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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    36 Novembro 2015  
 
 
HOMENAGEM

Homenagem - MULTIPLICANDO TATO PAVLOVSKY


PEDRO MASCARENHAS[1]



No dia 4 de outubro de 2015 faleceu Eduardo - Tato - Pavlovsky, aos 81 anos, ator, autor de peças teatrais, médico, psicanalista e psicodramatista.

Meu contato pessoal com ele se deu a partir de seus textos sobre psicodrama e mais particularmente na experiência direta, vivencial com diversos trabalhos sobre multiplicação dramática. Com ele aprendi muito.

 

Em maio de 2013, eu estava andando de taxi em Buenos Aires e falei para o motorista que eu estava ali para participar de um congresso de psicodrama, e então o motorista perguntou: "Conhece Tato Pavlovsky?" Eu fiquei atônito. Como ele é tão popular assim? Brasil e Argentina, países tão próximos e que se desconhecem tanto…


A obra de Pavlovsky abrange diversos gêneros, indo desde a reflexão sobre a Psicanálise, a Psicoterapia de grupo, o Psicodrama, a Multiplicação dramática e diversas obras de Teatro (cerca de vinte), algumas delas filmadas (cerca de nove)[2] . Podemos encontrar alguns destes filmes no Youtube, onde também se encontram algumas entrevistas com Tato. É um dos principais nomes do teatro argentino e mundial. Entre diversos outros prêmios recebidos por ele, em 2004 foi premiado com o Dionísio de honra, durante o III Festival Latino de Los Angeles, pela importância de sua obra em toda a América Latina. Seu trabalho, como autor de teatro, além de reconhecido internacionalmente, é estudado em universidades européias e norteamericanas. (Pavlovsky, 2008)

Entre suas publicações, a Psicoterapia de grupo en niños y adolescentes foi o primeiro livro em castelhano sobre o tema, em 1967. Dedicado a dois médicos que o influenciaram muito: Marie Langer e Ernesto Che Guevara. Nele Tato ressalta o jogo como intento de elaborar situações traumáticas e ao mesmo tempo como expressão da potência criadora da parte do eu livre de conflitos. E acrescenta:

"Penso que como terapeuta em geral prestamos pouca atenção a este segundo nível; é algo parecido ao que pode ocorrer frente a uma obra de arte quando buscamos o significado profundo da expressão artística e perdemos facilmente o prazer estético e harmônico da mesma." (Pavlovsky, 1973)

Esta experiência de grupo no Hospital de Niños marcou profundamente suas concepções a respeito da dramaturgia, seja para o psicodrama seja para a sua produção teatral.

Veio de uma família da classe média alta, relacionada com a medicina e com o esporte. Diplomou-se como médico em 1955, com 22 anos. E aos poucos foi percebendo que sua vocação não era médica. Logo dirigiu-se para a formação em psicanálise, entrando para a Associação Psicanalítica Argentina (APA) em 1958, onde tornou-se membro titular em 1967.

Em 1962 viajou a Nova York onde conheceu J. L. Moreno e realizou sua formação psicodramática junto com Jaime Rojas Bermudez e Carlos Martinez Bouquet. Voltaram para Buenos Aires e fundaram a Associação Argentina de Psicodrama em 1963. Em 1969 renunciou a esta associação por motivos ideológicos. Simultaneamente estudou e começou a escrever teatro.

O MOVIMENTO PLATAFORMA

Por volta de 1970 renunciou à APA e fundou, junto com outros companheiros, o Movimento Plataforma, associando-se ao Movimento Plataforma Internacional. Foram seus companheiros neste momento: García Reinoso, Mimí Langer, Emilio Rodrigué, Fernando Ulloa, Rafael Paz, Juan Carlos Volnovich, Armando Bauleo, Hernán Kesselman, Gregorio Baremblitt, Miguel Matrajt, Osvaldo Saidon e muitos outros. O Movimento Plataforma foi um divisor de águas na APA. Assim Tato se refere ao movimento:

 "Nos reuníamos às quintas-feiras na casa de Gregório Baremblitt, com a finalidade de ir consolidando uma maneira própria de pensar. Naturalmente que o eixo fundamental era José Bleger. Ele era o inspirador, mas participou pouco, embora integrado ao grupo. Os psicanalistas que nos anos 60 haviam  tido inquietações sociais, tinham afinidades com este grupo. (…) A maioria eram marxistas ou peronistas revolucionários. Foi um movimento desordenado, caótico, mas se constituiu num espaço fundante.... Foi um movimento ético, que enuncia um malestar, que corresponde a um social histórico determinado que questiona o papel do psicanalista em relação à sua formação na instituição e a sua projeção social... Depois se dissolveu, mas não importa. Foi a enunciação que teve relevância. Para mim Plataforma foi um modelo de ruptura ético-ideológica, queriamos introduzir e colocar a psicanálise na nossa realidade histórica e social... Neste momento, um pouco antes, Lacan se separava da Internacional (IPA). Foi algo como o Teatro Aberto. Fracassou, depois que apareceu. Cada um de nós seguiu com seu campo de experiência, mas tanto Plataforma como Teatro Aberto foram produções de novas subjetividades, acontecimentos dentro da cultura. Um rompimento com a 'igreja psicanalítica'. Foi destruída pela ditadura e pela aparição do lacanismo, outra igreja. Plataforma era uma posição ideológica e micropolítica de questionamento da organização institucional psicanalítica, a forma como se transmitia a psicanálise... Não havia diferenças teóricas. Plataforma foi uma encarnação da subjetividade dos anos setenta, que também gerou o Teatro Aberto." (Pavlovsky, 2001)

Nesta época, início da década de setenta, Tato se filiou ao Partido Socialista dos Trabalhadores e foi candidato a deputado em 1973 por este partido e pelo Movimento ao Socialismo. Uma militância trotskista.

Como homem de teatro continuou a escrever e a trabalhar como ator em suas peças. Sr. Galindez sofreu um atentado no teatro Paiol em 1974.Telerañas foi proibida pelo governo militar. Em 1978 se exilou na Espanha, onde trabalhou na formação de psicoterapeutas de grupo junto com Hernán Kesselman. Voltou à Argentina em 1980, sempre continuando com sua produção de peças teatrais e na formação de psicoterapeutas de grupo. Fundou em 1985 o Centro de Psicodrama Psicanalítico Grupal (CPPG).

A escola de psicodrama psicanalítico argentina se diferencia da francesa. Principalmente pelo lugar que a edipização tem no seu referencial. A leitura do grupo não está atravessada somente pela problemática edípica, mas também por outras determinações das formações imaginárias grupais. A rede de identificações cruzadas, as ilusões e os mitos grupais e institucionais. A cena do contexto dramático e também a do contexto grupal convocam toda a fantasmática dos indivíduos. Compreendê-la e ver a implicação de cada integrante é a tarefa fundamental dos grupos psicodramáticos. Isto é o que Pavlovsky chama de concepção dramática da psicoterapia ou, em outras palavras, o conceito de cena - que vai além do indivíduo ou do grupo - é a marca específica do seu trabalho, junto com a concepção estética e o estudo da criatividade. (Pavlovsky, 1988)


O TEATRO DE PAVLOVSKY

As peças de Tato se referem à história argentina contemporânea, mas não são denúncias locais. São situações que representam muito nossa realidade latinoamericana. Ele representa muitas figuras odiáveis como o torturador, o raptor de menores das famílias dos militantes urbanos, como também a devastação resultante de políticas sócio econômicas excludentes. Ele entra no circuito de afetos destes personagens, para conhecer sua lógica e suas contradições. Cria possibilidades da plateia se identificar com estas figuras odiosas e assim reconhecer estas figuras dentro de si mesmas. A tortura é apresentada como produção de subjetividade tanto no interior dos aparatos repressivos como no seio da sociedade que sustenta estas práticas, através do silêncio e de outras formas.

Recentemente, de 10 de Abril a 17 de Maio de 2015, aqui em são Paulo, tivemos a oportunidade de ver a apresentação de Potestad no Teatro do SESC Pompéia, tendo como  atores Celso Frateschi e Laura Brauer e como diretor Pedro Mantovani[3] . Tato assim se refere a ela:

"Quando em 1985 me veio à cabeça escrever minha peça Potestad, o fiz para refletir o drama humano dos raptores de crianças da ditadura. Pensei na ambiguidade do drama do repressor em situação limite...em Potestad tentei mostrar o sofrimento de um médico do aparato repressivo que, não podendo ter um filho com sua mulher, roubou uma menina numa operação em que participou fazendo o laudo de morte de seus pais. Mais tarde, durante a democracia, as forças legais e as operações de direitos humanos restituiram a menina roubada à sua família de origem. Para evitar estereótipos, como ator, tive de saber me identificar com os sentimentos ternos desses ladrões de crianças, porque se não o faço não posso criar a ambiguidade patológica desse tipo de personagem. Porque é a ambiguidade do repressor que me interessa. (...) A sofisticação da repressão na América Latina faz com que o inimigo seja cada vez mais parecido conosco." (Pavlovsky, 1999)

A partir de 1975, ainda na Argentina, Tato iniciou uma nova etapa no seu trabalho, com a formação de coordenadores grupais em psicodrama. Trabalha junto com Hernán Kesselman e Luis Frydlewsky. Com o exílio, em 1978, este trabalho continuou na Espanha. Ele está sintetizado no livro Las Escenas Temidas del Coordenador de Grupo. Nele, ressalta a influência do coordenador nos coordenados; sem deixar de lado os coordenados se cria uma metodologia para a investigação sobre os conflitos básicos dos coordenadores. Se reunem coordenadores de grupo para compartilhar junto, dramaticamente, as cenas cotidianas de nossos conflitos como coordenadores. A ideia era criar uma cartografia dos medos dos coordenadores. Dramatizava-se em pequenos grupos a cena temida de cada coordenador e se trabalhava em conjunto com o grupo. Este compartilhar tem como resultado um alívio, afastando-nos da visão monocular narcísica e secreta de cada um.

Nesta nova fase a ideia central desenvolvida são os novos conceitos do campo da estética, da micropolítica, da produção de subjetividade ao trabalho grupal e particularmente à clínica. Somando-se aos referenciais psicanalíticos um espaço de desenvolvimento de experimentações.

A este trabalho seguiu-se a criação da metodologia da Multiplicação dramática, onde se desenvolve a ideia de trabalhar as histórias narrradas nos grupos com a ressonância de outras histórias que podem ser criadas por cada integrante. Estas histórias são puro devenir, são acontecimentos inéditos. O livro Multiplicação dramática foi publicado em 1989 e traduzido para o português em 1991. Escrevi o prefácio para a edição brasileira deste livro (Kesselman & Pavlovsky, 1991). Em 1995 apresentei o trabalho Multiplicação dramática, uma poética do psicodrama junto à sociedade de Psicodrama de São Paulo (Mascarenhas, 1995).

Pouco depois de voltar do exílio, em 1980, Tato fundou em 1983 uma revista-livro Lo Grupal publicando dez números entre 1983 e 1993. Nela Tato almeja dar vazão a toda uma produção que vários companheiros de exílio vinham fazendo com uma semelhança ideológica e micropolítica muito grande, de certa maneira retomando os princípios do Movimento Plataforma e assim mostrando a multiplicidade da psicanálise institucional e grupal. Nesta publicação se reunia um conjunto de profissionais argentinos que trabalhavam a partir da psicanálise, ou fora dela, com uma específica orientação ideológica nos campos grupais, sociais, institucionais, comunitárias e culturais.

"EU ERA DELEUZIANO E NÃO SABIA"

Em 1986, vinte anos depois de escrever o livro Psicoterapia de grupo en niños y adolescentes, citado anteriormente, Tato, depois de novamente o ler, ressitua seu trabalho e assim se expressa:

"Potência de atuar é um conceito spinozista ou talvez deleuziano-guattariano....As crianças não só podiam modificar-se através das elaborações transferenciais edípicas com os coterapeutas (familiarismo) como também através de novas formas de individuação - novas máquinas desejantes que se criavam entre eles. Uma criança fóbica, assustada, em um grupo, imprevistamente se acoplava com um obsessivo e um impulsivo criando entre os três um jogo de bom nível criativo, que não podia explicar-se através de nossas concepções psicanalíticas habituais. Se criava um mais além... Desbloqueios de intensidades. Registros de novas ordens. Sabíamos que nossa presença transferencial facilitava parte do processo, mas não devíamos interferir, somente acompanhá-los... A capacidade de poder desenvolver no grupo a capacidade imaginativa se converteu em um verdadeiro instrumento terapêutico. A experiência do jogo. Entre a potência dos seus corpos. O terceiro que se criava entre eles não se podia atribuir a alguém em particular. A nova produção era irreconhecível de autoria. Sem rostidade própria, (...) fenômenos clínicos relacionados com a criatividade das crianças, nos grupos terapêuticos. Jogos que não iam a nenhuma parte - sem rumo fixo - fugazes. Pequenos estalidos de "acontecimentos", fenômenos cambaleantes. Balbuciantes. Eramos deleuzianos sem sabê-lo. Sempre "entre" o teatro - a psicoanálise - o psicodrama - a política. Ninguém explicou melhor minha identidade que a máquina Deleuze-Guattari. Se acabou o fenômeno "o" das máquinas binárias. O médico, o ator, o psicanalista, o psicodramatista. Eu era disjuntivo: e, e, e, Deslizando sempre. Devenindo. "Neste trabalho com as crianças "só podiamos seguir a ordem caótica e rizomática das sessões. Pensávamos intuitivamente que a desordem, o caos tinha suas próprias leis ...não havia fenômenos narrativos nas sessões-história... hoje diríamos que eram fenômenos moleculares de grande intensidade. Rascunhos de intensidade. Linhas de fuga. Explosões de crise. Coleções de sensações. (...) O protagônico era a produção de subjetividade de fenômenos de caos e desordem. Logo começavam a estruturar papéis e a jogá-los. A agressividade descontrolada deu passagem ao simbólico. Os primeiros jogos criaram o psicodrama. Eles me ensinaram o fenômeno psicodramático. Depois conheci Moreno. O mesmo processo com Deleuze e Guattari. Primeiro sempre foi a observação clínica dos fenômenos grupais."(Pavlovsky, Kesselman, & De Brasi, 1996) "A Multiplicação Dramática é também um frondoso rizoma arborescente deleuziano da clínica grupal."(Pavlovsky, 1999).

 

Obrigado Tato, por tudo e até sempre.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Kesselman, H., & Pavlovsky, E. (1991). A multiplicação dramática. São Paulo: Editora Hucitec.
Mascarenhas, P. (1995). Multiplicação dramática, uma poética do psicodrama. (credenciamento para prof. supervisor), São Paulo.  
Pavlovsky, E. (1973). Psicoterapia de grupo en niños y adolescentes (2 ed.). Buenos Aires: Centro Editor de America Latina.
Pavlovsky, E. (1988). Psicodrama analitico. Su historia. Reflexiones sobre los movimentos frances y argentino. In E. c. g. Pavlovsky, H. Kesselman, G. Baremblitt & J. C. D. Brasi (Eds.), Lo Grupal (Vol. 6, pp. 11-54). Buenos Aires: Busqueda.
Pavlovsky, E. (1999). Micropolítica de la resistencia. Buenos Aires: Eudeba.
Pavlovsky, E. (2001). La ética del cuerpo (1 ed.). Buenos Aires: Atuel.
Pavlovsky, E. (2008). O teatro de Eduardo Pavlovsky. Rio de Janeiro: Solar das metamorfoses.
Pavlovsky, E., Kesselman, H., & De Brasi, J. C. (1996). Escenas multiplicidad (estetica y micropolitica) (1 ed.). Buenos Aires: Busqueda.Obrigado Tato, por tudo e até sempre.

 

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[1]Psicodramatista e psicanalista. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.
[2] Um levantamento das publicações de Tato até 2001, em todas as áreas, se encontra no seguinte arquivo: Bibliografia Pavlovsky
[3] Cf. Accioly, M. C. Sobre Potestad. Boletim Online 34, junho de 2015 (NE).

 




 
 
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