A delicada arte de revelar ou esconder o que não pode ser dito:
Relato ficcional com base em múltiplas experiências similares.

Milene Féo

Entendo que uma sessão socionômica não é espaço para denúncias públicas, ainda que ali se possa - e muitas vezes se deva - ponderar se é o caso de realizá-las em outro contexto.
E você, o que pensa sobre isso?

Para começarmos tal reflexão, imaginemos uma situação que exemplifique, ao menos uma das facetas desse amplo universo que convido os leitores a refletir.

Uma pequena comunidade guarda um segredo comum: entre seus integrantes, alguns estão cometendo delitos da ordem da pedofilia e do incesto. Muitos conhecem esse segredo, mas sobre ele quase nada se fala, apenas se balbucia, ainda assim, entre poucos.

Nessa comunidade existe um grupo responsável pela saúde mental de seus membros. Dentre seus integrantes, um subgrupo é responsável pela organização de um congresso anual, com duração de um dia, para o aprimoramento do papel profissional de todos. Certos de que o tal segredo precisaria vir à luz neste encontro, para poder ser refletido por todo o grupo de profissionais, contratam uma psicodramatista - estrangeira a essa comunidade - para dirigir um ato socionômico nesse congresso, com cento e cinqüenta inscritos. Determinam como tempo para este trabalho uma hora e quarenta e cinco minutos. O tema do congresso escolhido por eles foi: A violência - tema geral que permitiria ao grupo ali presente revelar ou esconder o segredo que os preocupava.

A psicodramatista contratada marca uma reunião com o grupo contratante, antes do evento. Eles relatam a ela que têm tido notícias que seus colegas, público alvo daquele evento que estavam organizando, têm recebido crianças e adolescentes envolvidos em episódios de abuso sexual. Estas vêm apresentando sintomas graves - psicológicos e físicos - segundo eles, em decorrência disso. Os adultos que trazem os jovens em situação de abuso sexual aos consultórios desses profissionais pedem sigilo absoluto sobre o que relatam.

Os contratantes esclarecem que o fato de muitos dos abusadores serem pessoas com poder, prestígio e dinheiro, não facilitava a realização de denúncias por parte de toda a rede social que os envolvia. Além disso, expor as identidades daqueles jovens publicamente, implicaria em torná-los estigmatizados, podendo ser lançados, no futuro, a dificuldades relevantes, tal como, não conseguir contrair matrimônio com integrantes da comunidade, situação almejada culturalmente por muitos dos que dela pertenciam.

Caberia, portanto à profissional contratada, no dia do evento: promover, junto aos congressistas, dramatizações ligadas ao tema em questão, sem permitir que as identidades envolvidas fossem reveladas. Assim protegeria os jovens em situação de abuso, os seus familiares, os adultos na condição de abusadores e os seus cuidadores, de exposição pública  indevida, sem com isso impedir a reflexão aprofundada entre os profissionais presentes.   
 
Como a psicodramatista resolveu esse desafio? Como você resolveria?
Estratégias de ação diante de segredos grupais será o tema de nosso próximo encontro nesta coluna e adoraria contar com a participação de vocês para escrevê-la.  

Aguardo contato.

 

Setembro 2008

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Milene Féo
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