ADOÇÃO INTER-RACIAL: ASPECTOS PSICODINÂMICO A PARTIR DE UM CASO CLÍNICO

 

 

Ms. Mariana Festucci Grecco

Instituto de Psicologia-USP

 

 

Eixo temático – O TRABALHO DE REPRESENTAÇÃO

 

 

RESUMO

 

Este estudo visa discutir aspectos psicodinâmicos da adoção inter-racial a partir de um caso clínico envolvendo o atendimento a uma criança negra em processo de adoção por uma mulher branca. Jacques Lacan, pelas contribuições teóricas que apresenta no que tange à constituição psíquica do sujeito, Françoise Dolto, pela teorização desenvolvida a partir da práxis no atendimento às crianças oriundas de processos de adoção, e Neusa Santos Souza, psicanalista brasileira que se dedicou a estudar as implicações psíquicas do preconceito racial, foram às referências escolhidas para refletir sobre tal caso. Posto que a criança não aceitasse o alimento apenas quando este lhe era oferecido pela mulher que a adotara, alimentando-se regularmente em situações em que esta não era a agente da oferta ou não estava presente, sustentamos a hipótese de que a não aceitação do alimento constituía uma resposta da criança à mulher que negara a sua diferença de cor a fim de não revelar o ato de adoção. Consideramos que todas as crianças, independentemente de conterem ou não o material genético daqueles que se nomeiam seus pais, foram adotadas por eles, uma vez que necessitaram do olhar/ palavra que as legitimasse. No processo de adoção inter-racial, o aspecto psicodinâmico de reconhecimento da criança pelo outro pode ser prejudicado se aqueles que se apresentam como pais não sustentarem a diferença de cor enquanto possibilidade, que pode se tornar mais acessível de compreensão para a criança na medida em que lhe é comunicada a verdade sobre a sua origem. A negação das características do corpo biológico da criança pelo outro pode levá-la a um comprometimento na sua apropriação psíquica deste corpo, e, por conseguinte, na constituição do seu eu. O eu é uma composição realizada pelo psiquismo da criança a partir da apropriação de seu corpo enquanto unidade e que é referendada pelo olhar do outro. Se o olhar daquela que assume a função materna não legitima a imagem da criança enquanto tal, esta última, por sua vez, poderá sofrer tensiosamentos para situar-se nos laços sociais, o que, em um país marcado por um passado escravagista e pela incidência de preconceitos raciais – tais como nos episódios que serão relatados no presente trabalho–, pode gerar sofrimento psíquico.

 

 

PALAVRAS-CHAVE: adoção inter-racial; constituição do sujeito; Lacan; preconceito racial.

 

 

Ms. Mariana Festucci Grecco, Psicanalista. Doutoranda em Psicologia clínica pela USP (bolsista CNPQ); Mestre em Psicologia social e especialista em Psicanálise e Linguagem pela PUCSP; professora da pós graduação em Psicanálise do Centro Universitário Anhanguera de Santo André.