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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    28 Abril 2014  
 
 
ARTE

POR UM CORPO CAPAZ DE ARTE


Um convite a partir da leitura do artigo “Ai que preguiça”, de Drauzio Varella, publicado pela Folha de São Paulo em 11 de janeiro de 2014 [1]

ALEXANDRE MENEGAZ [2]
PALOMA BIANCHI[3]
SÍLVIA NOGUEIRA DE CARVALHO[4]


A dança te entrega a nudez de teus conceitos
e silenciosamente escreverá tua vida

Mallarmé


Um corpo capaz de arte – eis a realidade humana que a dança testemunha. Em nossa diferença com os outros mamíferos, não nos ordenamos a partir de uma programação instintual para buscar alimento, o corpo do outro ou os ambientes de proteção: nossa disposição na direção desses interesses pulsa de modo singular a partir do registro das experiências de prazer ou de desprazer que vivemos, moduladas pelas trocas desejantes que estabelecemos com os outros.

Somos assim tão des-naturados que eventualmente colocamos em risco nossa própria autoconservação em nome da preservação de nossos ideais – ainda quando deste modo se constituam transtornos psíquicos em que a fome, o sexo ou a autoproteção resultem inibidos.

Por sorte, porém, estamos o tempo todo nos subjetivando, nos rearticulando, inscrevendo novas formas de experiência humana no real do corpo. É esta a matéria-prima do trabalho de educadores, de artistas e de psicanalistas, tais como os reunidos nesta correspondência. Este é também o motivo pelo qual nossa reunião porta um convite: Dance. Porque a dança, conforme lembra Alain Badiou, é o oposto positivo do desfile militar, cuja essência é, por definição, “obediência e boas pernas”. Ao invés, dança é “a mostração corporal da desobediência a uma impulsão”; é corpo não forçado, nem mesmo por si próprio. Dança é sexo, sexo subtraído de qualquer vulgaridade.

A dança é assim uma das possibilidades através das quais prescindimos da identificação com um padrão da boa forma – que tende ao conformismo e à uniformidade – e socializamos os diferentes tipos de espanto que somos capazes de experimentar na relação com nossos corpos vivos. Da mesma forma como Didier-Weill indica poder acontecer, diante da arte ou do jogo, ao adulto que é por eles arrancado de sua latência: sujeito que comemora o que é, em nós, como um lance de bola bem sucedido – invisível como uma pintura, imaterial como um bailarino, inaudito como uma nota musical.

Por tudo isso, temos o prazer de asseverar que somos felizes em nos exercitar regularmente em nosso Movimento Consciente, sob a orientação da professora Monica Monteiro, experimentada em três tempos: encontro consigo mesmo – alongamentos, enrolamentos e torções que realizam a passagem da tensão pelos sistemas reto e cruzado; enlaçamento com o outro – que cuida e é cuidado; fruição da separação, do espaçamento, do espaço ao qual a dança nos obriga. É lá que esperamos partilhar com o professor Drauzio nossa corriqueira alegria de viver junto.

Se o trazemos a público é simplesmente por ser este um dos múltiplos espaços de referência para uma educação corporal voltada à sensibilidade. Porque o corpo não é um projeto com fim utilitário, uma engrenagem de guerra que faz o mundo funcionar – e a forma de lidarmos com ele constrói nossa maneira de pensar. Que tal então poder fazê-lo livres do peso disciplinar que entorpece nossa potência viva?

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[1] http://www1.folha.uol.com.br/colunas/drauziovarella/2014/01/1396329-ai-que-preguica.shtml
[2] Educador físico.
[3] Performer.
[4] Psicanalista.






 
 
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