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Trabalhos

A cortina de fumaça que encobre a angústia da criança na construção
de sua identidade de gênero

Cassandra Pereira França. Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais, Professora da Graduação em Psicologia da UFMG; Coordenadora do Curso de Especialização em Teoria Psicanalítica da UFMG; Coordenadora do Projeto CAVAS/UFMG.

Eixo temático: Questões de gênero

Resumo

Abordar a temática da gênese da identidade de gênero parece ser a princípio uma contra-ordem num momento em que a luta pelo fim da homofobia e pelo direito dos cidadãos à diversidade sexual tem sido uma bandeira de muitos. Assim, tratar desse tema é evocar calorosas discussões que trazem à tona resquícios de distintas pré-concepções. Mas, quais seriam as tensões que disparariam as rotas de colisão? Por um lado temos os cientistas sociais que, com parco conhecimento de psicanálise, julgam que ela é uma ciência moralista e preconceituosa, e que só poderia se interessar pela gênese da sexualidade para tentar perpetuar a lógica binária dominante. Por outro lado, o dos psicanalistas, o desconhecimento recai sobre a falta de estudos sociais e políticos que poderiam ajudá-los a identificar no seu corpus teórico, os pontos obsoletos. Tais querelas tendem a jogar uma cortina de fumaça sobre um dos vetores mais importantes da discussão: o sofrimento psíquico das crianças com questões de identidade de gênero. O presente estudo pretende esboçar o grande desafio que aguarda a clínica psicanalítica, qual seja, o de reconhecer que o clássico modelo edipiano não responde mais por muitas construções identitárias. Afinal, diante das mudanças culturais do século XXI, que trazem em seu bojo a criação do gênero neutro e a composição de pares parentais formados por sujeitos do mesmo sexo, a Psicanálise precisa reconhecer o quanto está despreparada: do ponto de vista teórico, porque os conceito de narcisismo e identificação já eram seus pontos frágeis; e do ponto de vista clínico, porque há no mercado pelo menos duas gerações de analistas que tiveram sua constituição identitária forjada dentro do modelo binário (com sua cobrança de coerência entre anatomia, identidade de gênero, desejo e prática sexual). Apesar desses desafios precisarem ser enfrentados com urgência, a Psicanálise não pode se deixar calar, uma vez que tem muito a dizer sobre o montante de angústia daqueles que, no emaranhado dos primórdios da sua constituição psíquica, se sentem aprisionados pela sexualidade normativa. A fim de ilustrar esse argumento apresentaremos fragmentos clínicos da análise de uma criança, numa época em que seu inconsciente ainda estava em vias de constituição, e que nos permitem observar a pertinência da assertiva de Bleichmar (2000) de que a enunciação de gênero se inscreve na identidade nuclear do ego, antes mesmo que a criança reconheça sua correlação com a genitalidade.


Palavras-chave: gênero; sexualidade infantil; identidade sexual; homofobia.