenadora do grupo. O grupo de trabalho reúne-se às segundas e quartas 6as feiras de cada mês, as 16h30 no Sedes, na sala 5, e está aberto ao ingresso de novos participantes. Segundo as coordenadoras ouvidas pelo Boletim, a proposta ainda não assumiu sua forma definitiva pois, mais do que um grupo de trabalho fechado, ela se conecta a um grande campo de reflexão pertinente às atividades do Departamento, e que poderá desdobrar-se de diferentes maneiras, inclusive a organização de novos eventos sobre o tema.

Embora a princípio tenham pensado em ater-se à discussão de casos clínicos, logo nas primeiras reuniões as coordenadoras concluíram que havia uma dificuldade dos psicanalistas não psiquiatras em entender como foram criados e como atuam os medicamentos psiquiátricos. Silvia Ribes assumiu esta tarefa, compartilhando informações sobre os medicamentos mais usados em seus aspectos farmacológicos e efeitos neurológicos mas também numa visão histórica da prática psiquiátrica que relativiza e desmistifica o caráter de certeza com que o discurso científica muitas vezes se apresenta. Trata-se de um tipo de informação que em geral não se encontra disponível para o público leigo e uma das ideias do grupo é produzir um material escrito que apresente o ponto de vista da psiquiatria da forma menos ideológica possível, buscando uma distinção entre medicação e medicalização. Ficou claro que existe entre psicanalistas uma posição bastante ambivalente em relação ao saber médico, que pode deslizar da crítica veemente a uma espécie de fascínio. A clara hegemonia do saber dito científico na atualidade e seu correlato lugar de poder determina que, do lado dos psiquiatras, não seja raro um grande desconhecimento do que seja a psicanálise, descartada como um saber obsoleto e dispensável nos tratamentos. Este fechamento recíproco dificulta em muito a possibilidade de diálogo entre os dois campos, que necessariamente tem seus efeitos sobre os pacientes.

A conversa com a equipe do Boletim abordou a falta inaugural de um substrato biológico para o saber psiquiátrico e a consequente defasagem da psiquiatria com respeito a outras áreas da medicina clínica. Por conta disto, houve até recentemente uma proximidade maior da psiquiatria em relação à psicanálise, nem sempre admitida mas visível por exemplo no uso de noções como a de neurose e de reação (psicológica), que ainda tinham seu lugar nas classificações nosológicas. Houve inclusive uma chamada psiquiatria dinâmica, fortemente influenciada pelas ideias psicanalíticas e que vigorou até os anos 80 aproximadamente. Em seguida, o enorme desenvolvimento tecnológico e farmacológico possibilitou inegáveis avanços nos conhecimentos neurofisiológicos. No entanto, a tendência à interpretação unívoca de seus achados, tomados como causalidade direta e exclusiva, acabaram reforçando a crença numa suposta etiologia orgânica para as perturbações mentais e para uma psiquiatria que ainda procurava sua legitimidade enquanto ciência médica. A partir daí, ocorreu um rápido e progressivo afastamento da psicanálise e de qualquer outra abordagem dinâmica do psiquismo.

A recente controvérsia sobre os diagnósticos trazidos no DSM V é o pano de fundo onde a prática clínica se dá na contemporaneidade, assim como as políticas públicas propostas a partir destes mesmos diagnósticos. Este panorama suscita questões as mais complexas e é nele que emerge um grupo com tais características no Departamento de Psicanálise. Uma pergunta da maior importância neste contexto é o que se pretende com o remédio, por parte do psiquiatra ou do psicanalista que encaminha o paciente. Para o psicanalista, na interessante formulação de Silvia Ribes, abre-se a questão de como escutar o remédio que atua sobre seu paciente em análise. A colaboração e as trocas possíveis entre analistas e psiquiatras também aparece com destaque; na fala das coordenadoras, “as questões clínicas de manejo do paciente medicado e da eventual comunicação com o psiquiatra pululam”.

O campo amplo e tão atual da medicação em análise poderia tomar rumos tais como pensar a medicalização da sociedade de uma forma geral: o papel dos diagnósticos e das drogas lícitas representada pelo arsenal medicamentoso psiquiátrico e a crescente jurisdição psiquiátrica sobre o sofrimento humano e a vida dos sujeitos. No entanto, a tônica do trabalho encaminhou-se para as questões imediatamente clínicas desta realidade, presentes no cotidiano de nosso trabalho e no possível diálogo entre estes dois saberes distintos e seus agentes. Isso foi nomeado por suas coordenadoras como “uma perspectiva não-ideológica que privilegia a perspectiva clínica”. Segundo Heidi Tabacof, a prescrição de medicamentos é um instrumento que pode ser utilizado de modo distinto e visar objetivos muito diferentes – como a própria psicanálise, aliás, pois nenhum instrumento de saber seria bom ou mau em si mesmo. Um instrumento clínico se define eticamente no seu fazer, a partir dos critérios da prática que adota. Podemos dizer que tal perspectiva orienta este oportuno espaço do Departamento em seu estado nascente.


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[1] Da equipe editorial do Boletim Online.
[2] A Incubadora de Ideias está em sua segunda coordenação, realizada por Noemi Moritz Kon. A primeira teve como coordenadoras Rita Cardeal e Heidi Tabacof, então articuladora da área de Formação Contínua e coincide com a criação deste dispositivo a partir da leitura de que muitos aspirantes a membros e membros tinham o desejo de trabalhar efetivamente no Departamento e sua benvinda inserção se potencializaria com a criação de novos grupos de trabalho. A Incubadora passou a funcionar como mediador e facilitador da viabilização do propostas que eram levadas à área de Formação Contínua, aprovadas por sua pertinência e consonância ética, política e clínica em relação ao Departamento, mas que não chegavam a vingar. Atualmente, um número significativo de membros e de aspirantes encontraram por meio da Incubadora lugares de pertença e trabalho no Departamento.



 
 
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