Diferenciando o vício de sofrimento

Dirce Fátima Vieira

 

Hoje falaremos do colorido e das nuances que nos ajudam a diferenciar o funcionamento psicológico de um viciado em sofrimento de outros quadros psiquiátricos, pois com freqüência ele está contido nestes. Entendemos que se não discriminarmos e trabalharmos este vício, que muitas vezes permeia por ex. uma depressão, não conseguiremos ajudar o indivíduo a superar uma crise depressiva, pois o vício não permite a desconstrução deste funcionamento bioquímico e psicológico. Usualmente, apesar de ajudarmos a pessoa a elaborar o conteúdo emocional, ela não consegue quebrar o comportamento repetitivo que mantém a postura viciada de "não dar certo", de um ser sofrente, fazendo, portanto, a manutenção de um quadro clínico com prognostico de difícil mudança, apesar de estar bem conduzido pela medicação e  pela psicoterapia.

Além é claro, fundamentalmente, dar recursos para ajudar a pessoa que padece deste vício a sair desde funcionamento psicológico, que é sempre propulsor à manutenção de um grande sofrimento psíquico e existencial. Normalmente o vicio do sofrimento é o "fio da meada" de uma problemática maior do sujeito.

            O viciado em sofrimento apresenta um comportamento repetitivo que o leva sempre a procurar  ou mesmo gerar situações conflituosas, quer seja  na suas relações afetivas, profissionais ou sociais,  com isto criando sofrimentos que poderíamos nomear como evitáveis, ou seja, aquele sofrer que provavelmente foi criado inconscientemente por nós, ou se constituiu na nossa forma de viver em relação com os outros. O vício se instala, portanto, quando a vida está boa e inconscientemente se cria situações que geram conflitos para que se sofra.

              No vício do sofrimento do qual falamos não existe uma droga concreta, muito menos externa, mas sim uma forma de se relacionar consigo e com o mundo ao seu redor.  A droga, se assim podemos chamar, seria o ganho secundário com esta atitude repetitiva que estes têm diante da vida de sempre sofrer por algo. 

              No caso do viciado em sofrimento, observamos mais claramente esta atitude existencial de sofrente, usualmente vivenciadas pelos mesmos, como vítimas nas suas relações com o mundo. Apresentam pensamentos obsessivos, com diálogos internos torturantes. Na relação com o mundo normalmente repete situações que geram conflitos, conseqüentemente frustrações, reafirmando para si que não é amado e que não tem sorte. São pessoas que vivem suspirando, com pensamentos de como sou infeliz..., as coisas não dão certo para mim..., não tenho sorte... no trabalho... ou no amor..., sou um fracassado..., NADA PARA MIM DÁ CERTO, caracterizando e perpetuando assim sentimentos de menos valia e baixa estima.

              Este mecanismo inconscientemente gera, no portador deste vício, uma dependência psicológica que definimos como uma compulsão para o uso de situações sofrentes, onde ele procura retroalimentação na dor de sofrer, buscando assim a tentativa de obtenção de um prazer, que momentaneamente o levaria a uma diminuição da sensação do desconforto gerado por algum vazio (carências, desconfirmações, rejeições, vazios existenciais e outros). Este processo leva o adicto a experimentar um efeito psíquico de preenchimento do vazio, mas como esta vivência é fugaz   e é sempre seguida por uma sensação de frustração remete-o novamente à falta, ao vazio ou carência  inicial, caracterizando assim a forma cíclica de uma dependência.  Por que algo de essencial não foi preenchido ou reconfortado, o indivíduo que padece deste vício passa a se comprazer com a dor do sofrimento, sentimento sado masoquista. Neste mecanismo, a pessoa revive o desejo infantil de ser aceita e reconhecida, desejo de sentir-se preenchida, mas na realidade o que acontece é a repetição da vivência de não aceitação vivida na díade mãe-filho.  É este sentimento ambivalente que constituirá o locus nascendi da identidade do viciado em sofrimento. Este desejo infantil e a possibilidade de pertencimento- aceitação, ser amado, é que retroalimenta o desejo do uso da droga-sofrimento.

Na próxima falaremos mais sobre esta construção.

 

Agosto 2007

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