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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    35 Agosto 2015  
 
 
NOTÍCIAS DO SEDES

VIII CONVERSA PÚBLICA CLÍNICA DO TESTEMUNHO INSTITUTO SEDES SAPIENTIAE


EQUIPE EDITORIAL DO BOLETIM ONLINE



No dia 27 de agosto de 2015, às 19h00, ocorreu no auditório do Sedes a oitava Conversa Pública da Clínica do Testemunho Sedes Sapientiae. Este encontro teve como tema Lei da Anistia: uma luta que continua. Estavam presentes à mesa debatedora Irmã Pompéa Maria Bernasconi (membro da diretoria do Sedes), Maria Cristina Ocariz (psicanalista, professora e coordenadora da Clínica do Testemunho do Sedes), Paulo Abrão (presidente da Comissão de Anistia), Renan Quinalha (advogado especialista em Direitos Humanos e assessor da Comissão da Verdade de São Paulo) e Miriam Chnaiderman (psicanalista e documentarista). Na ocasião foi exibido o documentário O grito silenciado., dirigido por Miriam Chnaiderman em torno do trabalho realizado ao longo de três anos pela equipe de terapeutas-pesquisadoras. Realizou-se também o lançamento do livro Violência de Estado na ditadura civil-militar brasileira (1964-1985): efeitos psíquicos e testemunhos clínicos, organizado por Maria Cristina Ocariz e produto deste mesmo trabalho.

O evento foi aberto pela Irmã Pompéa, que comemorou o 36º aniversário da Lei da Anistia, embora lamentando que esta anistiou a ditadura, “enquanto nós continuamos na luta”. Cristina Ocariz falou da gratificação de fazer parte deste projeto, da enorme mobilização gerada pelo edital no Sedes e do valor do dispositivo representado pelas Conversas Públicas como possibilidade de que o horror vivido seja compartilhado. Relembrou as palavras de Jean Claude Rolland, psicanalista do Frei Tito, quando afirma que “se há um lugar onde o destino pode ser contrariado, onde o curso das coisas possa ser revertido esse lugar é o da palavra”.

Para ilustrar aquilo que denomina “restos da ditadura”, Renan Quinalha contou brevemente duas histórias, uma em que um pai de cinco filhos é retirado de sua casa e levado a um centro de detenção onde sofre sufocamentos e choques elétricos, e acaba morrendo; outra, em que um servente de pedreiro é levado a uma unidade policial onde é torturado por três horas seguidas e depois desaparece. Comenta como embora mais de quarenta anos separem estas histórias – cujos protagonistas são, respectivamente, Rubens Paiva e Amarildo Dias de Souza – e a primeira tenha ocorrido durante a ditadura e a segunda na democracia, o resultado é o mesmo: dois homens desaparecem nas mãos de agentes de segurança do Estado. Por conta da permanência de casos deste tipo e de suas sequelas sobre as subjetividades, afirma a importância de programas de reparação integral, que levem em conta as questões psíquicas, e de Comissões da Verdade, apesar da falta de colaboração dos setores militares. Quanto à Lei da Anistia, acredita que não houve acordo entre partes equânimes, mas sim uma imposição da ditadura.

Já Paulo Abrão comemorou o êxito do projeto, afirmando o valor das Redes das Clínicas do Testemunho. Mesmo que juridicamente por vezes não se possa avançar muito, por falta de provas e de colaboração dos militares, é fundamental que se possa chegar a atos de reconhecimento por parte do Estado. As Clínicas de Testemunho podem passar a assumir novas tarefas, como suporte às Comissões da Verdade e de capacitação de agentes públicos para lidar com vítimas da violência. No momento em que vivemos, com o avanço do conservadorismo[1], faz-se necessário esquecer as diferenças e resgatar a confiança. Para Abrão, renovar o edital das Clínicas do Testemunho é renovar espaços de esperança, pois são instrumentos de luta, de militância[2].

Depois da exibição do documentário, produzido para circular pela internet, Miriam Chnaiderman situou-o como um primeiro esboço do que será o trabalho de composição de um futuro filme para o cinema, de previstos 15 minutos de duração. Contou sobre sua preocupação em situar o espectador na história dos anos de chumbo, além de filmar as atividades da Clínica. Não pode registrar os atendimentos, mas captou bastante material filmado nas Conversas Públicas, passando a frequentar os encontros e a ser reconhecida como parte do grupo, o que permitiu-lhe testemunhar o efeito disruptivo do reconhecimento pelo outro daquilo que se viveu.

A conversa que se seguiu com o público, embora referida ao período da ditadura, girou basicamente em torno da violência do presente. Naquele mesmo dia, fora anunciada a 19ª morte da chacina (uma menina de 15 anos) ocorrida em Osasco e Barueri, o até então único policial denunciado e preso estava em vias de ser solto e várias pessoas presentes lembraram este fato, lamentando a tímida manifestação de indignação da sociedade a respeito deste horror ou até mesmo manifestações de apoio a estes assassinatos, na linha do “bandido bom é bandido morto”[3]. Ao que tudo indica, como herança de uma sociedade escravocrata[4], existe até hoje uma cultura da violência que se manifesta na segurança pública e precisa ser combatida por um trabalho que atue também na formação dos policiais e não admita extermínio nem tortura, seja nas delegacias seja no sistema penitenciário[5]. É preciso que haja um debate público sobre Direitos Humanos, trazendo a fala de quem nunca pode falar, debate de que as Conversas Públicas são um exemplo fundamental.




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[1]A respeito deste conservadorismo e justificativa da violência, Paulo Abrão nomeou uma interessante nota oficial da PM paulista. http://amai.org.br/site/noticias/detalhes/1030/A

[2]O edital da II chamada pública do projeto Clínicas do testemunho se encontra disponível em: http://www.justica.gov.br/Acesso/licitacoes-e-contratos/edital-de-chamamento-publico/editais-2015/edital-ct-final.pdf

[3]http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/08/1668743-saiba-quem-sao-os-mortos-na-maior-chacina-do-ano-em-sp.shtml.

[4]Um ótimo exemplo recente da ambiguidade do racismo à brasileira http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/09/1678124-o-viral-e-o-cronico.shtml

[5]Sobre este tema, entre outros, o leitor pode seguir o link https://anistia.org.br/imprensa/na-midia/letalidade-da-pm-e-escandalosa-diz-diretor-da-anistia-internacional-br/.




 
 
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