A LÍNGUA MORTA, UMA ANÁLISE DA NOVELA “CIDADE DE VIDRO” DE PAUL AUSTER

 

Luciana Pires

Instituto Sedes Sapientae

 

 

EIXO TEMÁTICO – O TRABALHO DE REPRESENTAÇÃO (BRINCAR, CONSTRUÇÕES EM ANÁLISE E VIAS DE SIMBOLIZAÇÃO)

 

 

RESUMO

 

Como compreender o que nos dizem nossos filhos pequenos? Como compreender o que nos dizem nossos pacientes? Enveredaremos em uma discussão acerca da representabilidade da palavra a partir da análise da novela “Cidade de Vidro”, presente no livro “Trilogia de Nova Iorque”, do autor contemporâneo Paul Auster. As ideias e as imagens dessa novela serão articuladas com escritos de alguns psicanalistas, entre eles o pensamento de André Green em seu livro O discurso vivo, no qual o psicanalista defende alguma porosidade no discurso analítico, para que comporte suficientes doses de afeto, processo primário e irrepresentabilidade.

 

Paul Auster conta que escreveu a novela em questão logo após a separação de sua primeira esposa, quando ele e seu filho de três anos viviam “como dois velhos solteirões”, clima que pode ser caracterizado como o encontro de duas solidões. Reconhecemos nesta vivência autobiográfica do autor o germe da novela em questão.

 

A novela apresenta as desventuras de três núcleos familiares. Interessa-nos particularmente os ocorridos no segundo núcleo: o da família Stillman. Dessa família sabemos que o pai era professor do departamento de filosofia e religião de uma excelente universidade americana, quando sua mulher morre, deixando órfão um filho de dois anos. Conta- se que, após a morte da mulher, o pai abandonara seu cargo na faculdade alegando necessidade de dedicação exclusiva ao filho. E sabe-se que, na sequência, o pai trancara o filho num cubículo escuro, como cobaia de um experimento através do qual pretendia resgatar a língua adâmica, a língua pré-babélica, língua em que as palavras correspondem às coisas.

 

Pensamos no que deve ter ocorrido com o pai diante das falas insipientes de seu filho de dois anos, tendo perdido o suporte e a intermediação da mãe. Entendemos que algo da fala do filho de dois anos incomodou profundamente o pai, uma vez que esse pôs-se a destruir o que ouvia para substituir por algo unívoco e transparente. É a opacidade e polissemia da fala de seu filho pequeno que exaspera o pai, que com seu experimento acaba por assassinar a língua do filho. No desespero para alcançar a solidão do filho, no desespero para ultrapassar suas solidões, o pai banca um louco empreendimento de encontro da língua das correspondências e com isso debilita o filho.

 

 

PALAVRAS-CHAVE: afeto, processo primário, família, irrepresentável.

 

Luciana Pires, psicóloga, psicanalista, especialização em psicanálise com crianças, adolescentes e famílias pelas Tavistock Clinic, mestre e doutora pelo IPUSP, professora do curso de psicanálise com crianças do Instituto Sedes Sapientae.