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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    36 Novembro 2015  
 
 
ARTE

FRIDA KAHLO E O AUTORRETRATO: A BUSCA POR RECONHECER-SE


TIDE SETÚBAL [1]



A exposição Frida Kahlo – conexões entre mulheres surrealistas no México acontece atualmente no Instituto Tomie Ohtake e ficará em cartaz até o dia 10 de janeiro de 2016. Essa é uma exposição de artistas mulheres mexicanas, muitas delas reconhecidas anteriormente como esposas desse ou daquele artista e não como elas mesmas artistas de valor. Esse também foi o caso de Frida Kahlo que, sendo esposa de Diego Rivera, não teve na sua época o devido reconhecimento pela sua extraordinária obra. Nessa mostra, portanto, as mulheres estão no centro do palco, podendo expor as suas telas carregadas de intensidade, beleza e sofrimento.

Os quadros são abertamente lindos, cheios de cores, detalhes, vivacidade. Um tom surrealista atravessa de diferentes formas e intensidades cada uma das artistas. Os quatro principais eixos nos trabalhos expostos são: a identidade, a cultura mexicana, o feminino e a expressão de conflitivas psíquicas.
 
A temática da identidade se faz presente nas muitas telas que são autorretratos ou retratos de outras mulheres. Na obra de Frida, especialmente, são inúmeras as telas nas quais ela se figura. A busca por uma imagem na qual pudesse reconhecer-se aparece com tal insistência e intensidade que nos coloca para pensar o que ela buscava. Qual o sentido de se pintar e se repintar tantas e inúmeras vezes? Por que ela recobriu sua casa de espelhos que não a deixavam esquecer de si ou talvez ainda a deixavam invadida por si mesma? 

Para uma leitura da obra de Frida e dessas outras artistas mulheres, não podemos deixar de levar em conta o momento histórico no qual elas viviam. Frida viveu entre 1907 e 1954 numa sociedade patriarcal, na qual as mulheres tinham pouco espaço público para ocupar. Nesse sentido, será que poder pintar-se era uma forma de se fazer enxergar, numa demarcação ativa de um território feminino? A busca de uma voz, de um espaço para as mulheres, parece atravessar tanto as telas quanto a relação entre elas. Essas mulheres desempenharam um papel fundamental na promoção e divulgação uma das outras, numa espécie de parceria cooperativa por mais visibilidade através de jornais, exposições e galerias.

Em segundo lugar, temos que considerar a história de vida pessoal de cada uma delas. Olhando especificamente para a história de Frida vemos como ela atravessou completamente sua obra. Fatos como o de que aos 6 anos contraiu poliomielite, deixando-a com uma lesão no pé direito e, posteriormente, aos 18 anos, quando sofreu um grave acidente que a deixou com importantes sequelas corporais, são absolutamente determinantes. O corpo que transborda dor e sofrimento, o sangue, os órgãos expostos, a cama, a caveira-morte gritam nos seus quadros. A pintura de Frida é antes de tudo uma estratégia de vida. A busca por expressar sua dor física e seus intensos conflitos emocionais era uma maneira de poder continuar a viver. Nas suas palavras: “Pensaram que eu era surrealista, mas nunca fui. Nunca pintei sonhos, só pintei a minha própria realidade.”

Pintar-se, portanto, para dar sentido a sua imagem, a sua vida, a sua dor. Pintar-se através de sua cultura, expressando algo que a constituía. Pintar-se  com roupas, brincos, colares, adereços, cores e flores. Pintar-se inserida nas temáticas femininas, no interior das casas, das relações amorosas, das famílias rodeadas pelos filhos ou, no caso de Frida, com os filhos que tantas vezes ela abortou devido às consequências do acidente, recobrindo-a com uma dor imensa de não poder ter sido mãe. O pintar-se de Frida aconteceu, então, através dos quadros de cores fortes, francas e marcantes que recobriam todo o corpo.

Mulheres, deusas das flores, expressando a força de uma vida carregada pela beleza, pela paixão, e pela dor. São imagens repletas de sentidos, numa estética densa, profunda e feminina, na qual a força e a fragilidade estão entrelaçadas.

 

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[1]Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise, integrante da equipe editorial deste Boletim.




 
 
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