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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    33 Abril 2015  
 
 
MAL-ESTAR NA CIDADE

DO SOM AO REDOR


NAYRA GANHITO[1]


Analisando foi o título que Zé Miguel Wisnik deu ao seu comentário publicado após as manifestações de março que sacudiram o país[2]. Escrito no lugar de uma análise da qual desistiu porque as ideias que surgiam, diz ele, pareciam não caber no espaço, mas sobretudo no tom, mostrou em ato quão diretamente o mal-estar que atravessa nossa vida política nos atravessa, indicando a posição subjetiva possível ou desejável frente àquilo que nos atinge como um impossível. Quando os acontecimentos e seus impasses nos agitam até a paralisia com rapidez e turbulência crescentes, menos analistas do que analisandos, precisamos pensar com o outro, em tempo, para tentar formular aquilo que ainda não tem palavra. É desta posição angustiada de analisanda que procuro as minhas para tecer algumas notas acerca desse som - ou ruído - de fundo que vibra ao nosso redor, às vezes estridente como os panelaços e buzinaços de 15 de março, às vezes graves como o murmúrio de nossos próprios pensamentos, ou nas múltiplas vozes da des-informação em tempo real que nos afeta, inunda e confunde. No pequeno acervo de textos que separei para apoiar esta narrativa fragmentada, incompleta, parcial, cujos autores e “credenciais” são tão diversos, me surpreendeu a insistência na percepção de uma negatividade ou negativismo, expressa por noções como negação, dissociação, denegação, desconhecimento, ignorância, irracionalidade.


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"Estamos inclinados a pensar no ego como impotente contra o id; mas, quando se opõe a um processo instintual no id, ele tem apenas de dar um ‘sinal de desprazer’ a fim de alcançar seu objetivo com a ajuda daquela instituição quase onipotente, o princípio de prazer. Para considerarmos essa situação (...), podemos ilustrá-la com um exemplo de outro campo. Imaginemos um país no qual uma pequena facção é contrária a uma medida proposta, cuja aprovação contaria com o apoio das massas. Essa minoria obtém o controle da imprensa e com o auxílio desta manipula o árbitro supremo, a ‘opinião pública’, conseguindo assim que a medida não seja aprovada." (Freud, Inibição, Sintomas e Ansiedade 1925).

A citação que alguém recolheu no site Freud explica foi uma entre tantas que circularam durante o longo domingo de 15 de março nas redes sociais. O ego como força repressora da potência pulsional do id, mas capaz de retirar suas forças deste último apenas para evitar o desprazer. Em semelhante contexto, a analogia com o campo da política me pareceu muito feliz.

Naquele dia, muitos acordamos com um ruído de fundo estranho às manhãs de domingo de nossas nobres vizinhanças. Televisões ligadas no último volume, carros buzinando, vuvuzelas berrando, às vezes estourava um rojão. Excitado e tenso, o clima transpirava a expectativa de comemoração que precede as partidas de futebol. No decorrer das horas e sobretudo mais tarde, durante o panelaço que ensurdeceu as falas dos ministros, duas lembranças vieram em meu socorro: em 1982, durante minha permanência na Itália, o Brasil perdeu a Copa para a seleção italiana na final. Penoso ver longe de casa a festa dos que nos cercavam e irritavam, e que consistia apenas numa enorme carreata e um patético buzinaço – pobreza de criatividade dos adversários, que nem um sambinha, uma simples batucada sabiam, para sua comemoração. Outra lembrança: em um filme, um monge tibetano apontando os alto-falantes que jorravam sem cessar a música enjoada e militar da China comunista que tomara o país, observa desolado: “Roubaram nosso silêncio".


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É verdade que um silêncio longo e torporoso foi rompido ainda em 2013, com as manifestações de junho. Foi de repente, embora os jovens do MPL já estivesse mobilizados há um certo tempo ao redor da pauta pela tarifa zero no transporte público. O que foi novo foi a súbita adesão de milhares de pessoas aos atos de protesto contra o aumento das tarifas de ônibus. “Saímos do Facebook para ganhar as ruas”, foi uma frase cujo tom entre surpreso e jubiloso apareceu em muitos cartazes e nas redes sociais, o canal principal de propagação dos atos. Segundo Eliane Brum[3], estes jovens que se moveram diante da paralisia dos mais velhos foram “os verdadeiros adultos a apontar que o rei está nu” mostrando que podemos assumir a responsabilidade de pensar a cidade. Fala ainda da força simbólica da experiência de mover-se pelas ruas, nas manifestações, por uma cidade que não se move, denunciando o modelo de ocupação urbana que prioriza o transporte privado e individual: sem a liberdade de circular, já não somos efetivamente cidadãos.

No entanto, lembramos a estranheza e o mal-estar que se seguiram à virada na cobertura da grande mídia, quando esta, subitamente, de uma abordagem crítica e hostil passou à divulgação positiva dos atos. O movimento passou a convocar um grande número de pessoas, insatisfeitas sem dúvida, mas cuja postura logo mostrou destoante da lógica que desencadeou os atos – começou aí o verde amarelo, o não partido, slogans conservadores... Mais de uma vez as divergências apareceram nos próprios trajetos percorridos, separando grupos que tomavam rumos diferentes. Falou-se em apropriação do movimento por forças reacionárias que atraíram setores não organizados da população, bem distantes da articulação impressionante que membros do MPL mostraram em entrevistas e da inteligência de sua estratégia política. Outros viram nisso uma expressão da falência do modelo representativo na política, de proporções mundiais. De todo modo, foi talvez nossa primeira experiência do que seja uma multidão – heterogênea, contraditória, não guiada por ideais comuns, típica das mobilizações do nosso tempo -, em oposição às massas - homogêneas, reunidas por um ideal comum - que caracterizaram os grandes movimentos do século XX.


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“Meio massa, meio público, meio multidão”. Assim Antonio Lancetti[4] definiu o contingente de pessoas que foi às ruas em 15 de março. Contingente que, sem ser abertamente convocado por partidos e expandido pelo contágio típico das ações micropolíticas das redes sociais - “que entretanto não são necessariamente de esquerda”-, seria movido por “uma paixão antipolítica”. Mesmo reconhecendo a convocação e o insuflamento por parte da Globo, Lancetti não se detém nisto nem nas formas de extremismo conservador manifesto por certos grupos: “O clima é de 1964, a história, como disse Marx, se repete como farsa, mas não estamos em 1964, estamos em 2015 com o CMI – Capitalismo Mundial Integrado – disseminado como uma alma nas nossas subjetividades, emporcalhando nossos desejos.”

“As pessoas que andavam pelas ruas não seguiam uma única direção como um conjunto [harmônico] de subjetividades – característica primeira de uma multidão”. O aspecto “público-rebanho-midiático” não deveria nos deixar escapar, neste acontecimento, os elementos ali presentes de multidão, cujo potencial revolucionário é tão necessário à reforma política quanto a luta pelo fim do imperialismo midiático. O desconcerto também acusaria a perda de sintonia com as ruas por parte do governo e da esquerda, que teme enunciar que o que está corrompida é a representação política. A “sensação de cerco”, diz ele, pode afinal nos forçar a pensar saídas mais criativas, apresentando propostas com mais humor, convicção e alguma luz”.

Uma pequena postagem no Facebook[5] ganhou certa circulação ao atribuir um caráter lunar ao ato de 15 de março, em oposição ao caráter solar das manifestações de junho de 2013. Haveria agora muito mais negação do que afirmação (“contra a corrupção, abaixo Paulo Freire, contra o PT, contra Dilma e Lula”), “mais dissidências internas do que homogeneidade” (“pela volta da ditadura, suásticas, insatisfação generalizada”). Em resumo, muito ataque, mas poucas alternativas propositivas.

O que querem, afinal, os manifestantes de 15 de março?

O foco mais manifesto das indignações, a corrupção, poupou os chefes do Congresso e do Senado, afundados em ilicitudes, os sonegadores, outros partidos que não a situação, o empresariado envolvido nos vários “escândalos”... O panelaço após as manifestações, programado para ensurdecer as falas dos ministros ou de Dilma, mostrou a refratariedade dos "reivindicantes" a qualquer tentativa de resposta ao que dizem reivindicar.

Há ainda a sinistra tolerância do conjunto à presença dos grupos ultra-reacionários, que chegam a pedir uma intervenção militar. Mesmo sendo minoritários – tal é a justificativa mais usada - isto basta para que se marche sem muito incômodo lado a lado em um ato político? O repúdio e a repulsa que deveriam inspirar é bem mais evidente quando dirigido ao PT e seus representantes. Ainda que as possibilidades reais de uma intervenção militar ou de um impeachment pareçam remotas, estes pequenos grupos semelhantes parecem suscetíveis a confluir em manipulações totalitárias, pela evidente desinformação que têm demonstrado e pela histeria contagiante que toma feições estranhamente “patrióticas”: “pessoas envolvidas em bandeiras, cantando o hino nacional, pintadas de verde e amarelo”, contra os partidos, ou, como às vezes dizem “o partido”, representado pelo vermelho.

Outra característica estridente é o ódio e atribuição cega de culpa “pelo que está aí”, como sugere a insistente presença dos xingamentos e ataques verbais repetidos em coro. Para além de sua função catártica, de desforra desmoralizante, às vezes parecem proferidos como se fossem verdadeiras palavras de ordem – que nomeiam claramente uma reivindicação. Deste ponto de vista, o tipo de paixão que move a porção “massa teleguiada” destas manifestações representaria mais uma potência negativa ávida por um retrocesso do que um desejo de mudança - tal como na infeliz declaração de Aloysio Nunes, “queremos ver Dilma sangrar”[6].

Por fim, é pela percepção do medo - mesmo negado, camuflado em entusiasmo como o grande mobilizador dessas manifestações -, que podemos falar de seu aspecto triste, melancólico. Isto me levou a lembrar a noção de “paixões tristes” de Spinoza, entre as quais figuram o medo e a tristeza. Pois a alegria é diferente da euforia e de certo ar festivo, até triunfante – sobre o que? não se sabe bem! - dos que desfilavam na Paulista e depois em seus comentários nas redes.


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Ainda durante a campanha de 2014 uma menina de seus 13 anos perguntava, numa entrevista, com ar perplexo: “Tudo bem, eles subiram de classe, mas...e agora? eles vão continuar subindo?” Me chamou a atenção sua expressão mais intrigada do que raivosa, seu esforço diante do que lhe soava absurdo. O que se teme afinal? Perder alguma coisa, sem dúvida, que entretanto as falas manifestas não parecem dar conta: estabilidade, dinheiro, direitos, liderança, emprego e até “liberdade”.
Sem dúvida há medo de sair da repetição, no momento em que um governo - por mais tímida, impudica e equivocadamente que se queira - ousou mexer com as representações de classe de uma sociedade na qual uma parcela gostaria de ver-se imobilizada numa figura estável: em seu lugar social “diferenciado”, exclusivo e em suas identidades, forjadas a partir deste lugar. Medo de um desconhecido que, em sua indeterminação, é transformado em um “pior” pouco desenhado que acaba apelando aos termos exatos dos medos que possibilitaram o golpe de 64: o “comunismo”, a “subversão”, a “desordem”. Ou, na versão mais branda e liberal, a “ineficiência”, a “incompetência”.
Há tristeza neste desamparo que revelam sentir.
Pois quanto menos mapeamento “pré-pago” e estabelecido das identidades – de classe, mas atualmente também de gênero, raça, estado civil, etc. – e apesar da mobilidade de escolhas que isso permite, maior é a sensação de desamparo. Brum, acerca do problema da água em SP, afirmou que certo terror desencadeado no pós-eleição com a divulgação dos dados até então omitidos deu-se “menos pelo que só agora falta e mais por aquilo que nunca existiu, a saber, a perda das ilusões de que tudo estava sob controle”(3).

O desamparo traz consigo uma espécie de nostalgia de uma ordem perdida e ilusória; daí os fundamentalismos salvacionistas de toda espécie. Daí a nostalgia do pai protetor, que pode tomar menos a feição de um pai simbólico e se aproximar do pai da horda: a ordem militar ou religiosa e seus representantes: Coronel Telhada, Bolsonaro, Malafaia, Carlinhos Metralha[7].

O filme O som ao redor de Kleber Mendonça Filho (2012), do qual emprestei a ideia para o título deste escrito, se ambienta na Recife contemporânea em um bairro de classe média sob cuja aparência de “condomínio moderno” subjaz toda a estrutura de poder arcaica do coronelismo patriarcal, inclusive nas subjetividades – metáfora que ultrapassa o contexto local e abrange o país.


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Bem diferente deste medo é o “Pode entrar em pânico que amanhã tem mais”, frase com que Camila Pavanelli de Lorenzi passou a concluir o seu Boletim da Falta d’Água em SP, que tornou-se referência sobre o tema ao reunir e ordenar diariamente os dados de fontes diversas e compartilhá-los na rede. Em entrevista a Eliane Brum, a psicóloga conta que isto acabou tornando-se sua própria narrativa “possível, parcial, amadora, sobre a catástrofe que se anuncia, em um momento em que ainda não temos linguagem para isso, é preciso criá-la”. Trata-se de contrapor à calma alienada frente à gravidade das circunstâncias o seu “manifesto antinegação, o oposto da letargia institucionalizada do ‘não falta água, não faltará água em São Paulo”.

É Camila quem formula a relação entre a negação dos governantes, a “negação como política de governo” e a negação como defesa psíquica. Forma de discurso que só se torna vantagem eleitoral porque encontra ressonância em parte da população que parece nada querer saber dos impasses da cidade, do país, do mundo atual: “parece que ninguém, de verdade, acredita que a água vai acabar (...) ou, se acredita, não consegue conceber o que significa isso”, diz ela. De um lado, uma população que deseja ouvir que está tudo bem e pode seguir a vida normalmente; de outro, um governo que realiza plenamente esse desejo, garantindo que não faltava nem faltaria água em São Paulo. Esta última proposição nos permite pensar inclusive em formas de recusa (Verleugnung), a defesa descrita por Freud como “mais radical e mais poderosa do que o recalque”, relacionado à negação. Consiste em tratar uma representação indesejável de modo a retirar dela todo significado, na tentativa de economizar o trabalho de reordenamento que sua inclusão na rede associativa demandaria. Justamente o que fica em suspenso em tal situação é o julgamento de valor, as conclusões que deveriam ser tiradas a partir destas representações, o famoso “sei, mas mesmo assim...”.Uma forma paradoxal de desconhecimento que em seu movimento leva todo conteúdo conectado à representação recusada, sacrificando uma parte da realidade.

O que é recusado, diz Freud, tende a retornar pela via perceptiva, como alucinação ou delírio. O tipo de angústia típico dessa apresentação do recusado é a inquietante estranheza: justamente no momento histórico em que a Comissão da Verdade apresenta seu relatório e os documentos que comprovam a cara do horror da ditadura militar, algumas manifestações emprestam as cores e formas daquilo que possibilitou o golpe de 64. Mas, um delírio coletivo ainda seria um delírio?

Afirmações desconcertantes por sua violência explícita tornam-se banais: “bandido bom é bandido morto”. As ações policiais militarizadas, na repressão a manifestações “indesejáveis” ou como prática corriqueira nas periferias e favelas, mostram que o país sequer saiu do estado de exceção em seu sentido estrito, como mostra – só para citar o exemplo mais recente e impactante - a sinistra conjunção no tempo entre o assassinato do menino Eduardo, 10 anos, no Morro do Alemão e a aprovação da PEC na CCJ da Câmara para a redução da maioridade penal.


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Fala-se sem cessar em crise - política, moral, e sobretudo econômica. No entanto, Agamben[8] mostrou que a situação de crise no atual estágio do capitalismo não é contingente, mas antes seu modo de funcionar. O uso das palavras crise e economia é deslocado de seu caráter conceitual para impor restrições que as pessoas não teriam motivo para aceitar: “a chamada crise já dura decênios e nada mais é senão o modo normal como funciona o capitalismo em nosso tempo e de sua irracionalidade”.

Na contemporaneidade, o poder soberano dos Estados totalitários do século passado deu lugar a uma nova ordem de poder, mais econômico e funcional, caracterizado menos pela repressão através da violência e mais pela manipulação da opinião pública através da mídia e da televisão, da propaganda que fabrica consensos, em nome dos interesses do mercado. A eficácia deste tipo de poder se comprovaria pelo fato de que regimes que há poucos anos eram ditaduras também o adotaram.

Fundado sobre um modelo de governabilidade que se define como democrática, a nova ordem do poder consiste entretanto em uma espécie de estado de exceção que tornou-se regra, modelo normal de governo, assim como na economia a crise é permanente. As normas de segurança introduzidas após o 11 de setembro são piores do que as que vigoravam sob o fascismo e a tecnologia criou modos de controle inéditos, fazendo de cada cidadão um terrorista potencial.

Isso torna inviável a participação política nas formas conhecidas até então: “o Estado nacional, a participação democrática, os partidos políticos, o direito internacional, sobrevivem hoje apenas como formas vazias”. A nova ordem torna urgente que se redefina integralmente o que pode ser hoje a vida política e inclusive requer novas categorias para pensá-la.


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Dowbor[9] ironiza a noção de homo sapiens, o animal racional que gostaríamos de ser, a visão otimista do homem que embasa a maior parte da teoria econômica e sociológica. A atitude pretensiosa evidenciada até na bíblia (Deus nos criou à sua imagem e semelhança) mostra como a dimensão irracional de nossa inteligência tende a responder mais ao que é agradável do que ao que é verdadeiro. “As raízes interessadas, ideologicamente deformadas do que nos parece verdadeiro são profundamente fincadas em nossas paixões, medos, ódios, sentimentos contraditórios”.

“É preciso muita ignorância, ou seja, desconhecimento (voluntário ou não), para não se dar conta dos desafios reais(...) Um desastre planetário espantoso se evidencia, com dados amplamente comprovados (...) mas a direita e a mídia comercial tendem a negar, como se os gases de efeito estufa fossem de esquerda. (...) O mesmo acontece no plano social. Pesquisas de todos os países mostram que no mundo há uma desigualdade de renda crescente”, cujos números são alarmantes.

Pareceria evidente que a paz política e social e as próprias condições de sobrevivência no planeta - ambientais e econômicas - vem sendo destruídas por uma minoria que muito especula e pouco produz. Ainda assim, “pessoas inteligentes e informadas conseguem ignorar o gigantesco desvio de recursos através dos bancos e culpam o eterno bode expiatório que é o governo - em particular quando ousa melhorar a condição dos pobres. Ainda bem que temos a corrupção para canalizar a atenção e os ódios. Quanto maior o preconceito - raiz emocional que assume a postura antes do entendimento – maior a busca do sentimento de superioridade moral. O ódio, ferramenta dos preconceituosos, pode ser agradável se consegue encobrir o interesse com um véu de ética. Na guerra permanente entre o frágil homo sapiens e o poderoso e arrogante homo ignorans (...) entre os gritos histéricos de extremistas por toda parte – sempre em nome de elevados sentimentos morais e com amplas justificações racionais – o direito ao ódio parece superar todos os outros.”


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Uma pesquisa da qual não gostei por princípio - ah, nossos princípios – atribuía à genética nossas disposições a colocar-nos mais à direita ou à esquerda na política. O medo, uma espécie de quantum de medo, seria determinante para que uma pessoa se posicione de modo conservador na vida e no plano político, em nome da segurança.

Certamente prefiro a definição de Deleuze que, sem entrar no mérito de como isto se dá ou se constrói em cada um, afirma tratar-se de algo da ordem da percepção, valorizando na esquerda uma tendência oposta àquela centrífuga da direita, no modelo do endereço: eu, minha casa, meu bairro, cidade, país, etc. A percepção característica da esquerda ao contrário parte do campo mais amplo até chegar ao eu, de modo que a sensação de conforto depende de um contexto bem mais alargado. Afirma também que a esquerda nada tem a ver com governos, que não existe governo de esquerda, embora haja governos mais dispostos a escutar as reivindicações da esquerda do que outros. E ainda que se caracteriza por ser sempre minoria: singularidades que não se moldam a um padrão dominante que, enquanto padrão, mero esquema, é sempre vazio[10].

E por isso, e porque aquele domingo ainda não terminou, concluo que podemos entrar em pânico, pois amanhã - 12/4/2015 - , tem mais!


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[1] Psicanalista e psiquiatra. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.
[2] Analisando, José Miguel Wisnik: http:/oglobo.globo.com/cultura/analisando-15659271

[3]Vamos precisar de um balde maior, Eliane Brum: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/02/02/opinion/1422883484_909975.html

[4]O governo Dilma não entende de multidão, Antonio Lancetti: http://uninomade.net/tenda/o-governo-dilma-nao-entende-de-multidao/

[5] de Noemi Jaffe.
[6] Aloysio Nunes Ferreira, senador pelo PSDB-SP, ex-candidato a vice na chapa de Aécio Neves nas últimas eleições presidenciais: http://www.valor.com.br/politica/3944096/nao-quero-o-impeachment-quero-ver-dilma-sangrar-diz-tucano
[7] Carlos Alberto Augusto, conhecido como Carlinhos Metralha, ex-agente do Dops tratado como celebridade em manifestação recente, como mostra o vídeo da Revista Trip: https://www.facebook.com/video.php?v=10152760919021238&fref=nf
[8] Giorgio Agamben: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2013/06/deus-nao-morreu-ele-se-tornou-dinheiro.html
[9] Ladislau Dowbor: http://www.revistaforum.com.br/mariafro/2015/03/27/ladislau-dowbor-o-direito-ao-odio-parece-superar-todos-os-outros/
[10] O que é ser de esquerda? Entrevista com Deleuze: https://www.youtube.com/watch?v=AF9EUmkkqx0




 
 
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