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Trabalhos

Não tem homem não?!

Denise de Sousa Feliciano
Psicóloga e Psicanalista. Membro efetivo e docente no Departamento de Psicanálise da Criança do Sedes; mestre e doutora pelo IPUSP-SP em pesquisas sobre amamentação; especialização em Psicopatologia do Bebê pela USP e Université Paris 12;; membro filiado no Instituto da SBPSP; membro da Sociedade Brasileira de Pediatria e dos Departamentos de Saúde Mental e Aleitamento Materno da Sociedade de Pediatria de SP. 

Resumo

Esta é uma frase pronunciada por Beny numa sessão de sua análise, num jogo em que despia os bonecos de pano para investigar seus genitais. Com cinco  anos de idade mora só com sua mãe desde que tinha 1 ano e meio e seu pai construiu uma nova família da qual tem mais dois irmãos. A mãe procurou-me preocupada com certa tristeza no filho. Contou-me que numa noite em que estavam na sala após o jantar e Beny brincava sozinho, rompe o silêncio afirmando: ninguém gosta de mim, nem de você… (sic) deixando-a profundamente tocada e solidária à uma dor que pareceu ser compartilhada por ela, mas que provavelmente tentava dissimular de si própria. Na entrevista se mostrava preocupada e sisuda, do mesmo modo que Beny se apresentava em muitos de nossos encontros e em seus desenhos de bonecos com cabeça grande e com o canto dos lábios fechados pendendo para baixo. revelando tristeza, raiva e dor.  Beny desenha surpreendentemente bem para sua idade, o que fez com que essa fosse uma de suas mais marcantes formas de se expressar nas sessões. A mãe reclamava de um suposto desinteresse do pai em ver o filho, levá-lo a passear ou para conviver com os irmãos. Ela tinha um namorado com quem Beny se relacionava muito bem e havia tomado como pai, porem já fazia algumas semanas que ele tinha saído de sua casa e estavam em processo de separação, ainda que houvesse certa ambiguidade de ambos nesse movimento. Eu já conhecia Beny e sua mãe, que haviam participado de minha pesquisa de doutorado. Haviam sido encaminhados pela pediatra para o atendimento de Intervenção Pais-bebê que eu propunha como recurso às suas dificuldades de amamentação, que eram tomadas por mim como reveladoras de um desencontro na construção do vínculo do bebê com os pais. Desde nosso primeiro encontro Beny se mostrou aberto a me conhecer e aliviado em poder ter ajuda. Percebi uma notável inteligência e sensibilidade que permitiu um trabalho intenso e muitas mudanças durante o tempo que estivemos juntos. Apesar da tristeza que pairava, Beny conservava um olhar atento, curioso, inquieto e provavelmente esperançoso na ajuda que recebia e nas relações que não cansava de investir.

Palavras-chave: clínica psicanalítica com crianças; desenhos, a presença /ausência do pai; pais separados.