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Trabalhos

O enlace entre o corpo e as representações: reflexões sobre um caso de atendimento psicanalítico mãe-bebê com impasses no processo de subjetivação.

Julia Garcia Durand
Psicóloga, mestre e doutora em Medicina Preventiva pela Faculdade de Medicina da USP, especialista em psicologia da saúde pelo Departamento de psiquiatria da UNIFESP, pós-doutoranda pelo Departamento de Psicologia do Desenvolvimento, da Aprendizagem e da Personalidade da USP(PSA).

Resumo

O presente escrito tem por objetivo discutir o cruzamento entre as disfunções motoras em bebês e os impasses nas representações das experiências vividas no encontro com seus cuidadores. Apoia-se nas teorias de Dolto, segundo as quais o esquema corporal é tomado como intérprete da imagem inconsciente do corpo, entendida como memória de todo o vivido relacional, que reporta o sujeito do desejo a seu gozar.
Esta discussão será feita com base em recorte clínico de um atendimento psicanalítico de uma mãe e um bebê com importantes sinais de sofrimento, caracterizados por restrito engajamento na relação com sua cuidadora e relevantes limitações motoras. Aos 8 meses, idade de início do atendimento, o bebê tinha hipotonia nos membros inferiores e hiper-estimulação dos membros superiores com balanceio do tronco e da cabeça e agitação dos braços. Trata-se de um bebê, irmão de uma criança com Transtorno do Espectro do Autismo, considerado em risco para problemas no desenvolvimento tanto pela suscetibilidade genética como por fatores ligados às experiências de vida. As representações maternas sobre este filho tendia a indiferenciá-lo do irmão mais velho.
O bebê em discussão trazia tímidas marcas de vivências relacionais em seu corpo, com predominância de movimentos estereotipados e auto-estimulatórios. Suas disfunções no esquema corporal, sugeriam que a atividade simbolizante e representativa da imagem corporal estava adormecida. Consumida pelos sofrimentos de mãe e de mulher, a genitora estava indisponível para o contato com seu bebê. Por meio do estabelecimento de jogos constituintes (Jerusalinsky, 2010), precursores do brincar, na relação terapêutica e da escuta sobre a dor materna, foi possível reestabelecer o laço na relação entre eles. No decorrer dos atendimentos, os movimentos de auto-estimulação foram dando lugar a movimentos de busca pelo corpo materno e pelo engajamento em uma relação com ela e com a analista, mediada por objetos, olhares e gestos. Além disto, comportamentos auto-eróticos, de sugar os objetos e os pés foram se intensificando, acompanhados da aquisição, aos 14 meses, da capacidade de engatinhar e de fazer gracinhas para chamar a atenção da analista e da mãe. Por meio deste caso, é possível identificar contribuições do atendimento psicanalítico para o processo de subjetivação de um bebê em risco para autismo.


Palavras-chave: imagem corporal, sinais de sofrimento, bebês, intervenção precoce.