Caso Maureen - uma reflexão

Dirce Fátima Vieira

 

Luz, Câmera, Ação... A protagonista da vez, Maureen.

Na coluna anterior referi-me a respeito do livro “Castelo de Vidro”. Falei rapidamente que a jornada existencial de Maureen, irmã de Jeannette, tinha sido diferente da sua.
Hipotetizando é claro, pois não temos como comprovar as reflexões aqui propostas. Acredito que a história de vida de Maureen ilustra bem uma trajetória de construção do personagem sofredor e como a convivência com a sua família pôde potencializar um quadro de distúrbio psiquiátrico.

Vale a pena iluminar, sob a ótica da matriz de Maureen, as configurações desta rede familiar - o pai, Rex ao conhecer a filha no nascimento, retira a mãe - com seu consentimento -  do hospital sem a devida alta. A mãe quando entra no carro encontra seus três filhos  e entrega o bebê para Jeannette (que ainda não tinha 6 anos) dizendo que ela é adulta o suficiente para cuidá-la. Neste momento Jeannette, em silêncio, promete-lhe perenes cuidados.  Isto mostra não só a fragilidade e imaturidade destes pais como a captação do co-inconsciente e co-consciente de Jeannette, que apesar de tenra idade se autonomeia protetora da irmã.

A caçula da família Walls, nasce linda, loura e de olhos azuis. Fica por algum tempo sem nome e só após infinitas reuniões familiares, a mãe Rose Mary escolhe o de  Lilly Ruth Maureen. Lilly é o da avó materna, Ruth da avó paterna e Maureen – diminutivo de seu próprio nome. Na escolha do nome havia uma vontade da mãe em agradar as avós , que estavam zangadas por não serem homenageadas até então. Mas todos a chamariam de Maureen.  Segundo Rex, sua mãe não ficaria contente pois ela odiava o nome. Observamos como no exemplo da escolha do nome podem vir à tona aspectos conscientes e inconscientes dos pais, irmãos e avós e suas respectivas dinâmicas.

O átomo familiar dos Walls torna-se a cada dia mais disfuncional na medida em que ambos (pai e mãe) estão gradativamente mais comprometidos em suas fragilidades e no desgaste entre o casal.  A infância de Maureen é marcada por brigas entre os pais, mudanças constantes de cidades, dificuldades emocionais e econômicas (passavam fome). É pois nas tramas destas relações que desvelam as projeções, as expectativas, os afetos, as duplas mensagens que constituirão a placenta social e os seus  vínculos afetivos. Estes conflitos colorem negativamente seu locus familiar que não proporciona um clima de acolhimento, confirmação e aceitação necessários para a base de sua auto-estima. Como ato de sobrevivência Maureen deixa-se adotar pelos vizinhos. Nestas famílias temporárias, com frequência fazia a sua alimentação, dormia e adquiria novos vínculos afetivos. Mas como viviam como nômades acaba sempre vivênciando constantes rupturas e perdas afetivas, construindo assim padrões socioafetivos- cognitivos frágeis.

É importante ressaltar que todo esse aprendizado do mundo novo é feito de forma verbal e em grande medida de forma não-verbal. As crianças percebem e introjetam atitudes de seus pais e dos adultos que as rodeiam.  O clima afetivo, os cuidados físicos, a comunicação e as relações interpessoais, registradas como impressões subjetivas e objetivas, ao longo do tempo colaboram para totalizar o seu Eu Global, constituído por múltiplos Eus parciais. No caso de Maureen, o seu Eu global está habitado por uma multiplicidade de Eus parciais constelados de contradições e fragilidades formatando uma sociodinâmica intra e inter psíquica pelo papel cristalizado de sofredor.

Na adolescência os seus irmãos saem de casa e Maureen fica com os pais, indo alguns anos mais tarde ao seu encontro. Consegue concluir o ensino médio, trabalhar como garçonete, mas seus empregos são sempre temporários. Como é muito bonita, estabelece facilmente relações amorosas mas também são fugazes. 

Pelas adversidades da vida vemos a construção de seu personagem sofredor. Denotando uma maior sensibilidade e fragilidade não consegue transformar suas experiências e repete uma história de relações afetivas frágeis, inconstantes e de uso, com isto re-atualizando a sua não aceitação, fortalecendo, assim, o personagem sofredor.

Adulta volta a morar com os pais. Este convívio vai potencializar o seu personagem sofredor e o seu vício em sofrer. A relação com o pai é de agressões mútuas (a filha o chamava de bêbado imprestável e o pai retrucava que deveria ter sido afogada ao nascer), o vínculo com a mãe é frágil e esta com frequência nega o agravamento da fragilidade psíquica da filha. Numa vinculação patológica - se assim podemos conjecturar - Maureen e a mãe estabelecem uma dependência desqualificadora e possivelmente num momento de amor e ódio a mãe sugere que saia de casa e Maureen não agüentando a idéia de ser abandonada tem um surto e a esfaqueia.  Depois do julgamento é internada em um hospital psiquiátrico. Após a alta vai morar sozinha na Califórnia, sem se despedir dos irmãos.
Jeannette na manhã da viagem de Maureen, acorda e pensa “estava ocupada demais cuidando de mim mesma para cuidar de você”. Perdoa-me.

Na próxima falaremos sobre o vício camuflado na relação afetivo-amorosa. Até lá!

 

Outubro 2008

Para comentar a matéria, escreva uma mensagem para:
Dirce Fátima Vieira
difavi@ig.com.br