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Trabalhos

A menina que não podia crescer.

Maria Fernanda Liberato Beduschi
Psicanalista, membro da APC, mestre em Psicoses e Estados Limites pela Universidade Paris 7, doutoranda na mesma instituição. Coordenadora do grupo de estudos O Infantil na Psicanálise, em Blumenau. Cronista do jornal virtual Blumenews.

Resumo

Este trabalho parte da questão inaugural proposta pelos psicanalistas Jean Bergès e Gabriel Balbo: Há um infantil nas psicoses? Os autores colocam ênfase na clínica e na diversidade dos diagnósticos de psicose. Em particular, salientam a posição depressiva ao retomar o exemplo de Narciso e de seu “real em espelho”. Certas mães não conseguem barrar um grande Outro ameaçador e sulcam uma imagem que não pode se tornar simbólica. Do que se defende a criança psicótica nesse “querem minha perda”? Uma geração, nesta operação, é abolida: a geração dos pais. Os autores nos propõe o que está em jogo no autismo e na psicose: a dupla foraclusão ou o auto-engendramento, o qual organiza a defesa. Como é que no momento do estágio do espelho o corpo da criança permite pensar a respeito de uma oscilação entre depressão e psicose, talvez a raiz da melancolia? Como pensar em uma ligação com a psicose no adulto? Como pensar o pai simbólico? Para ilustrar os desdobramentos conceituais dessa questão, apresento o caso clínico de Gabriela, a menina que não queria crescer. Gabriela chega ao consultório aos 3 anos e meio, sem falar, sem estabelecer contato, com movimentos repetitivos e estereotipados, usa fraldas, é carregada no colo pelo pai. Logo percebo que não se trata de autismo, mas de uma grave depressão infantil. Ao entrar em relação com ela, percebo janelas de contato. Existe vestígios de vida subjetiva. Não é autismo, mas o que teria ocasionado tamanha devastação subjetiva? Do que Gabriela se defende como os seu sintoma? Qual é a verdade que está oculta nesse enigma do não poder deixar de ser bebê? O sintoma revela o poder de um encontro mortífero gerado pelo auto-engendramento de uma fantasmática do casal parental. Não poder crescer, é a forma como Gabriela instala um sistema de defesa que lhe permita dissociar o grande Outro e sua mãe, que organiza uma depressão com traços autísticos e uma fobia de crescer, que organiza através desses sintomas, um saber sobre suas origens. O perseguidor seria o “terceiro obrigatório”. Surge então, imediatamente, a questão clínica que os autores nunca deixam de lado: como tratar a psicose infantil? A organização da perseguição se dá “no caso de” ou “para se garantir de”? Não esperem uma resposta única totalitária, estaremos ali encontrando algo sem procurar, pois este caso clínico apresenta múltiplas vias, cujas respostas interrogativas inauguram a possibilidade de revisitar a história dos conceitos, recortá-los, desenhar novos contornos a partir da vivência clínica.

Palavras-chave: infantil na psicose, depressão infantil, dupla foraclusao, auto-engendramento.