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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    44 Novembro 2017  
 
 
O MUNDO, HOJE

DUAS CONFERÊNCIAS NA CIDADE


ELAINE ARMENIO [1]



I. Algumas notas livres sobre Levantes: imagens e sons como forma de luta, Conferência de Didi-Huberman

Um céu sombrio, com nuvens carregadas, cor cinza chumbo, pesado, representa imageticamente tempos sombrios, tempos de opressão e horizontes sem perspectivas.

Quando os problemas se avolumam, quando vemos crescer as ameaças, quando os desmandos se intensificam nas muitas propostas de leis no Brasil: leis que abrandam a regulamentação contra o trabalho escravo, que retiram direitos do trabalhador; quando a corrupção não tem medida, quando surgem tentativas de franquear território da Amazônia para o garimpo... Quando o presidente e seus aliados são sistematicamente incriminados e conseguem embargar as denúncias, quando as riquezas do país são leiloadas... parece mesmo que o céu vai cair sobre nossas cabeças.

Logo na entrada da exposição Levantes nos deparamos com três grandes fotos de um céu azul aberto de leveza. Em cada uma deles dança, voa um objeto: um saco plástico em uma, nas outras folhas de jornal[2]...

Os levantes são movimentos coletivos que lutam contra a opressão, que se opõem ao subjugamento autoritário, buscam possibilidades de horizontes, se contrapõem ao governo instituído no abuso de poder. Elevam-se, irrompem nas ruas com bandeiras, cantos, cartazes na luta contra as explorações e injustiças, contra os desmandos, reivindicam novas formas de governo, melhores condições de vida. E se arriscam.

A política é encenada, escreve Hannah Arendt nos seus escritos políticos. Nas manifestações há invenções de imagens, sons, discursos, músicas. Como pudemos ver nas várias manifestações dos últimos tempos no Brasil e no mundo. Como apresentou Nayra Ganhito, nossa colega no Departamento de Psicanálise, num trabalho de texto com projeções de vídeos, fotos, um trabalho muito interessante, complexo e bonito sobre os últimos movimentos em SP e no Brasil no Entretantos II e intitulado: Estéticas dos protesto e resistências no Brasil atual.

Exposição Levantes, curadoria de Georges Didi-Hubeman no Sesc Pinheiros até o dia 28 de janeiro de 2018.

Conferência de Georges Didi-Huberman: Imagens e sons como forma de luta aconteceu no dia 17 de outubro de 2017 no Sesc Pinheiros. Disponibilizada em vídeo no Youtube com e sem tradução simultânea: https://www.sescsp.org.br/online/artigo/11440_LEVANTES+IMAGENS+E+SONS+COMO+FORMA+DE+LUTA .

II. Notas sobre a conferência de Pierre Dardot e lançamento do livro: Comum: ensaios sobre a revolução no século XXI de Christian Laval e Pierre Dardot

A concepção de Comum dos autores é que o comum não é um bem, não é uma substância; é na verdade um princípio – o princípio do comum -, sempre a desdobrar comuns que são instituintes, definidos como de uso comum nos movimentos sociais e efetivado de forma exemplar nos eventos e ocupações das praças na Espanha em 2011.

Nestas ocupações aconteceram experimentações do comum, pois não é necessário esperar que um regime político democrático aconteça, a democracia pode ser experimentada. Na ocupação em Barcelona eles instalaram o comum. É preciso que uma democracia emerja dos movimentos, na Espanha os participantes viveram uma democracia real.

Os autores fazem uma reflexão sobre o contemporâneo, entendendo que no século XXI assistimos ao desmantelamento de um velho mundo e estamos diante de um período convulso, com muitos confrontos, embates e transformações. Alguns estudiosos que acreditam na possibilidade de ocorrer uma mudança suave para um mundo mais ecológico e com novas medidas de regulação financeira – as quais recolocariam o capitalismo em trilhos mais civilizados – estão ignorando o que de fato está ocorrendo. Não querem ver nem compreender a dinâmica do poder oligárquico mundial (o governo de alguns para uns poucos) e a concentração cada vez maior da riqueza nas mãos de uma pequena elite, elementos constitutivos do que Dardot e Laval chamam a nova razão do mundo. O neoliberalismo não é só um movimento contra-revolucionário, mas seus agentes fazem acreditar que a história é uma eterna repetição do mesmo e que não é possível algo diferente do capitalismo, que este é a única e inexorável realidade. Em certa altura Dardot cita Furet, que em 1990 proclamou o fim da História pois, num mundo em que o bem-estar de cada um e a prevalência do privado impera, não há política, bem comum nem história, o que implica o fim das perspectivas de transformação.

Os autores, no entanto, entendem que a possibilidade de uma revolução está presente no horizonte atual, dominado por um modelo econômico devastador, cada vez mais ecologicamente insustentável, que aumenta imensamente o abismo entre ricos e pobres, elevando a desigualdade social; ajunte-se a isso o fato de que o tecido social também está sendo corroído pelo crescimento do ódio entre grupos sociais, etnias, países. Trata-se de um panorama que faz da revolução uma perspectiva possível e desejável.

De seu ponto de vista, a revolução seria uma mudança das instituições essenciais – econômicas, políticas, culturais e sociais -, de forma a construir um novo arcabouço social por meio da participação coletiva e autônoma. No cerne desse projeto deve estar o princípio do comum.


Conferência de Pierre Dardot em 4/10/2017, na PUC/SP, organizada por Peter Pelbart. Posfácio “Comum é a revolução” do livro Comum: ensaio sobre a revolução no século 21 (disponível em http://outraspalavras.net/destaques/o-comum-e-a-revolucao-dizem-dardot-e-laval/).

 


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[1] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, integrante da equipe editorial deste Boletim.
[2] Dennis Adams, da série Airborne, 2002: Patriota; Ele não é terrorista e Benefício. C-Print sobrecolado sobre alumínio.




 
 
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