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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    34 Junho 2015  
 
 
MAL-ESTAR NA CIDADE

OBSCURANTISMO À LUZ DO DIA: NOTAS SOBRE A CÁTEDRA MICHEL FOUCAULT E A FILOSOFIA DO PRESENTE


EQUIPE EDITORIAL DO BOLETIM ONLINE


“Pode parecer um mero problema ligado à vida acadêmica nacional, mas infelizmente é muito mais que isto. Trata-se da expressão perfeita de um sintoma de obscurantismo que parece, aos poucos, tomar conta de setores importantes da sociedade brasileira”.

Assim Vladimir Safatle iniciou o artigo que simplesmente intitulou Obscurantismo publicado na Folha de São Paulo de 12 de maio de 2015, na coluna Opinião. Ali relatou brevemente o que conhecemos através da manifestação do Departamento de Filosofia da PUC-SP de 03 de maio - https://filosofiapucsp.wordpress.com/?s=manifesta%C3%A7%C3%A3o+professores+de+filosofia - em documento intitulado Cátedra Michel Foucault e a filosofia do presente: a negativa do Conselho Superior da Fundação São Paulo à criação da cátedra de um dos mais importantes filósofos do século XX, sob a alegação de que seu pensamento não coadunaria com os valores de uma instituição católica.

Safatle questiona:

“Alguns podem ver nisto certa coerência, como seria coerente, seguindo este mesmo raciocínio, impedir os alunos da PUC terem aula sobre Nietzsche (já que este anunciou a morte de Deus), Freud (que chamou a religião de "o futuro de uma ilusão"), Voltaire (o anticlerical por excelência) ou quiçá mesmo sobre Spinoza (visto pela teologia oficial como a expressão cabal da heresia panteísta).

Mas, se assim for, por que chamar de "universidade" o que, cada vez mais, se aproxima de um seminário católico ou de uma maquinaria de proselitismo religioso? "Universidade" significa espaço livre de saber, no interior do qual podemos oferecer um formação na qual visões em conflito são apresentadas. Por isto, o conteúdo de ensino de uma universidade deve estar livre dos limites impostos pelos interesses de igreja, mercado, Estado ou de qualquer outro poder político.

... e afinal propõe, cristalino: Se a PUC quer seguir tal caminho obscurantista, então ela deve assumir as consequências de sua escolha e abrir mão de sua creditação como universidade”.

Há tempos atrás, na direção de um pensamento transversal, trabalhou na mesma PUC-SP a fundadora do Programa de Pós-Graduação em Filosofia, Laura Fraga de Almeida Sampaio, a Irmã Laura (1926-2014) – posteriormente convidada por Madre Cristina, fundadora do Instituto Sedes, para instalar o Centro de Filosofia do Sedes, em 1979, junto ao qual ensinou Foucault até o fim de sua carreira.

De fato, o antônimo de obscurantismo é sabedoria. Por isto nos alegramos ao encontrar, no site deste Instituto historicamente identificado como sede da sabedoria, o apoio formal ao manifesto dos filósofos da PUC-SP, no qual a diretoria do Sedes “lamenta a espantosa decisão (…) que desconsidera a importância e relevância desse pensador para a compreensão e análise da realidade em que vivemos”.

Se o trabalho de Foucault não isentou a psicanálise de críticas – tampouco de elogios[1]– é desde a fundação de nosso Departamento de Psicanálise que assumimos uma posição de abertura cultural e política e de compromisso social que admite forte influência filosófica[2] - o que incluiu, desde os primórdios, a possibilidade de escutar o diferente[3].

Por isto não espanta que A Cátedra Michel Foucault e a filosofia do presente conte com as assinaturas pessoais de diversos membros de nosso Departamento.



Para saber mais:

Entrevista com Foucault, hoje: https://www.youtube.com/watch?v=9f3keR7NCcI

 

SIM À CÁTEDRA “MICHEL FOUCAULT E A FILOSOFIA DO PRESENTE” NA PUC-SP



O Cardeal de São Paulo, D. Odilo Scherer, e os bispos de sua Arquidiocese, anunciaram recentemente que não autorizam a criação, prevista há quatro anos, da Cátedra “Michel Foucault e a filosofia do presente” na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Essa decisão surpreende profundamente todas e todos aqueles, provenientes de vários países, que desde o início sustentaram essa criação, mas igualmente todas e todos que, na mesma Universidade, trabalharam vigorosamente nesse sentido.

Por ocasião do 7. Colóquio Internacional Michel Foucault, em outubro de 2011, que reuniu na PUC-SP dezenas de especialistas na obra desse pensador e centenas de interessados, foi assinada uma carta de apoio a essa iniciativa. A lista dos signatários incluía membros do Collège International de Philosophie (Paris), da Université Paris VIII, da Université Bordeaux Montaigne, da Universidade Nova de Lisboa, da Universidade Complutense de Madrid, da École Normal Supérieure de Paris, da Universidad San Martin na Argentina, da Universidad de los Andes na Venezuela e da Universidad de Valparaiso no Chile. A iniciativa também teve o apoio ativo do Consulado Geral da França em São Paulo. No mesmo ano, a PUC-SP obteve uma cópia dos arquivos em áudio das aulas de Foucault, fornecidos pelo Collège de France, tornando-se assim a única instituição fora da França habilitada a lhes dar acesso público. Sessões de estudo, seminários, debates sobre livros foram organizados a seguir como trabalho preparatório para a criação da Cátedra, suscitando expectativas e um entusiasmo crescente.

A recusa emitida pelo Conselho Superior da Fundação São Paulo desautoriza as instâncias científicas, filosóficas e pedagógicas que aprovaram a iniciativa. A “liberdade acadêmica”, que está no fundamento da vida universitária, foi atropelada. Contudo, sabe-se que o interesse pela obra de Foucault em todo mundo vai bem além das crenças religiosas, e que numerosos pensadores católicos escreveram sobre ele e nele se inspiraram. Assim, em Paris, quando os arquivos Foucault corriam o risco de serem enviados ao exterior, os dominicanos da Biblioteca du Saulchoir acolheram tais arquivos, permitindo que eles permanecessem na França, no local em que Foucault tinha o hábito de trabalhar por horas a fio. Essa biblioteca, herdeira da tradição católica a mais incontestável e não menos aberta a todos os intelectuais parisienses ou de passagem por Paris, acolhe regularmente apresentações e discussões de livros. Além disso, numerosas pesquisas atuais se debruçam sobre a contribuição de Foucault aos estudos sobre o primeiro cristianismo e seu enraizamento na cultura antiga, em especial o estoicismo. Eis aí uma lucidez histórica, complementar aos estudos do historiador anglo-saxão Peter Brown, da qual todos os estudantes e professores que trabalham sobre os primeiros séculos de nossa era tiraram proveito e continuarão a fazê-lo. Nota-se igualmente que a obra de Foucault, depois de As palavras e as coisas, foi fortemente inspirada por um princípio de compaixão e dedicada à governamentalidade, uma questão que transformaria a modalidade das relações humanas e sua conexão íntima com o Direito. São razões a mais para expressar nossa surpresa diante dessa decisão.

Essa Cátedra, que leva o nome de Michel Foucault, não é dedicada à leitura de seus escritos – que hoje já são parte da cultura clássica. Ela está voltada, sob o impulso não exclusivo de seus trabalhos, como o diz seu título, para uma livre análise, informação e debate sobre questões de filosofia e de vida civil contemporâneas. A recusa de uma tal Cátedra, aberta à atualidade, contradiz a deontologia universitária assim como seu fundamento. A Universidade seria sua primeira vítima. Para além dos professores, estudantes e pesquisadores, é a opinião pública brasileira que com isso se sente afetada. Fomos testemunhas de seus protestos.

Entretanto, todos mantêm a esperança de que o Conselho de bispos renunciará em exercer essa forma de censura e reconsiderará sua recusa. A direção acadêmica da PUC-SP recorreu da decisão. Doravante, cabe à comunidade internacional mostrar que também ela apoia a criação da Cátedra “Michel Foucault e a filosofia do presente”. É o que já faziam os signatários da carta de apoio de outubro de 2011, que convidavam todas e todos que estão comprometidos com o livre exercício do pensamento a juntar-se a eles.

Assinaturas em: http://foucault.lrdsign.com


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[1]Cf. “Entre o elogio e a crítica”, Ernani Chaves em:

[2]Cf. “Apresentação do Departamento de Psicanálise” In: Guia do Departamento de Psicanálise 2010-2011. São Paulo: Imageria Estúdio , 2012.

[3]Cf. o episódio de 1979 em torno da conferência de Félix Guattari, relatado à página 125 do livro História do Departamento de Psicanálise. São Paulo: Narrativa Um, 2006.




 
 
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