A experiência no Doutorado em Ciências da Comunicação

Liana Gottlieb

No mestrado eu me dirigi aos professores de ensino fundamental e médio (antigos 1º e 2º graus), e no doutorado meu foco foram os professores universitários, que justamente compuseram o meu universo de pesquisa: Professores universitários em cursos de Comunicação Social.
           
            Consegui ser aceita (após o exame de seleção), para continuar minhas pesquisas, no departamento de Comunicação e Artes da ECA/USP, sob orientação do Prof. Dr. Ismar de Oliveira Soares, que consentiu que eu tivesse como co-orientadora, novamente, para a parte de Psicodrama, Maria Alice Vassimon (Getep) – minha supervisora e mentora de Psicodrama.
            Parti de algumas questões sobre o professor universitário que me inquietavam, entre elas, as seguintes:

            O título da tese foi: “Como ajustar a sintonia da comunicação em mão dupla na sala de aula - As percepções anamorfóticas na comunicação professor-alunos no ensino superior através da praxis de um educomunicador: um estudo de caso interdisciplinar - comunicação, educação e psicologia/psicodrama”.
            Creio que o Resumo pode dar uma idéia do que tratava a tese, por isso o transcrevo:

Se partirmos do pressuposto de que a sociedade está em crise, a educação está em crise, professores e alunos do ensino superior estão em crise, e de que é impossível trabalhar numa abordagem progressista em uma sociedade capitalista, a única coisa que nos resta fazer é cruzar os braços e parar de trabalhar.
            Este trabalho pretendeu ir no caminho oposto a esse, ou seja, ser como que uma Peregrinação com Alegria, cuja proposta é diminuir a velocidade, para que possamos desenvolver ou apurar nossos sentidos. Dada a velocidade do mundo virtual em que vivemos, justifica-se um trabalho que busque fazer uma peregrinação com alegria (quando possível), nada ingênua, e bem consciente da realidade, mas certamente com muito amor, em busca de caminhos que transformem a delicada comunicação professor/alunos no ensino superior, especialmente nos cursos de comunicação social.
            Partindo da tese de que é possível ajustar a sintonia da comunicação em mão dupla na sala de aula, este estudo de caso visa auxiliar os professores a redefinirem sua identidade e a recriarem a sua relação com seus alunos, por meio de uma reflexão sobre o ensino superior brasileiro, contextualizando-o histórica e politicamente e ao docente que nele atua, buscando compreender o que é fruto do momento atual e da competência desse professor, e o que foi herdado cultural e inconscientemente. Ao mesmo tempo, procura-se identificar as influências que pode sofrer a comunicação professor-alunos, e mostrar como é possível reconstrui-la sobre outras bases, ao se aprender a ler a realidade através das aparentes deformações, estabelecendo relações dialógicas, com o olhar psicodramático.
            Procurou-se desenvolver o estudo de tal forma que possa ser visto, também, como a trajetória de uma educomunicadora e sua praxis pedagógica, tanto através do levantamento histórico e teórico dos conhecimentos sobre este tema mas, também, através da parte prática deste trabalho, em que ela está em contato mais direto com o grupo de professores que compuseram o universo pesquisado.
            Como todo estudo de caso, não se pretende que seja passível de generalizações, mas que possa contribuir, pelo menos, com o universo dos cursos de comunicação social das instituições de ensino superior particulares brasileiras.

            Os dados necessários para a construção do referencial teórico foram levantados por meio de:

            Com relação à Pesquisa Documental, ou seja, aos suportes teóricos, o procedimento metodológico que utilizei foi histórico-analítico, além de se processar por meio de leituras críticas.
            Quanto à parte prática, a opção pelo Estudo de Caso representou a opção pela Pesquisa Qualitativa.
            Em minha dissertação de mestrado desenvolvi uma concepção de análise de conteúdo, ainda de “mão única” - método dedutivo. Estabeleci parâmetros de observação e fui procurá-los no corpus que compunha meu trabalho, ou seja, nas tiras da Mafalda que tratavam de educação.
            Na tese de doutorado utilizei novamente a análise de conteúdo, mas em “mão dupla”, ou seja, o método dedutivo e o método indutivo. Trata-se de um Método Dialético de Análise de Conteúdo, que trabalha com a Dialética Dedução-Indução:

            O método dedutivo está implícito - guiei-me por ele -, na medida em que escolhi os temas, os referenciais teóricos e os teóricos para, através deles, discorrer e refletir sobre os temas, e mesmo dentro dos temas pincei tópicos que me pareceram os mais significativos.
            Na Conclusão, resgatei os objetivos, a problematização e as hipóteses explicitadas na Introdução, confirmando o caminho dedutivo-indutivo, no momento em que elaborei o questionário da Entrevista auto-aplicada, e na seleção de tópicos para trabalhar com os professores durante o Treinamento.
            Foi também nesse momento que o método indutivo - empírico - começou a ser colocado em prática, promovendo o jogo dialético dedutivo-indutivo, ao permanecer em contato direto com os dados levantados, e ir aos poucos procurando fazer e integrar algumas generalizações parciais. Além disso, a seleção de tópicos para o Treinamento também se originou do contato direto com os dados levantados na Entrevista auto-aplicada.
            Este método, da dialética dedução-indução visou, a partir do discurso dos dados levantados:

            Este método de análise de conteúdo considera o discurso não como um conjunto de partes que tem um “conteúdo” isolável, mas como um fluxo de contradições ligadas e encadeadas. O discurso sempre é interpretado como remetendo ao não-discurso, o dito ao não-dito. O discurso é tanto individual como coletivo. É coletivo quando remete às contradições comuns subjacentes. É individual se nos colocamos do ponto de vista das sínteses originais feitas pelo indivíduo, da relação com sua história e com sua situação particular, ou com a de seu grupo.
            Na Entrevista Auto-aplicada procurei trabalhar com a ruptura entre o saber e as emoções, o pensar e o sentir, pedindo, em vários momentos, que os entrevistados se manifestassem por meio de desenhos.
            No Treinamento, além dos desenhos, trabalhei com técnicas não-verbais e corporais que possibilitam que se apreenda o imaginário coletivo, isto é, as angústias e os desejos inconscientes vividos na relação dos professores com as instituições de ensino superior onde lecionam. Utilizei algumas técnicas psicodramáticas assim como jogos dramáticos.
            Usei como suportes teóricos Moreno, Buber e Gurdjieff. Coincidentemente os três guardam algumas correlações entre suas idéias.
            O Treinamento durou uma semana e foi feito em um estúdio de TV, pois a minha intenção era gravá-lo para depois transcrever as fitas e aproveitar o seu conteúdo na descrição do mesmo. Foi tão curto o tempo, mas tão profícuo. No final, propus que o grupo se levantasse e tentasse, em conjunto - jogo na terceira fase da Matriz, em que ocorre a comunicação dialógica - construir uma imagem (usando o que quisessem) de uma comunicação dialógica.
            Eles se levantaram, ficaram em círculo, e em silêncio por poucos segundos e, de repente, dois professores, os mais formais, que nem se conheciam antes do treinamento, se olharam e sem falar nada se aproximaram no centro da roda, tiraram seus óculos, os trocaram e puseram em seus rostos/olhos e aí se olharam, encarando-se com ternura e partiram para um abraço. Os outros professores admiravam a cena comovidos. Ninguém se mexeu enquanto os dois ainda se abraçavam. Só quando eles se afastaram um pouco é que os outros começaram a fazer o mesmo. E todos começaram a fazer o mesmo com todos, terminando com a roda de professores abraçada, em círculo, e logo em seguida batendo muitas palmas.
            Os professores chegaram no treinamento de um jeito diferente, e o que aconteceu no final não foi mágica, mas fruto, primeiramente de uma “chamada” (convite) diferente do que normalmente acontece, e depois, de um trabalho conduzido sob outro enfoque que deixa o racional em último plano, mas tendo a sua importância relevada.

           
Espero conseguir, com meus depoimentos, sensibilizar e motivar os colegas psicodramatistas a percorrerem a formação acadêmica âmbito de pós-graduação stricto sensu - mestrado e doutorado.            
           

 

           

Abril 2009

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Liana Gottlieb
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