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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    36 Novembro 2015  
 
 
NOTÍCIAS DO SEDES

No intuito de promover o intercâmbio entre diferentes setores do Sedes, divulgar os textos aqui produzidos e criar um espaço de discussão sobre a arte e o sentido da escrita, aconteceu no dia 26 de setembro o I Encontro de Autores do Sedes. Em meio a muitos livros, a Biblioteca, a Secretaria, o setor de Logística, a Diretoria do Instituto e diversos autores marcaram presença para inaugurar uma proposta que cartografa a produção da comunidade.  O Boletim Online publica a seguir a intervenção realizada pela professora Áurea Rampazzo, convidada a desencadear uma conversa com quem gosta de escrever. 

 

 

 

CONVERSA AO PÉ DA LINGUAGEM

 

ÁUREA RAMPAZZO[1]


Escrevo meus poemas procurando o rumor das palavras mais do que o significado delas. Penso que rimo por dentro, e isso é coisa ínsita, não dá em madeira. Meu processo de escrever é ir desbastando a palavra até os seus murmúrios e ali encaixar o que tenho em mim de desencontros. Isso produz uma coisa original como um dia ser árvore. Trabalho às vezes dias inteiros para pescar um verso que fique em pé.
Manoel de Barros



O que posso falar sobre o tema do encontro passa necessariamente por minha experiência de trabalho. Não sou escritora, sou professora. O meu trabalho é baseado na metodologia desenvolvida por Gílson Rampazzo, pioneiro há 40 anos nas oficinas de escrita do Colégio Equipe e do Museu Lasar Segall.

Essa metodologia tem por linha mestra o processo contínuo de escrita de diversas formas literárias. A proposta é oferecer às pessoas que desejam iniciar-se ou aperfeiçoar-se na escrita um espaço de produção, leitura e reflexão.

Com o tempo esse trabalho foi se configurando em duas frentes: os cursos de iniciação literária e a oficina de criação literária. Os cursos são introdutórios à metodologia e pré-requisito para a frequência nas oficinas, têm por objetivo apresentar  recursos linguísticos que contribuem para a maior expressividade do texto, especificar-lhes a natureza e a importância  em determinada forma (poema, crônica ou conto), possibilitando a aquisição de técnicas de criação poética que tornem mais íntima a relação do aluno com a palavra.

Em relação à produção de textos, parte-se de dois pressupostos básicos:

a) O processo de escrita deve fugir à tentação de ser um processo de clonagem de outro texto. Escrever não é imitação fotográfica de formas e de conteúdos consagrados, decalque estilístico dos autores mais célebres ou qualquer outro processo figurativo fundado na reprodução servil do texto alheio. A escrita de um conto, por exemplo, não seria a repetição do que é "estilisticamente válido" em outro, mas uma resposta pessoal a certas propostas. Quando se refere, criticamente, a temas, situações, personagens, dizeres ou a elementos diversos pertencentes à tradição literária ou à vida prosaica, a escrita revela, apenas, ser um processo polifônico de sistematização do saber, cujo caráter interdiscursivo é, ao mesmo tempo, movimento de evocação e de recriação da tradição literária.

b) Apresentar a escrita antes de qualquer teorização permite ao aluno aprender/apreender, na prática, de acordo com orientações explícitas nas propostas, a lidar com certos recursos expressivos.

Em todo esse processo, procura-se desmistificar a ideia de que o bom texto é prerrogativa de escritores. A ideia é a de que todos podem escrever bem. Por outro lado, a pretensão não é a de formar “escritores”, no sentido profissional da palavra. 

O que se pretende é o experimento do potencial criativo de cada um por intermédio da palavra escrita. O objetivo é que as pessoas experimentem e exercitem um potencial criativo que muitas nem sabem que têm e que se acostumem com a crítica. Ou seja, adquiram um referencial não apenas criativo do fazer, mas também um referencial crítico. O processo de escrita, leitura e de percepção crítica é um todo concentrado ao mesmo tempo individual (pois há um “eu” que escreve) e coletivo (pois há “outros” que ouvem e agem criticamente sobre este material escrito), havendo, pois, várias vozes discursivas em contínuo intercâmbio. A escrita, assim, é dialógica, prevendo não um “eu” particularíssimo, a sós em seu texto, mas comungando com outros uma experiência, que pode ser única, mas deve ser universal.

Como o trabalho se estrutura: a metodologia

Acreditamos que os caminhos que levam uma pessoa a desenvolver a escrita passam por um compromisso de trabalho com a linguagem. Por isso a iniciação é sempre feita com  a escrita do poema. Essa opção tem, entre outras vantagens, a de romper com mecanismos estereotipados de escrita e revelar que é possível apropriar-se da linguagem de forma mais pessoal.

O poema utiliza como conteúdo a nossa vivência - o conjunto de experiências, conhecimentos e afetos de cada um. Mas a essência do poema não está no próprio assunto, na expressão do sentimento. Poema é palavra, é linguagem.  No poema, a língua ultrapassa sua função meramente comunicativa e outras  potencialidades da linguagem se evidenciam: a conotação, a metáfora, a sonoridade, o ritmo. Enfim, é uma  maneira peculiar, estranha, nova, artística, criativa, de expressão.

O poema exige que se assuma, como princípio básico, o sentido original da palavra poeta: aquele que faz. Faz o quê? Aquele que faz linguagem. A matéria-prima é a linguagem: o poeta não trabalha com a linguagem, mas, sim, a linguagem e, deste foco, seu itinerário afasta-se cada vez mais da linguagem informativa, utilitária, cuja função principal é comunicar ideias e conteúdos.

Em uso comercial, a linguagem é "decifrada", "inteligível"; no plano poético, a linguagem se debruça sobre si mesma e constrói múltiplas teias de sentido.

Desde a infância somos condicionados a usar a linguagem no sentido utilitário. A escrita literária permite o reencontro da matéria de sentimentos, emoções e vivências que chamamos de intuição poética e que muitas vezes se desgarrou de nós. Desse modo, recuperar a intuição poética é voltar ao momento da linguagem em estado puro.

Nessa busca, os exercícios que fazemos na construção do poema, e que se apoiam nas associações sonoras, nos trava-línguas e na criação de imagens, são um jeito de nos transportar à infância da linguagem.

O que observo?

  • Pessoas mais sensíveis,  com uma visão mais ampla de si e de situações que envolvam as palavras.
  • Que o prazer da leitura aumenta, o potencial de leitura se amplia, por causa de uma abertura mais crítica que esse trabalho com a palavra propicia.

 

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[1]Coordenadora das Oficinas de Criação Literária do Museu Lasar Segall e da Fundação Ema Klabin.




 
 
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