Divagações sobre a ética no mundo corporativo

Cristina Fonseca

Caro Leitor,

Inicio este artigo com uma frase de Oscar Wilde sobre a arte, no prefácio de seu livro “O Retrato de Dorian Gray”: Toda arte é ao mesmo tempo, superfície e símbolo. Os que vão abaixo da superfície o fazem por sua própria conta e risco.  

Fazendo um paralelo com a superficialidade da sociedade moderna e longe de pensar em esgotar este tema, com algumas poucas linhas, estive pensando estes dias, após algumas reflexões a que o autor Richard Sennett (2008) me levou, sobre a questão da ética no trabalho na nossa sociedade capitalista e moderna e que, por muitas vezes, privilegia a superficialidade em detrimento da profundidade da experiência. 

Conforme Sennett, a moderna ética do trabalho concentra-se no trabalho de equipe. Com isto, comemora-se a sensibilidade aos outros, e por isso, deve-se ter algumas “aptidões delicadas”, tais como, ser um bom ouvinte, ser cooperativo e acima de tudo, ser adaptável às circunstâncias, mais conhecido nas organizações, como ter “jogo de cintura”, ser flexível, ou saber “dançar conforme a música”. Não sei como vocês vêem isto, mas dia desses deparei-me com uma situação de trabalho em equipe numa organização, em que uma das pessoas desta equipe, não estava vendo muito sentido no trabalho que se realizava e, portanto, começou a “destoar” do tom e do ritmo que o restante do grupo tentava “impor” ao trabalho. Vocês imaginam o que aconteceu? Pois é, eu mesma fui pega por um sentimento de rejeição e intolerância, por este indivíduo que não queria, naquele momento, render-se às demandas do grupo. 

Na nossa sociedade moderna prevalece a ética do grupo em oposição à ética do indivíduo, já que não é difícil constatar que nas organizações, o trabalho em grupo enfatiza mais a responsividade mútua do que a confirmação pessoal. Muitas vezes, observamos que os grupos tendem a manter-se juntos ficando na superfície das coisas, já que a superficialidade partilhada mantém as pessoas juntas evitando questões difíceis e mais pessoais. É como se o conflito tivesse que ser evitado a qualquer custo. A ética do trabalho em equipe poderia parecer mais um exemplo, portanto, dos laços de conformismo de grupo.

Há mais um aspecto que talvez seja importante comentar, sobre esta questão do trabalho em equipe, que é o fato do poder estar sempre presente nas cenas superficiais de trabalho em equipe, mas a autoridade não mais. A figura de autoridade é alguém que assume responsabilidade pelo poder que usa. Anteriormente a esta nova ética, o chefe podia fazer isto abertamente, quando verbalizava: “Eu sou seu chefe, posso fazer isto, pois sei o que é melhor.” Contudo, nas modernas técnicas de administração, as lideranças nas empresas são incentivadas a fugir do estilo “autoritário” nas suas declarações e, desta forma, acabam reforçando nos colaboradores comportamentos que nos mostram, via de regra, que eles não assumem a responsabilidade por seus atos, optando por se colocarem como “vítimas” do contexto.        

E, finalmente, percebe-se que este novo jogo do poder sem autoridade, vem gerando um novo tipo de caráter nas organizações. No lugar do homem motivado, surge o “homem irônico”, conforme afirma Senett. O autor Richard Rorty (1989), escreve sobre a ironia, como um estado de espírito em que as pessoas jamais são capazes de se levar a sério, porque sabem que os termos em que se descrevem estão sujeitos a mudança, sabem da contingência e fragilidade de seus vocabulários finais, e, portanto de seus eus.  Este novo caráter torna-se autodestrutivo no mundo moderno, pois se passa da crença em que nada é fixo para eu não sou inteiramente real, minhas necessidades não têm substância

A questão que muitas vezes se coloca para nós, psicodramatistas, dentro das organizações, é como interferir diante de perguntas que surgem para estes indivíduos, do tipo, “como devo enfrentar o futuro?”, “o que devo fazer para chegar ao cargo de Presidente?”, “como faço para não fracassar?” e caso aconteça, “como lidar com o fracasso?”, “a quem devo responder, à ética do grupo ou a minha própria?”

Este novo regime flexível, dentro deste contexto de constantes mudanças que vivemos, parece talvez gerar uma estrutura de caráter constantemente “em recuperação”. Como transformar este “eu irônico” num “eu verdadeiramente motivado” e comprometido, dentro das organizações e das equipes de trabalho? Como potencializar o indivíduo espontâneo e criativo de Moreno? “Como preservar a identidade e singularidade, diante de toda esta descontinuidade?” e por fim, “Como lidar com esta nova ética no mundo corporativo?”

Estas são algumas das perguntas que se colocam para nós e que venho aqui compartilhar com vocês.  

Referências Bibliográficas:
RORTY, Richard. Contingency,Irony, and Solidarity. Cambridge,R.U.: Cambridge University Press, 1989.

SENNETT, Richard. A Corrosão do Caráter. Rio Janeiro: Record, 2008.

 

 

Março 2009

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