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    JORNAL DIGITAL DOS MEMBROS, ALUNOS E EX-ALUNOS
    44 Novembro 2017  
 
 
MAL-ESTAR NA CIDADE

DOSSIÊ PELO ESTADO DEMOCRÁTICO DA ARTE


EQUIPE EDITORIAL DO BOLETIM ONLINE


A primavera é quando ninguém mais espera
E desespera tudo em flor
A primavera é quando ninguém acredita
E ressuscita por amor


José Miguel Wisnik

 

A Companhia Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona, cujo teatro, assim como o bairro paulistano do Bixiga, sofre a ameaça voraz do Grupo Silvio Santos (com a conivência do CONDEPHAAT-SP), re-estreia no SESC Pinheiros, num ato de resistência, a peça O Rei da Vela, de Oswald de Andrade. As atuações de Zé Celso Correia e Renato Borghi se unem aos talentos desacovardados dos novos atores, atrizes e técnicos. A Serpente já saiu do Ovo.

 

Traga seus filhos para ver gente nua. Museus d’Orsay e de l’Orangerie.



Queermuseu – Cartografias da diferença na arte brasileira em Porto Alegre (https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/11/politica/1505164425_555164.html), Panorama da Arte Brasileira do MAM de São Paulo (https://brasil.elpais.com/brasil/2017/10/02/politica/1506979505_979950.html) e a exposição de Pedro Moraleida no Palácio das Artes de Belo Horizonte (http://www.obeltrano.com.br/portfolio/onda-de-censura-chega-a-bh/) foram alguns dos expoentes alvos de atos de censura dirigidos às artes nestes últimos meses de 2017 no Brasil.

Em Nova Iorque, as fachadas de dois museus – New Museum of Contemporary Art e Whitney Museum - receberam mensagens tais como “Brasil, o mundo está assistindo” e “Ditadura nunca mais” e projeções de algumas das obras mais polêmicas de Queermuseu (https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/artes/noticia/2017/09/queermuseu-em-nova-york-artistas-fazem-homenagem-a-exposicao-cancelada-em-porto-alegre-cj7z1yr6600cj01mjih4qvr0a.html).

A tentativa de cerceamento visou ainda a outras exposições e peças teatrais em Brasília, Jundiaí e Campo Grande (https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/21/cultura/1506018494_703601.html?rel=mas), e ganhou recente espaço na Universidade de Fortaleza (http://www.canalcontemporaneo.art.br/brasa/archives/007879.html) e na Assembleia Legislativa do...Espírito Santo! (https://g1.globo.com/espirito-santo/noticia/assembleia-aprova-projeto-que-proibe-representacao-de-ato-sexual-e-nudez-em-exposicoes-de-arte-no-es.ghtml).


Tais sinais de retrocesso na sociedade brasileira foram discutidos por críticos como Guilherme Wisnik (http://jornal.usp.br/atualidades/polemica-exposicao-do-mam-gera-reacao-conservadora/amp/) e Paula Alzugaray (http://www.canalcontemporaneo.art.br/brasa/archives/007858.html) e por jornalistas como Eliane Brum – que denunciou o uso de gays e de crianças como moeda eleitoral (https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/18/opinion/1505755907_773105.html) – e George Marques, cuja reportagem ao The Intercept_Brasil informa que a próxima reunião da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara pretende pautar os supostos ilícitos penais cometidos naquelas exposições! (https://theintercept.com/2017/10/18/comissao-de-combate-ao-crime-organizado-da-camara-se-reune-para-discutir-exposicoes-de-arte/ ). E, de fato, em novembro, a chamada CPI dos Maus Tratos do Senado (!) aprovou a condução coercitiva (!) do curador do Queermuseu e do artista da La Bête para prestarem depoimento (https://jornalggn.com.br/noticia/cpi-dos-maus-tratos-conduz-coercitivamente-artistas)!

As relações entre censura e violência foram apontadas por André Costa, do site Psicanalistas pela democracia, que levantou o recalque das imagens vetadas, ao postá-las para conhecimento dos que não puderam comparecer ao Queermuseu: http://psicanalisedemocracia.com.br/2017/09/censura-e-violencia-queer-museu-por-andre-costa/. Ali também encontramos o artigo da psicanalista Gabriela Costardi, a refletir sobre o uso político do tabu sexual no contexto da performance La bête, do MAM-SP: http://psicanalisedemocracia.com.br/2017/10/sobre-o-uso-politico-do-tabu-sexual-no-contexto-de-la-bete-por-gabriela-costardi/.

Cedendo à pressão conservadora, o MASP SP, pela primeira vez em 70 anos, chegou a vetar o acesso de menores de 18 anos de idade à exposição Histórias da sexualidade (http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2017/10/1931477-masp-trata-sexualidade-como-pornografia-em-mostra-superficial.shtml). Neste caso, porém, diante da indignação de pais (https://www.select.art.br/pais-vao-justica-contra-o-masp-por-acesso-cultura/) e objeção da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal (https://www.select.art.br/ministerio-publico-divulga-nota-tecnica-sobre-liberdade-artistica-em-face-da-protecao-de-criancas-e-adolescentes/), o museu acabou recuando da iniciativa e passou a autorizar a visitação de menores, uma vez que seja autorizada pelos pais. (http://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2017/11/07/mpf-masp-menores-sexualidade/)

Nesta edição do Boletim Online, ao lado da indicação dessa seleção de links, damos destaque para a leitura dos seguintes manifesto – produzido a partir de mobilização iniciada por artistas e críticos de arte, com adesão de diversos setores da sociedade civil (professores, advogados, engenheiros, psicanalistas, sociólogos, historiadores, cineastas, escritores, arquitetos, designers, jornalistas, fotógrafos, médicos, membros de movimentos sociais, etc.), para fazer frente à onda ultraconservadora que ameaça direitos individuais, civis e sociais – e abaixo-assinado, de Tati Bernardi. Pra não deixar passar.



CARTA-MANIFESTO PELA DEMOCRACIA


Somos artistas, intelectuais, profissionais de várias áreas, que vimos nos manifestando conjuntamente pela defesa da democracia desde 2015 e que, agora, nos colocamos ao lado das recentes iniciativas contra o recrudescimento da onda de ódio, intolerância e violência à livre expressão nas artes e na educação. Ódio, intolerância e violência que já vêm sendo impressos há tempos contra mulheres, homossexuais, negros e índios.

Somos radicalmente a favor da liberdade de expressão e circulação de ideias, crenças, informações e expressões artísticas. E evidentemente, acreditamos no livre debate de todas essas expressões.

Achamos, todavia, que é preciso nomear os focos de ataque às liberdades. Ficou evidente que militantes de direita, segmentos de igrejas neopentecostais, alguns políticos de grande responsabilidade pública – e sem espírito republicano –, membros da burocracia de estado no judiciário, da polícia e do Ministério Público estão atuando em conjunto contra produções e instituições artísticas. Eles censuram exposições, assediam os visitantes e funcionários dos museus e usam de redes sociais para detratar e ultrajar pessoas das quais discordam.

Arrogantes, tais fundamentalistas evitam a leitura mais atenta dos trabalhos e saem à caça de indícios de indecência, leviandade, pornografia e heresia. Não há debate intelectual, não há questionamento, só violência e intolerância.

Foi assim que milícias reacionárias e anti-democráticas conseguiram provocar de maneira abrupta o encerramento da exposição Queermuseu, no Santander Cultural, de Porto Alegre (RS). Em setembro, a polícia retirou a pintura Pedofilia, de Alessandra Cunha, do Museu de Arte Contemporânea de Campo Grande (MS); depois a justiça proibiu a apresentação da peça O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu, no SESC de Jundiaí (SP). Vale lembrar ainda que o MBL iniciou uma campanha contra o Panorama da Arte Brasileira do MAM-SP, por conta da performance La Bête, de Wagner Schwartz, com apoio irresponsável do prefeito de São Paulo, João Dória. E uma horda de fanáticos liderados pelo deputado João Leite (PSDB – MG) tentou invadir o Palácio das Artes, em Belo Horizonte (MG), e destruir a produção de Pedro Moraleida.

Acreditamos também que não se trata de um ataque específico à produção artística. Mas trata-se de um fenômeno que começou a brotar em 2010 como oposição ao Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3); e que cresceu e foi adubado durante o processo de deposição da presidenta eleita Dilma Rousseff.

É óbvio que nem todos que foram a favor do impeachment sejam dessa linhagem antidemocrática. Mas estavam lá em peso os ativistas e agentes públicos arquiconservadores constrangendo pessoas de pensamento diverso. Eles que distribuíram adesivos para serem colados em tampas de tanque de combustível com a figura da presidenta em um contexto sexista, misógino e constrangedor; eles que atacaram políticos e militantes de esquerda em aviões, restaurantes e até em ambientes sensíveis como hospitais e velórios, eles que bateram e ameaçaram quem se vestia de vermelho.

Depois de consumado o impeachment – bem nomeado, um golpe parlamentar com a compra de votos de deputados capitaneada por Eduardo Cunha – passaram a subtrair ou tentar retirar um número significativo de conquistas obtidas pelos brasileiros a partir da Constituição de 1988. É assim que estão dia a dia limitando os direitos individuais, civis e sociais no Brasil, precarizando as condições de trabalho, ameaçando a liberdade de ensino nas escolas, a proteção ao meio-ambiente, a união de pessoas do mesmo sexo, etc. Esse é o conjunto da obra que resulta do golpe de Estado.

Agora, o que necessitamos é ampliar ao máximo, acima de opções partidárias, ideológicas e religiosas, todas as forças democráticas para fazer frente, nas ruas, nas casas legislativas, nos tribunais e nos meios de comunicação disponíveis, às ameaças concretas às liberdades e conquistas sociais. Propomos a articulação de grupos, entre amigos e familiares, entre colegas de profissão para a organização de atos públicos e de ação nas redes sociais para defender e aprofundar o direito a um ambiente de livre circulação de ideias, e denunciar aqueles que querem ver o Brasil sem democracia.

Essa carta manifesto é uma resposta à escalada da extrema direita contra os direitos individuais, civis e sociais. Quem quiser, pode aderir pelo liberdadedemocratica1@gmail.com inserindo seu nome e profissão.




ABAIXO ASSINADO CONTRA A CENSURA [1]

TATI BERNARDI


Bred Pinto, Xana, Asterisco, Teta, Xibiu, Capô de Fusca, Mandioca, Vara, Benga, Bacurinha, Xota, Perereca, Tronco, Brioco, Barrigudinha, Cacete, Membro, Manjubinha, Buceta, Manjubão, Xulipa, Pica, Peitoquinha, Fiofó, Dita- Cuja, Pichoca, Vagina, Greta, Pinto, Piroca, Buça, Cona, Xavasca, Cu, Glande, Pingola, Bingolim, Bráulio, Pirarucu, Cabeluda, Xibiu, Zona do Agrião, Piupiu, Linguiça, Barbada, Aranha, Gurizão, Perseguida, Metido, Rosca, Catatau, Piça, Dengoso, Traseiro, Grandes Lábios, Olhota, Saco, Bacurinha, Safada, Jeba, Ursa Maior, Durango, Pimba, Pepeu, Aneloide, Redondo, Amiguinha, Rego, Bate-palma, Fedegoso, Rola, Abre-alas, Ardido, Mama, Estandarte, Edí, Toba, Quentinha, Bibelô, Peru, Cipó, Grego, Biqueta, Aneloide, Seu Rugoso, Furunculo, Pingola, Maminha, Seu Orifício, Retaguarda, Anilha, Pombinha, Beringela, Seio, Lindinha, Roleta, Semi-ereto, Bacurinha, Tulambe, Proxaska, Bandida, Boca banguela, Benedita, Siliconada, Preciosa, Dona Aureola, Rabiola, Ardida, Bozó, Pênis, Dona Gruta, Bronha, Xoxota, Raba, Pepino, Jereba, Boce Ta bem?, Curió, Barroca, Cajado, Peitola, Assadinha, Testa-larga, Bufador, Belinguéu, Almofadinha, Pinto, Concha, Salpicão, Rulinha, Triângulo, Picole, Vulva, Suadinha, Chapuleta, Birosca, Guerreira, Ânus, Careca, Babona, Rabo, Transada, Zoinho, Saradão, Prechereca, Gulosinha, rodela, Perestroika, Loló, Assoviador, Pirocão, Jurumba, Batcaverna, Coluna-do-Meio, Lado B, Bicho-peludo, E o bambú?, Baratinha, Abrigo, Sapeca, Porra, Beicinha, Talo, Socador, Pastel de pelo, Ariranha, Pinguelo, Cabaça, Oráculo, Xinxa, Rabicó, Repartida, Rodela, Pisca-pisca, Nabo, Pau, Furiquete, Bebete, Tora, Picasso, Boneca, Cheio-de-veia, Zueiro, Manjolo, Xulapinha, Alexandre, o grande, Xoroca, Binbadeira, Anfitriã, Pau-mole, ABCeta, Rozeta, Bastão, Porta dos Fundos, Mijão, Bigorna, Furículo, Reto, Brejereba, Suprema, Cabeção, Caceta, Chulapa, Santinha, Croquete, Djeba, Seu Posegeme, Forévis, Topetuda, Dito-cujo, Giromba, Hulk, Pororoca, Pica das galáxias, Rolândia, Jamanta, Jequitibá, Magaiver, Manjuba, Trator, sulanha, Pussy, Arrochadinha, Amigão, Prexureca, Pessegueiro, Poderosa, Sheilinha, Palmitão, Beicinho-rosado, Pikashu, Xororó, Vergalhão, Tronzoba, Predadora, Toco, Saroba, Rojão, Passaralho, Pirombeta, Clementina, Abençoada, Abacurel, Aconchega, Beiçolinha, Bolacha da Nona, Xuxa, Xoxonha, Vitaminada, Tunel do Tempo, Heroina, Tchuchuca.

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[1] Originalmente publicado no jornal Folha de São Paulo, de 06 de outubro de 2017.




 
 
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