PUBLICAÇÕES

    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    34 Junho 2015  
 
 
TEATRO

SOBRE POTESTAD


MARIA CAROLINA ACCIOLY [1]


Potestad é o nome de uma peça escrita por Tato Pavlovsky[2] na década de 80, que já foi adaptada para o cinema e agora está em cartaz no Sesc, dirigida por Pedro Mantovani, e encenada pelos atores Celso Frateschi e Laura Brauer.

A peça não é longa, dura o tempo necessário e possível diante a densidade do tema. O horror e o traumático como efeito psíquico dessas marcas, fragmentos de memórias, que as recentes democracias da América Latina precisam tecer como memória coletiva, como História.

Um dos aspectos que torna mais indigesta a metabolização das violações de Direitos Humanos - perseguições, torturas, desaparecimentos, sequestros, extermínios e exílios - é o fato de que o mal é encarnado em pessoas comuns, como apontou Primo Levi, e que pode ser socialmente aceito e institucionalizado, banalizado, como nomeou Hannah Arendt.

Eu não conhecia o texto da peça, apenas sabia que era sobre a ditadura na Argentina. No início da peça, um homem, um pai atormentado, fixado na repetição da cena traumática de terem-lhe retirado a própria filha, monta e remonta a estética de uma cena, a do último momento em que a viu, quando fora levada de casa por pessoas, que parecem, pelo relato, representantes do Estado, com poder para assim fazê-lo. Há uma projeção, na parede do cômodo onde este pai se encontra, que acompanha a encenação, uma outra cena de um filme em que aparece a filha quando bebê e a mulher. A filha que agora está desaparecida - será ela quem liga e fica em silêncio? A mulher que está deprimida e inconformada. O casal que não mais consegue se encarar.

Nós, expectadores, ficamos tocados e identificados diante deste drama humano. Aos poucos, nos gestos e falas do personagem e no desenvolvimento do texto, percebo as contradições e finalmente me dou conta de que o personagem é um médico aliado aos repressores que, ao ir dar o laudo de morte de um casal que fora torturado e executado, encontra a filhinha de um ano chorando, e a leva para casa, para sua mulher. Reestabelecida a democracia, a menina fora encontrada pelas operações de Direitos Humanos e restituída à família de origem. Identificar-se com alguém que nos causa repulsa, esta é uma experiência provocada pela peça. Identificar que a crueldade é humana.

Um homem que rapta uma criança, que apoia a ditadura, e ao mesmo tempo que se transforma num pai aparentemente amoroso e capaz de sentimentos ternos. É esta "ambiguidade patológica" do repressor que interessa a Tato Pavlovsky e que instiga o elenco da peça na montagem do personagem central. Um homem comum. Uma monstruosidade.

Para saber mais sobre a peça:

http://brasileiros.com.br/2015/04/sesc-pompeia-apresenta-potestad-agora-teatro/

http://dicadeteatro.com.br/potestad-com-celso-frateschi-reestreia-no-agora-teatro-no-dia-4-de-junho-quinta/

Para saber mais sobre crianças sequestradas na ditadura argentina:
https://www.youtube.com/watch?v=wENFC3_P4P4

 

________________________________



[1]Psicanalista, aspirante a membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, integrante da equipe editorial deste Boletim Online.

[2]Eduardo Pavlovsky é psicanalista, ator, diretor e dramaturgo argentino.




 
 
Departamento de Psicanálise - Sedes Sapientiae
Rua Ministro Godoi, 1484 - 05015-900 - Perdizes - São Paulo - Tel:(11) 3866-2753
www.sedes.org.br/Departamentos/Psicanalise/