Encontro

Vera Rolim

 

 

Falar do encontro nos conecta diretamente com Martin Buber. Os psicodramatistas o conhecem sobretudo pelos textos do Fonseca, dedicado estudioso de Buber nos anos 70.

Martin Buber era um filósofo, poliglota, pesquisador das artes, sociologia e religiões, especificamente do hassidismo. Teve muito contato com as comunidades hassídicas, na sua juventude. Judeu, nascido em Viena, em 1878, estudou nesta cidade e, em Berlim, foi professor nessas universidades e depois, com a ascensão do nazismo, foi trabalhar na Universidade de Jerusalém. Contemporâneo de Freud e de Moreno, comungava ideais comuns com Moreno, com quem tinha contato. Em 1923, publicou o “Eu-Tu e Eu-Isso” sobre a filosofia do encontro, que constitui a base filosófica do psicodrama. A idéia central do “Eu-Tu e Eu-Isso” é que o homem tem uma dupla atitude relacional frente ao mundo: no vínculo com o outro, Eu-Tu é uma relação viva, onde o Tu, se fazendo presente, configura o Eu, é uma relação recíproca, direta, ligada à linguagem primordial ; e a segunda atitude, Eu-Isso, é a relação com o mundo, em termos de experiência externa e interna e conhecimento, o pensar, imaginar, pesquisar, onde o mundo é vivenciado como objeto, que é utilizado e experimentado. A relação Eu-Tu se faz no presente, no aqui e agora, é um voltar-se inteiramente para o outro (tu). Só pode ser vivida pelo ser inteiro. Quando você se volta realmente para o outro (tu) e o discrimina e o acolhe como outro ser, concomitantemente, você conscientiza e se apropria do seu eu. Este momento é iluminado e dá sentido à existência humana. É fugaz. A seguir, os participantes desta relação intensa caminham para a relação Eu-Isso, onde eles descansam, refletem, imaginam, realizam tarefas, pesquisam, enfim, essa multiplicidade de possibilidades de relação com o mundo enquanto objeto. É também um tipo de relação indispensável, o espírito científico e estético também se situam neste âmbito. Se falarmos de uma ética, será colocar a relação Eu-Isso a serviço da relação Eu-Tu.

O Eu-Isso se realiza dentro das coordenadas de espaço e tempo, diferente do Eu-Tu, em que estes dados não são levados em conta. O Eu-Tu acontece no presente, o Eu-Isso no passado. Há uma linha tênue e móvel que separa os dois tipos de relação, mas geralmente elas convivem juntas ou alternadamente. Buber ressalta que o homem não pode viver sem o isso e que ele pode viver só no passado, na relação Eu-Isso, mas que, quem vive só no isso, não é homem, não vive sua real humanidade. Este pensador focaliza a linguagem encarnada como o caminho efetivo para se chegar ao encontro.

Podemos também considerar a relação com o outro, tu, no vínculo consigo mesmo, no contato com o outro interno, pois como dizem os poetas e pensadores, como Lacan, o eu é um outro.

A linguagem do ser inteiro de Buber tem aproximações com a fala plena lacaniana. Lacan pensa que Buber se encaminha para a vertente mística, no que concordamos com ele, mas que a vertente mística pode ser explicada, que este para além pode ser articulado. Será que pode ser articulado em conformidade com o desejo dos sujeitos? Ou o que acontece no encontro vai além? De todo modo, penso que a meta do encontro ilumina e estimula o sentido da existência humana.

 

Fevereiro 2008

 

Para comentar a matéria, escreva uma mensagem para:
Vera Rolim
verarolim@uol.com.br